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MIL SPOILERS! Assistimos e resenhamos “A Batalha dos Cinco Exércitos”!!!

É com um misto de alegria e pesar que pego da pena (ou sento na frente do meu teclado, melhor dizendo) para fazer a última resenha de um filme tolkieniano aqui na Valinor pelos próximos… sei lá, muitos anos. Acabou, ao menos por enquanto, pessoal. E a grande questão é: acabou de um jeito digno?

A resposta é meio complicada. O fato é que, assim como ocorreu em “A Desolução de Smaug”, tem bastante porcaria em “A Batalha dos Cinco Exércitos”. Ao mesmo tempo, porém, quando o assunto é enxergar os seis filmes, a Hexalogia da Terra-média (ó que termo chique) juntando “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”, o safado do Peter Jackson deu um jeito de amarrar as coisas de um jeito bem sacado e comovente – embora seja necessário engolir algumas cenas bastante constrangedoras para chegar lá. Uma vitória, portanto? Sim, mas não uma vitória sem custo, como bem sabem os que precisam enfrentar qualquer guerra.

Dito isso, vamos ao que interessa. Antes de mais nada, tenha em mente que o resto do texto conterá UM CAMINHÃO DE SPOILERS. E com isso quero dizer SPOILERS A DAR COM O PAU MESMO. Não farei um relato praticamente cena a cena do filme, como costumo fazer desde “A Sociedade do Anel”, mas mesmo assim boa parte do conteúdo propriamente dito da película estará por aqui. Portanto, se você é daqueles que não quer saber nada sobre um filme que verá, é melhor fechar esta janela do seu navegador, e já.

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Ainda por aqui, mellon? OK, avante então.

Se eu fosse resumir o que realmente me irrita na trilogia hobbitesca (em contraposição à trilogia cinematográfica do SdA, por exemplo), acho que daria pra fazer uma pequena lista de fatores. Vamos a eles:

1)Maniqueísmo/simplificação absurda de personalidades e situações;

2)Senso de humor tosco;

3)Completo desrespeito pelas leis da física;

4)Texto mal escrito.

Note em que nenhum ponto dessa lista está “excesso de alterações na narrativa original de Tolkien”. Compreendo perfeitamente a necessidade de fazer alterações em relação ao texto dos livros. O problema, minha gente, é que Tolkien sabia escrever. Se você quer inventar um diálogo que não está nos livros, é bom que você também saiba escrever.

A questão, porém, é que todas as vezes que PJ e companhia precisam tirar um bom TEXTO de suas milionárias cabecinhas, o resultado é muito mais fraco do que qualquer coisa que Tolkien tenha escrito na vida. Desculpaí, mas eles não sabem escrever. E, como muitas das cenas da nova trilogia precisaram ser escritas por eles praticamente do zero, o resultado fica muito abaixo da qualidade literária das obras.

A má notícia é que todos esses 4 itens estão abundantemente presentes nesse último filme. A boa é que eles nem sempre comprometem o resultado final.

Encerrado este pequeno preâmbulo, o que dá pra dizer em favor de PJ e seus asseclas é que eles começam o filme a todo vapor, colocando o espectador bem no meio da ação – o ataque de Smaug a Esgaroth. Enquanto Bilbo e os anões observam o lago de longe com aquela cara de “caralho, que merda nós fizemos”, nosso dragão preferido cospe fogo loucamente e coloca a Cidade do Lago em polvorosa.

A cena é espetacular, mas não consigo deixar de notar que ela perde muito de seu impacto com uma série de coisas ridículas. Primeiro, não tem rigorosamente ninguém de Esgaroth tentando contra-atacar Smaug. Bard está na cadeia, coitado, só tem gente gritando nos canais e o único barco decente aparentemente está sendo usado pelo Mestre da Cidade e por seu assessor cuzão Alfrid para transportar todos os metais preciosos da cidade para longe de Smaug (o que me parece uma idiotice considerando que o dragão seria capaz de derreter os sujeitos e todo o seu ouro com uma única fungada, mas deixa pra lá).

Tauriel está tentando salvar os filhos de Bard e os anões que estão com ela (Kili, Fili, Bofur e Óin). Nisso, Bard dá um jeito de prender uma corda improvisada no barco do Mestre da Cidade (!), quase enforcando-o no processo (!!) e com isso arrebenta as grades da prisão. Pega arco e flechas e sobe para a torre mais alta com o objetivo de atingir Smaug.

Nisso eu me animei: será que teríamos uma flecha preta decente e não aquela lançona, afinal? Nah, seria sorte demais. No fim das contas, depois de perder todas as suas flechas normais, Bard conta com a ajuda de seu filho Bain, que milagrosamente (ou, sendo menos generoso, forçadamente) pega a lança-de-vento, leva-a para seu pai e, quando Smaug ainda por cima dá um jeito de quebrar o arco de Bard, funciona como “mira humana”. É sério: Bard improvisa a corda do arco num pedaço de madeira, apoia a lança nas costas do menino e então finalmente mata Smaug. Pelo menos dá pra dizer isto: a morte do dragão é adequadamente espetacular. E ele ainda mata o Mestre da Cidade ao cair bem em cima dele. Adeus, Stephen Fry, foi um prazer tê-lo neste elenco.

VERGONHA ALHEIA MASTER

Os anões percebem a morte de longe, ficam todos animadinhos. Já Kili, Fili, Bofur e Óin prepararam para partir rumo a Erebor. Vem então o momento constrangedor que mais me fez me encolher na cadeira do cinema: Kili tenta convencer Tauriel a partir com eles. Não tenho nada contra o conceito em si da paixão de um anão por uma elfa. Mas meu, a melhor coisa que os roteiristas conseguiram pensar pro Kili falar foi: “Tauriel, vem comigo, você faz eu me sentir vivo”. Tipo, sério? “Você faz eu me sentir vivo”!? Kili, meu filho, nem puta você consegue pegar com esse papinho. Vergonha alheia.

Bom, deixa pra lá. A ação parte então pra retratar os preparativos pra grande batalha que dá título ao filme. Meu problema aqui é basicamente o item 1 da minha lista: a sutileza ao retratar as negociações e a declaração de guerra entre os anões de Erebor, de um lado, e os elfos e humanos do Lago, de outro, é nula. Inexistente.

Primeiro, de uma hora pra outra, a “doença do dragão” causada pelo ouro e pela vontade doida de achar a Pedra Arken, tomam conta de Thorin quase imediatamente. Eu adoro o Richard Armitage, mas a ideia dele de interpretar a “doença do dragão” é ficar babando em volta do ouro com voz de tesão. Só faltou ele bater uma punhetinha pras moedas. Tosco.

A intransigência do Thorin em relação a ceder uma única moedinha que seja do ouro, por qualquer motivo que seja, também supera tudo o que a gente vê no livro. A transformação do sujeito teimoso e orgulhoso, mas extremamente decente, num doido egocêntrico que quer deixar todo o povo do Lago morrer de fome é repentina demais.

Também acho muito difícil engolir Thranduil. Ele aparece de repente em Valle, onde o povo do Lago se refugiou, trazendo comida. Bard vai agradecê-lo e Thranduil se sai com essa: “Sua gratidão é desnecessária, estou fazendo isso apenas porque quero as joias da Montanha”. I beg your pardon? Thranduil é arrogante e gosta de joias, mas ele mostra uma genuína preocupação com o bem estar dos humanos do Lago. Ele não é o Fëanor ou o Celegorm, minha gente. Não dá pra entender porque retratá-lo como um cuzão absoluto.

Dos chefões, o único personagem humanamente crível é o Bard – como, aliás, no filme anterior também.

E, claro, Bilbo, ao menos, acerta o tom. Esses filmes só fizeram crescer meu respeito pela capacidade de Martin Freeman como ator. O cara é sempre delicado e sutil, consegue reproduzir com perfeição o misto de timidez, senso de humor e, bem lá no fundo, coragem indomável que é a essência de Bilbo Bolseiro. A cena na qual ele leva a Pedra Arken para Bard e Thranduil é impagável. Não por acaso, ele foi o único personagem capaz de arrancar risadas de verdade das pessoas que assistiam o filme na cabine de imprensa.

PANCADARIA SEM FIM

OK, e vamos para a batalha. De novo, acho que o gosto pelas cenas de videogame e pelo humor negro deram uma considerável estragada na batalha que dá título ao filme. Exemplo: Dáin Pé-de-Ferro, ruivo, montado num javali (!?), é uma figura que não inspira nem um pouco de respeito.

(Aliás, qual é a desse filme com as montarias bizarras? Não basta o alce-irlandês do Thranduil, ainda temos Thorin e companhia cavalgando incompreensíveis carneiros monteses que eu não sei de onde foram tirados e Legolas sendo carregado por um morcego do mal e flechando o crânio da própria montaria alada.)

Legolas, claro, desafia as leis da física repetidas vezes. Alfrid, o mala do Lago, passa a batalha inteira tentando salvar a própria pele e encher o bolso com moedas de ouro em cenas que alguém achou que eram engraçadas (só queria saber quem foi o safado, pra eu poder esganá-lo). A criatividade perversa de PJ e companhia ficou achando várias maneiras de criar trolls geneticamente modificados com propósitos bélicos específicos – trolls aríetes, trolls com pernas de ferro, trolls manetas… a lista é longa.

E Beorn? Ah, tem uma aparição de 30 segundos. Aparece montado numa das águias, pula das costas dela e vira urso. Sério.

Outro problema sério do filme, do meu ponto de vista, é a trama paralela na qual o Conselho Branco liberta Gandalf e enfrenta Sauron. Essa cena nunca foi descrita nos livros, mas eu imaginava algo mais complexo e sutil do que Saruman e Elrond lutando contra os Espectros do Anel na base da cajadada e da espadada enquanto Galadriel vira a Elfa Lôca Verde Poderosa (como na cena de “A Sociedade do Anel”) e meio que exorciza Sauron de Dol Guldur.

Enfim: após a pancadaria, o que se salva? É aqui, aliás, que o filme SE salva, acho. A cena da morte de Thorin com Bilbo ao lado dele é inegavelmente bela. A despedida de Bilbo e dos demais anões é emocionante.

E aqui as pontas soltas com a primeira trilogia são, finalmente, amarradas, e amarradas de um jeito que chega perto de ser magistral, o que surpreende considerando os momentos toscos que vieram antes. Legolas, decepcionado com seu pai, recebe dele o conselho para procurar um jovem Dúnadan chamado Passolargo. “O pai dele, Arathorn, era um bom homem”, diz Thranduil.

Bilbo e Gandalf voltam ao Condado, quando o mago dá a entender ao hobbit que sabia do Anel o tempo todo. Bilbo admite o fato, mas diz que já se livrou do artefato – um primeiro sinal do risco de corrupção que ele corre, claro.

Temos a curta e divertida cena do leilão de Bolsão. Tem até a Lobélia e as colheres de prata!

E tudo termina com Ian Holm, o Bilbo idoso. Uma batida na porta do Bolsão. E o diálogo que, creio, todos aprendemos a amar:

“Não quero saber de visitantes, gente que veio me desejar tudo de bom ou parentes distantes!”, berra o hobbit.

“E quanto a amigos muito velhos?”, responde a voz de Gandalf.

“Meu querido Gandalf!”, grita Bilbo. E, como uma música que volta ao seu refrão, a história se fecha – ou, como uma certa estrada, para sempre vai seguindo. Que nada nos impeça de lembrá-la.

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