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Tauriel e outras mudanças do filme: análise na Folha

482425_10151813687829821_764774952_nPra quem não teve paciência de ler minha gigantesca resenha do filme ou ficou com medo dos spoilers, de repente vale a pena dar uma lida abaixo na análise da comparação livro versus filme que fiz pra edição de hoje da Folha de S.Paulo.

Sinceramente, recuso o rótulo de purista — tanto que gostei da Tauriel e até cito os precedentes pro papel dela na obra. Bem, vejam por si mesmos, gente bonita.

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REINALDO JOSÉ LOPES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em “A Desolação de Smaug”, o time de roteiristas liderado por Peter Jackson, basicamente o mesmo que trabalhou nos três filmes da série “O Senhor dos Anéis”, acabou criando a narrativa que, por enquanto, mais se distancia dos livros de J.R.R. Tolkien quando comparada aos outros capítulos das duas trilogias.

Por incrível que pareça, a mudança mais comentada e lamentada pelos fãs dos livros, a “invenção” da elfa guerreira Tauriel, está longe de ser a mais intrusiva. O professor de literatura americano Corey Olsen, especialista na obra de Tolkien, costuma brincar que dois cromossomos X não são vistos juntos em nenhum momento do livro “O Hobbit” (é sério: não há nenhuma mulher, elfa ou anã na ação da obra), e a criação de Tauriel para o cinema decerto foi vista como uma concessão inevitável para o público feminino.

Para quem torceu o nariz para as proezas bélicas da moça, vale lembrar que há precedentes nos textos do próprio Tolkien – no livro póstumo “Contos Inacabados”, por exemplo, ele retrata a elfa Galadriel, a etérea rainha de “O Senhor dos Anéis”, pegando em armas para defender seu povo. E outro aparente sacrilégio (atenção para o spoiler!), o flerte entre Tauriel e o “anão gatinho” Kili (Aidan Turner), tem ecos da paixão platônica – quase adoração, na verdade – que o anão Gimli nutre pela própria Galadriel na Saga do Anel.

Por que dizer, então, que este é o filme no qual Jackson e companhia mais tomaram liberdades com a sua fonte? Em grande parte, trata-se de uma questão de tom. O segundo filme captura relativamente pouco do bom humor do livro (e, quando a ideia é ser engraçado, Jackson opta pelo pastelão, no lugar da comédia mais sutil de Tolkien).

Outro ponto importante é como “A Desolação de Smaug” retrata a transformação do hobbit Bilbo em herói. Na obra literária, o leitor sabe o tempo todo que a coragem de Bilbo está muito mais ligada à sua disposição de fazer a coisa certa mesmo morrendo de medo, enquanto os filmes não conseguem resistir à tentação de transformar o hobbit em espadachim, mesmo quando a coisa fica inverossímil.

Coisa parecida se dá com o príncipe anão Thorin, um sujeito muito mais calculista e menos heroico no livro (exceto quando chega o gran finale do personagem). No geral, talvez o problema de Jackson seja que ele confia muito menos do que Tolkien na capacidade do espectador/leitor de captar sutilezas.

Se há algo que compensa esses escorregões, é o magnífico dragão Smaug – não por acaso, o personagem cujas falas mais se aproximam do texto original.

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