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Parece algo raro, para não dizer excepcional. Em uma época em que a maioria das pessoas vendem suas almas por notoriedade, Christopher Tolkien não fala à imprensa há 40 anos. Nada de entrevistas, nem anúncios, nem conferências – nada.
Foi uma decisão que ele tomou com a morte de seu pai, John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), autor inglês do imensamente famoso O Senhor dos Anéis (três volumes publicados em 1954 e 1955), e de um vasto mundo, com cerca de 150 milhões de livros vendidos e traduzido em 60 idiomas.
Este silêncio de longa data foi simplesmente por capricho? Certamente que não. O filho de J. R. R. Tolkien [hoje com 88 anos, completados em 21 de novembro de 2012] é a pessoa mais calma que se possa imaginar. Um inglês distinto e com bastante sotaque, e que se estabeleceu no sul da França, em 1975, com sua esposa Baillie e seus dois filhos. Será que ele guardava silêncio só porque não dava a mínima? Ainda menos provável. Durante todos esses anos de silêncio, a sua vida tem sido de incessante trabalho, organizando, de forma quase hercúlea, os textos inéditos de seu pai, de quem ele é o executor literário.
Nada disso. A reserva de Christopher Tolkien tem uma explicação muito diferente: a enorme distância, quase um abismo, que foi criada entre os escritos de seu pai e seus descendentes comerciais [filmes, games e etc.]. Trabalhos que ele não reconhece, especialmente desde que o cineasta Peter Jackson fez O Senhor dos Anéis, três filmes de sucesso fenomenal, entre 2001 e 2003. Ao longo dos anos, uma espécie de universo paralelo se formou em torno do trabalho de Tolkien, um mundo de imagens frenéticas e de estatuetas, baseados nos cultuados livros originais, mas muito diferente deles, como uma ilha que se afastou bastante do continente.
Esta galáxia comercial agora é de vários bilhões de dólares – e a maior parte disso não vai para os herdeiros de Tolkien, e, portanto, dificulta a gestão de sua herança pela família, que é polarizada não sobre as imagens ou objetos, mas pelo respeito às palavras de Tolkien. Através de uma curiosa coincidência, a situação lembra o enredo de O Senhor dos Anéis, onde tudo começa com um problema herdado: Frodo Bolseiro, o herói, recebe de Bilbo o Anel mágico famoso, cuja posse atrai a cobiça em cada lugar, e consequentemente provoca o mal.
Aguardando a estreia mundial de um novo filme de Peter Jackson, desta vez inspirado no O Hobbit (1937), os Tolkien estavam se preparando para lidar com o estresse de uma infinidade de pedidos. “Nós vamos ter que erguer barricadas”, diz a esposa de C. Tolkien, Baillie, com um sorriso.
“Desespero Intelectual”
Apesar disso, porém, Christopher Tolkien aceitou falar com o Le Monde sobre este legado, um patrimônio que tem sido sua vida de trabalho, mas que também se tornou a fonte de certo “desespero intelectual.” Porque, afinal, o legado de J. R. R. Tolkien é tanto a história de uma transmissão literária extraordinária de um pai para um filho, como é a história de um mal-entendido. As mais conhecidas obras, e que têm obscurecido todo o resto, eram apenas um epifenômeno aos olhos de seu autor. Elas são só um cantinho do vasto mundo de Tolkien, cujos direitos ele mesmo vendeu, pelo menos em parte.
Em 1969, o escritor vendeu os direitos para o cinema, juntamente com os direitos de produtos derivados, de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, para a United Artists, por 100.000 libras esterlinas, uma soma considerável na época, mas insignificante quanto ao valor atual.
Este dinheiro foi destinado à herança de seus filhos e a pagar os seus impostos, que eram muito altos durante o governo trabalhista no Reino Unido da época. Ele também temia que as mudanças nas leis de direitos autorais americanas fossem prejudicar os direitos de seus filhos. Pois O Senhor dos Anéis tinha se tornado imediatamente um sucesso meteórico, especialmente nos Estados Unidos.
Exceto em Oxford, onde as críticas de seus colegas afetaram muito o escritor, e seu trabalho foi encarado como fuga, o entusiasmo foi geral. “A mania Tolkien era muito parecida com a que se tem hoje com Harry Potter”, observa Vicente Ferré, professor na Universidade de Paris-XIII, que organiza a publicação de um Dicionário Tolkien [em francês] que irá aparecer no outono [europeu]. A partir da década de 1960, O Senhor dos Anéis se tornou um símbolo da contracultura, em particular nos Estados Unidos. “A história de um grupo de pessoas que se rebelam contra a opressão, com um fundo de fantasia, serviu como inspiração para militantes de esquerda, sobretudo, em Berkeley, na Califórnia.“
Na época da guerra no Vietnã, slogans como “Gandalf para Presidente” ou “Frodo vive!” começaram a aparecer. E um sinal que mostra que a lenda persiste: durante a segunda guerra do Iraque, adesivos satíricos foram impressos que diziam: “Frodo falhou, Bush tem o Anel”.
Um Retiro na França
Exceto O Hobbit e O Senhor dos Anéis, Tolkien publicou muito pouco durante a sua vida, e certamente nada se iguala ao sucesso de seus dois best-sellers. Quando ele morreu, em 1973, uma parte gigantesca de seu trabalho permanecia inédita.
O Hobbit e O Senhor dos Anéis são realmente episódios que apenas acontecem em uma história que tem milênios. Christopher Tolkien trabalhou para trazer toda esta mitologia, parcialmente fragmentada, à luz e de uma forma muito incomum. Ao invés de contentar-se com os livros já publicados, ele foi trabalhar em algo que se tornou uma verdadeira paixão, como fica evidente quando ele mesmo fala: um trabalho de exumação literária.
Ele recebeu a repórter de forma bondosa e tranquila, em sua própria casa, que fica entre pinheiros e oliveiras. Ela é bem melhor do que uma toca hobbit escondida no chão, e não é um local fácil de encontrar. Por uma estrada longa e poeirenta, você vê uma casa cor de rosa. O lugar está entre flores silvestres e uma bonita relva, sem quaisquer sinais óbvios que indique grandes fortunas. Um ambiente calmo e atemporal reina aqui, exatamente a imagem de seus ocupantes.
O homem que vive aqui é o terceiro dos quatro filhos de J. R. R. Tolkien e, com Priscilla, sua irmã, é único sobrevivente. Christopher é o executor testamentário de seu pai e diretor-geral da Tolkien Estate, a empresa que gerencia e distribui os royalties de direitos autorais para os herdeiros: Priscilla e Christopher, seis netos e os 11 bisnetos de J. R. R. Tolkien.
A empresa é de tamanho modesto, com apenas três funcionários, um dos quais é o filho de Christopher e Baillie, Adam, e é assessorada em Oxford por um escritório de advocacia. A ela também inclui um ramo dedicado à filantropia, a Tolkien Trust, que está ocupada principalmente com projetos educacionais e humanitários.
Mas é a partir de seu retiro francês que Christopher Tolkien tem trabalhado nos livros e respondido as solicitações. O interior é simples e acolhedor, com livros e tapetes, poltronas confortáveis, e fotos da família. Em uma das imagens está J. R. R. Tolkien, seus dois filhos mais velhos, sua mulher e um bebê chamado Christopher nos braços de sua mãe. Desde o início, sem dúvida, foi o público mais receptivo para o trabalho de seu pai, e o que mais se aborreceu, mais tarde, com a sua evolução.
Uma Imaginação Extraordinária
Tolkien era um linguista brilhante, especialista em Inglês Antigo, professor em Oxford e dotado de uma extraordinária imaginação. Sua paixão foi para as línguas, e ele tinha inventado várias delas, e então construiu um mundo para protegê-las. Por “mundo” entenda-se não apenas histórias, mas a história, geografia, costumes, em um universo inteiro, que serviria como um fundo para seus contos.
Em 1937, assim que foi publicado, O Hobbit imediatamente se tornou um sucesso de crítica e público, a ponto de seu editor, então Allen and Unwin, exigir uma sequência com urgência. Tolkien, no entanto, não quis continuar na mesma linha. Ele tinha quase terminado uma narrativa dos tempos mais antigos do seu universo, o que ele chamou de O Silmarillion. Muito difícil, decretou a editora, que continuou a assediá-lo por algo novo. O escritor, um pouco sem entusiasmo, aceitou o projeto de escrever uma nova história. Na verdade, ele estava prestes a pôr em pé a primeira pedra do que viria a ser O Senhor dos Anéis.
Mas ele não se esqueceu de O Silmarillion, nem seu filho. As mais antigas memórias de Christopher Tolkien estão ligadas à história das origens de seu mundo imaginário e que seu pai gostava de compartilhar com os filhos. “Por mais estranho que possa parecer, eu cresci no mundo que ele criou”, explica. “Para mim, as cidades de O Silmarillion são mais reais do que a Babilônia”.
Em uma prateleira na sala de estar, não muito longe da bonita poltrona de madeira em que Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis, há um estrado coberto por um pequeno bordado gasto. Este é o lugar onde Christopher, com 6 ou 7 anos, parava para ouvir as histórias de seu pai. “Meu pai não tinha dinheiro para pagar um secretário”, diz ele. “Eu fui o único que escreveu e desenhou os mapas que ele esboçou”. “À noite, recorda, ele entrou no meu quarto e me contou, parado em frente à lareira, grandes histórias, como a de Beren e Lúthien, por exemplo. Tudo que parecia interessante vinha de sua maneira de ver as coisas”.
Pouco a pouco, a partir de final de 1930, O Senhor dos Anéis tomou forma. Christopher alistou-se na Royal Air Force e partiu para uma base aérea na África do Sul, em 1943, onde a cada semana ele recebia uma longa carta de seu pai, assim como os capítulos da novela que estava a caminho. “Eu era um piloto de caça. Quando chegava, lia um capítulo”, diz ele, divertindo-se, mostrando uma carta na qual o pai pede seu conselho sobre a formação de um nome próprio.
A primeira coisa que ele se lembra de sentir após a morte de seu pai foi um senso de grande responsabilidade. Nos últimos anos de sua vida, Tolkien começou a trabalhar novamente em O Silmarillion, tentando em vão trazer alguma ordem para a narrativa, como na escrita de O Senhor dos Anéis, que foi buscar elementos dessa antiga mitologia, e que tinha causado alguns anacronismos e discrepâncias em O Silmarillion.
“Tolkien não poderia fazê-lo”, observa Baillie. Por um tempo ela havia trabalhado como assistente do escritor, e mais tarde em uma edição de suas coleções, chamada The Father Christmas Letters [As Cartas de Papai Noel, recentemente publicado no Brasil pela Editora Martins Fontes]. “Ele estava atolado em detalhes cronológicos, reescreveu tudo, tornou-se mais e mais complicado.” Entre pai e filho, entendeu-se que Christopher iria assumir a tarefa se o escritor morresse sem terminá-la.
Um Tesouro Escondido
Ele também encontrou documentos de seu pai após a morte: 70 caixas de arquivos, cada uma recheada com milhares de páginas inéditas. Narrativas, contos, palestras, poemas de 4.000 linhas mais ou menos completos, letras e mais letras, todas em uma desordem assustadora. Quase nada foi datado ou numerado, apenas caixas com um recheio desregrado.
“Ele tinha o hábito de viajar entre Oxford e Bournemouth, onde muitas vezes ficou”, relata Baillie Tolkien. “Quando ele saia, colocava montes de papéis em uma mala que sempre manteve consigo. Quando chegava, ele às vezes tirava uma folha qualquer, de forma aleatória, e começava com ela!” Por tudo isso, os manuscritos eram quase indecifráveis, porque sua letra era muito apertada.
No entanto, neste emaranhado improvável, existe um tesouro, não só O Silmarillion, mas as versões quase completas de todos os tipos de lendas apenas vislumbradas em O Hobbit e O Senhor dos Anéis – um arquipélago quase submerso, cuja existência Christopher conhecia parcialmente. Foi então que o trabalho ganhou uma segunda vida – assim como Christopher. Ele se demitiu do New College, em Oxford, onde também se tornou professor de Inglês Antigo, e atirou-se de cabeça na edição do trabalho de seu pai. Ele deixou a universidade sem arrependimentos, que (puxando pela memória, nota-se seu brilho nos olhos) chegou a jogar fora a chave que cada professor recebe e que dever ser exibida no final do ano, em uma cerimônia ritual.
Primeiro na Inglaterra, depois na França, ele remontou as partes de O Silmarillion, tornando-o mais coerente, acrescentou e preencheu aqui e ali, e publicou o livro em 1977, com algum remorso. “Imediatamente pensei que o livro estava bom, mas um pouco falso, no sentido de que eu tive que inventar algumas passagens”, explica ele. Na época, ele ainda tinha um sonho preocupante. “Eu estava no escritório do meu pai, em Oxford. Ele entrou e começou a procurar algo com grande ansiedade. Então eu percebi com horror que era O Silmarillion, e eu estava apavorado com a ideia de que ele iria descobrir o que eu tinha feito”.
Enquanto isso, a maioria dos manuscritos que ele havia trazido para a França, empilhados na traseira de seu carro, teve que voltar para Oxford. A pedido do resto da família, nervosa com esta migração, os papéis voltaram da mesma forma como eles haviam chegado, à Biblioteca Bodleian, onde eles estão atualmente mantidos e agora estão sendo digitalizados. Portanto, Christopher teve de realizar seu trabalho com fotocópias, o que foi um grande problema. Foi impossível, por exemplo, notar a cor da tinta ou a textura do papel quando se tentou datar os documentos. “Mas eu tinha a sua voz no meu ouvido”, diz Christopher Tolkien. Desta vez, ele se tornaria, diz, “o historiador do trabalho, seu intérprete”.
Trabalho Árduo e Influências
Por 18 anos trabalhou a toda velocidade em The History of Middle-Earth [“A História da Terra-média”, não publicados no Brasil], a edição gigantesca de 12 volumes que traça a evolução do mundo de Tolkien. “Durante todo esse tempo, eu o assisti datilografar com três dedos em uma máquina antiga que pertenceu a seu pai”, observa a esposa. “Você podia ouvi-lo por todo o caminho até a rua!”
Era uma mina de ouro da literatura, mas também um trabalho árduo, que deixou Christopher esgotado, para não dizer deprimido. Mas não se preocupe, ele não iria parar por aí. Em 2007, ele publicou Os Filhos de Húrin, um romance póstumo de Tolkien, recomposto a partir de obras que apareceram aqui e ali. Ele vendeu 500.000 cópias em inglês e foi traduzido para 20 idiomas.
Como esta nova geografia literária que se levantou de sua velha máquina de escrever, o universo de Tolkien também se proliferou no mundo exterior, de forma totalmente independente. Após a morte de Tolkien, o poder de sua imaginação logo deu origem a novas obras, e às vezes turbulentas. “A flexibilidade desses livros explica seu sucesso”, comenta Vicente Ferré. “É uma obra que cria um mundo, onde os leitores podem entrar e se tornar seus atores”.
A influência do escritor no campo literário foi sentida na fantasia em geral, onde suas criações tinham reativado um gênero que datava do século 19. A partir de 1970 e especialmente 1980, um gênero de fantasia heroica foi desenvolvido, rico em “Tolkienismo”, com fundos lendários, com elfos e dragões, magia e batalha contra as forças do mal.
“Seu mundo, como o dos contos de fadas dos irmãos Grimm, tornou-se parte do imaginário do mundo ocidental”, escreve o inglês Thomas Alan Shippey, em um ensaio dedicado a Tolkien. Na França e em outros países, muitos editores têm investido neste mercado particularmente lucrativo. Mais de quatro milhões de livros do gênero foram vendidos apenas em 2008.
Primeiro nos Estados Unidos, então em toda a Europa e mesmo na Ásia, o gênero se tornou uma indústria enorme, logo incluindo histórias em quadrinhos, jogos de RPG, jogos de video game, filmes e até mesmo música, como o rock progressivo. Na década de 2000, “fan fictions” chegaram à internet, cada uma preenchendo o mundo de Tolkien de sua própria maneira.
O Senhor dos Anéis, metamorfoseado em uma espécie de entidade autônoma, acabou vivendo sua própria vida. Ele inspirou George Lucas, autor da série Star Wars, cujo primeiro filme foi lançado em 1977. Ou o grupo de rock Led Zeppelin, que incorporou as referências ao livro em várias músicas, incluindo “The Battle of Evermore”.
Mas nada disso incomodava a família até os filmes de Peter Jackson. Foi o lançamento do primeiro filme da trilogia, em 2001, que mudou a natureza das coisas. Primeiro, ele teve um efeito prodigioso em vendas de livros.
“Em três anos, de 2001 a 2003, 25 milhões de cópias de O Senhor dos Anéis foram vendidas – 15 milhões em Inglês e 10 milhões em outras línguas. No Reino Unido, as vendas subiram 1000% após o lançamento do primeiro filme da trilogia, A Sociedade do Anel”, diz David Brawn, editor da HarperCollins, que detém os direitos de publicação dos livros de Tolkien em Língua Inglesa, exceto nos Estados Unidos.
Efeito Contagioso
Muito rapidamente, no entanto, a visão do filme, concebido na Nova Zelândia pelos conhecidos ilustradores Alan Lee e John Howe, ameaçou invadir a obra literária. Sua iconografia inspira a maioria dos jogos de video game e de merchandising. Logo, por um efeito contagioso, o próprio livro tornou-se menos uma fonte de inspiração para os autores de fantasia do que o filme, e depois os jogos inspirados no filme, e assim por diante.
O frenesi fez os advogados da família de Tolkien dar outra olhada no seu contrato, que estipulava que a Tolkien Estate deveria receber uma percentagem dos lucros se os filmes fossem rentáveis. Com as cifras incríveis alcançadas, os advogados da família sacudiram a poeira do contrato e exigiram da New Line, a produtora americana dos filmes, que havia comprado os direitos de filmagem de O Senhor dos Anéis e O Hobbit, a sua fatia do bolo. E surpresa! Cathleen Blackburn, advogada da Tolkien Estate em Oxford, relata ironicamente: “Esses filmes extremamente populares, aparentemente, não fizeram lucro algum! Recebemos declarações dizendo que os produtores não deviam à Tolkien Estate sequer um centavo”.
O caso durou de 2003 a 2006, e então as coisas tornaram-se mais complicadas. Os advogados do espólio de Tolkien, os da Tolkien Trust e da editora HarperCollins, exigiram US $ 150 milhões em danos, bem como os direitos sobre as adaptações seguintes da obra de Tolkien. Uma ação judicial foi necessária antes que um acordo fosse alcançado em 2009. Os produtores pagaram 7,5% de seus lucros para o Tolkien Estate, mas a advogada, que se recusa a dar um número, acrescenta que “é muito cedo para dizer quanto vai ser no futuro”.
No entanto, a Tolkien Estate não pode fazer nada sobre a maneira como a New Line adapta os livros. No filme O Hobbit, por exemplo, o público vai descobrir personagens que Tolkien nunca colocou lá, especialmente personagens mulheres. O mesmo vale para os produtos, que variam de toalhas de chá a caixas de nuggets, com uma infinita variedade de brinquedos, artigos de papelaria, camisetas, jogos, etc. Não apenas os títulos dos livros em si, mas também os nomes de seus personagens são marcas registradas.
“Estamos no banco de trás do carro”, comenta Cathleen Blackburn. Em outras palavras, a Tolkien Estate pode fazer pouco, apenas olhar a paisagem, exceto em casos extremos – por exemplo, recentemente foi impedido o uso do nome O Senhor dos Anéis em máquinas caça-níqueis, em Las Vegas, ou para parques de diversões. “Fomos capazes de provar que nada no contrato original estipulava esse tipo de exploração”.
“Eu poderia escrever um livro sobre os pedidos idiotas que tenho recebido”, suspira Christopher Tolkien. Ele está tentando proteger o trabalho literário de seu pai do circo que se desenvolveu em torno dele. Em geral, a Tolkien Estate recusa quase todos os pedidos. “Normalmente, os executores do espólio querem promover um trabalho tanto quanto for possível”, observa Adam Tolkien, filho de Christopher e Baillie. “Mas nós somos exatamente o oposto. Queremos colocar os holofotes sobre o que não é O Senhor dos Anéis”.
A Tolkien Estate não foi capaz de impedir um desenho animado americano chamado “The Lord of The Beans”, mas uma versão em história em quadrinhos foi interrompida. Esta política, no entanto, não tem protegido a família da realidade de que o trabalho agora pertence a um público gigantesco, culturalmente muito longe do escritor que o concebeu.
Convidados a conhecer Peter Jackson, a família Tolkien recusou. Por quê? “Eles arrancaram as vísceras do livro, tornando-o um filme de ação para jovens entre 15 e 25 anos”, diz Christopher. “E parece que O Hobbit será o mesmo tipo de filme”.
O divórcio tem sido sistematicamente conduzido pela lógica de Hollywood. “Tolkien tornou-se um monstro, devorado por sua própria popularidade e absorvido pelo absurdo da nossa época”, Christopher Tolkien observa com tristeza. “Ampliou o abismo entre a beleza e a seriedade do trabalho, e o que ele se tornou. E já foi longe demais para mim. A comercialização reduziu o impacto estético e filosófico da obra a nada. Há apenas uma solução para mim: Virar meu rosto para outro lado”.
É difícil dizer quem ganhou essa batalha silenciosa entre a popularidade e o respeito para com o texto. Nem quem, finalmente, tem o Anel. Uma coisa é certa: de pai para filho, uma grande parte da obra de J. R. R. Tolkien já emergiu de suas caixas, graças à infinita perseverança de seu filho.