Tom Bombadil e os Ents se enterraram em pequenos nichos, e parece impossível desenterrá-los para uma nova discussão. Devemos tentar mudar isso. A questão mais comum acerca de Bombadil é “Por quê o Anel não o afeta?”. Na verdade, essa questão deveria ser: “Por quê Bombadil não queria o Anel?”. Há uma diferença. Acredito que o Anel afetou o velho Tom, pelo menos a ponto de ter atiçado sua curiosidade e o interessado por tempo suficiente para o satisfazer a si mesmo, considerando se ele ainda era seu próprio mestre.
Quanto aos Ents, praticamente o que todos sempre perguntam é: “Os Ents encontraram as Estesposas?”. E deve ser notado que Tolkien providenciou respostas para ambas as questões. Seus leitores estavam tão intrigados com Bombadil e os Ents que eles indagaram essas questões mais de uma vez. E, no entanto, agora eu percebo que todos perdemos algo importante relacionado ao Tom Bombadil e aos Ents. Eu acho que, talvez, até mesmo Tolkien perdeu.
Ao discutir a importância simbólica de Bombadil, Tolkien escreveu para Naomi Mitcheson na Letter 144:
“Bombadil não é uma pessoa importante – para a narrativa. Eu suponho que ele tenha alguma importância como um “comentário”. Quero dizer, eu não escrevi exatamente daquele jeito: ele é apenas uma invenção (que apareceu primeiramente na Oxford Magazine em 1933), e ele representa algo que sinto ser importante, apesar de que eu não estaria preparado para analisar tal sentimento precisamente. Eu, no entanto, não o manteria, se ele não tivesse algum tipo de função. Posso colocar desta forma. A estória é lançada em termos de um lado bom e mau, beleza contra a feiúra implacável, tirania contra reinado, liberdade moderada com consentimento contra a compulsão que há muito perdera qualquer objetivo a não ser mero poder, e por aí vai; mas ambos os lados em algum grau, conservativo ou destrutivo, querem uma medida de controle. Mas se você tem o controle renunciado, como se fosse tomado um “voto de miséria”, e você se deleita em coisas para o povo sem referência para si próprio, e até certo ponto tendo consciência disso, então a questão dos certos e errados do poder e controle podem se tornar completamente insignificantes para você, e os meios do poder um tanto sem valor. É uma visão pacifista natural, que sempre surge em mente quando há uma guerra. Mas a visão de Valfenda parece ser que há algo excelente a ser representado, mas há, de fato, coisas impossíveis de se arcar; e sobre quais sua existência, no entanto, depende. No fundo, somente a vitória do Oeste permitirá que Bombadil continue, ou mesmo sobreviva. Nada seria deixado para ele no mundo de Sauron.”
“Ele não tem nenhuma conexão na minha mente com as Entesposas. O que acontecera a elas não está resolvido neste livro. Ele é, de certa forma, uma resposta a elas, no sentido que ele é quase o oposto, sendo como Botânica e Zoologia (como ciências) e Poesia, que são opostas à Pecuária e Agricultura e Praticidade”.
Mitcheson leu as páginas-prova para o Senhor dos Anéis antes do livro ser publicado. Ela foi literalmente a primeira dos fãs de Tolkien a perguntar a ele questões sobre a estória e seus personagens. Suas questões (e as respostas de Tolkien) se estenderam através de um amplo espectro de temas. Mas a parte desta carta, que é freqüentemente citada por leitores modernos é a que eu providenciei acima. O breve comentário de Tolkien sobre a importância simbólica de Bombadil gera raivosos infernos relacionados à importância global de Bombadil para o livro.
E, no entanto, ninguém parece perguntar a única questão que seria a mais fácil de responder: Bombadil era feliz no casamento com Fruta D’Ouro? Agora tenho certeza que a maioria das pessoas diriam de imediato “ABSOLUTAMENTE!”. Qual homem não gostaria de ter uma esposa como Fruta D’Ouro? E qual mulher não gostaria de ter um marido como Bombadil? Bem, ok, talvez ele tenha ficado com a melhor parte do trato. E, no entanto, o casamento de Bombadil com Fruta D’Ouro toca em muitas questões que atiçaram o interesse dos leitores ao longo dos anos.
Por exemplo, uma crítica freqüentemente levantada na estória é a de que é um conto de garotos, cheio de caras indo para aventuras, lutando contra monstros terríveis e deixando as garotas em casa. E, no entanto, a aventura de Bombadil se comporta, em parte, dessa forma. Enquanto é verdadeiro que Fruta D’Ouro não encara o Velho Salgueiro-Homem ou a Criatura Tumular, ela, de fato, exerce sua vontade sobre algo mais aterrorizante e poderoso: Bombadil. E antes que você ridicularize isso, pense quem você preferiria enfrentar num duelo: Bombadil, que cospe Criaturas Tumulares antes do café da manhã ou a repugnante Criatura Tumular que não pode prevenir Frodo de chamar Bombadil? Eu escolheria a Criatura de qualquer jeito. Pelo menos eu teria chance de chamar por ajuda.
A única criatura que controla Bombadil, além dele próprio, é Fruta D’Ouro. Ele pertence a ela completamente. Quando Elrond sugere que talvez ele devesse ter chamado Bombadil para seu conselho em Valfenda, Gandalf se opõe, apontando que “Ele não teria vindo.” Ele continua, explicando seu ponto de vista sobre Bombadil: “É melhor dizer que o Anel não tem poder sobre ele. Ele é seu próprio senhor. Mas não pode alterar o próprio Anel, nem desfazer o poder deste sobre os outros. E agora se retirou para uma região pequena, dentro de limites que ele mesmo fixou, embora ninguém consiga enxerga-los, talvez esperando uma mudança dos dias, e não sai dali.”
Por que Bombadil se retirou para sua “pequena terra” e quando? As pessoas perguntam essas questões muitas vezes. É claro que a maioria dos leitores parece sentir que Bombadil nunca tivera liberdade para se mover além de sua terra, que ele deve sempre ter vivido na, ou próximo da, Floresta Velha, desde que o Tempo começara (que deve ser bastante longo – Bombadil “apenas” assumiu que se lembrava da primeira gota de chuva na Terra-Média). Bombadil contou a Frodo e seus companheiros que ele estava lá quando os Elfos passaram em sua jornada para o Oeste, e ele estava lá quando o Senhor do Escuro veio de Fora (presumivelmente quando Melkor escapou de Valinor e retornou à Terra-Média).
Mas Bombadil não falou que ele sentou na mesma colina por eras incontáveis. Ele somente fala que ele estava por perto quando coisas antigas aconteceram. Ele passa a dividir sua sabedoria considerável, por exemplo, sobre a história de Arnor e seus estados sucessivos, Arthedain, Cardolan e Rhudaur. Poderia Bombadil realmente ter aprendido tanto sobre os Dunedáin – até a ponto de se lembrar da beleza de uma princesa ou dama Dunadan – se ele não tivesse viajado e conhecido pessoas? E por que Gandalf falaria “agora se retirou para uma região pequena, dentro de limites que ele mesmo criou”, se Bombadil nunca tivesse vagado para mais além de seus “limites que ele mesmo fixou, embora ninguém consiga enxergá-los”?
A familiaridade de Elrond com Bombadil é revelada através de um breve catálogo de nomes que ele revela no conselho: “Mas tinha me esquecido de Bombadil, se é que esse é o mesmo que caminhava nas florestas e colinas há muito tempo, e mesmo naquela época ele era mais velho que os velhos. Nesse tempo tinha outro nome. Chamavam-no de Iarwain Ben-adar, o mais antigo e sem pai. Mas outros nomes foram dados por vários povos: Forn pelos anões, Orald pelos homens do Norte, e outros nomes além desses.” Bom, as histórias não sugerem que os Anões tenham passado algum tempo nas Colinas dos Túmulos ou na Floresta Velha, então por que eles se incomodariam em dar um nome a Bombadil, a não ser que ele tenha viajado entre eles em algum ponto?
Bombadil é muitas vezes descrito como um espírito livre. De fato, antes de escrever O Senhor dos Anéis, Tolkien se referiu a Bombadil como o “espírito do interior (desaparecendo) de Oxford e Berkshire”. Bombadil existia antes do Senhor dos Anéis, tendo sido introduzido em um mundo não desconfiado através de um poema publicado na Oxford Magazine. Ele se originou de um boneco de um dos filhos de Tolkien, e as aventuras de Bombadil eram somente uma coleção em uma série de coleções de aventuras que Tolkien fez para seus filhos. Então a existência pré-SdA é muito diferente da sua existência em das. Ele é muito menos sofisticado e um tanto variável, um pouco mais volátil. Ele é um clássico jovem aventureiro, andando por aí sem se preocupar com o mundo.
Mas a ênfase deve ser colocada no homem quando Tolkien incorpora Bombadil no mundo da Terra-Média. Em The Road to Middle-Earth, Tom Shippey dispensa Bombadil como um episódio sem importância na estória, mas em seguida concorda com o aspecto mais intrigante de Bombadil: Aquilo que gostaríamos de saber sobre Bombadil é o que ele é, mas isto nunca é perguntado ou respondido diretamente. No capítulo 7, Frodo toma coragem para perguntar quem ele é, apenas para receber as respostas de Fruta D’Ouro, (1) “Ele é”, (2) “Ele é, como já viram”, (3) “Ele é o Senhor da floresta, das águas e das colinas”, e de Bombadil, (4) “Ainda não sabe meu nome? Esta é a única resposta.”
Após recontar a origem poética de Bombadil e sua ressurreição nas páginas de aventuras dos Hobbits, Shippey conclui sua introdução sobre Bombadil dizendo: “O que ele é pode não ser conhecido, mas o que ele faz é dominar.” E, de fato, isto é precisamente o que Bombadil faz, apesar da afirmação de Tolkien que Tom previamente declarara a dominação de outros vontades.
Estará então Tolkien mentindo, ou Bombadil não está dominando vontades? Eu não acho que Tolkien procurasse intencionalmente enganar seus leitores. Por exemplo, note que Fruta D’Ouro não reivindica Bombadil como seu senhor. Ele é “o Senhor da floresta, das águas e das colinas”. Isto é, Bombadil controla coisas que não possuem vontades. Mas Fruta D’Ouro aponta que ele não governa até mesmo as coisas que ele controlou. “Isso seria um fardo pesado demais”, diz ela. “Ninguém jamais prendeu o velho Tom quando ele caminhava pela floresta, atravessava as águas, ou pulava nos topos das colinas, seja de noite, seja de dia”, ela conta a Frodo.
A esse respeito, Tom é muito viril. Ele é o maior lenhador, o verdadeiro esportista, se você quiser, pois ele sempre aceita o desafio, e sempre ganha, mas tendo vencido ele libera seu oponente. Ele é confiante em si mesmo e todos que o conhecem expressam uma tremenda fé nele e em sua habilidade de resolver qualquer situação. Muitos meses depois, no momento em que Laracna está prestes a lançar-se sobre Sam e Frodo, Sam pensa melancolicamente em Bombadil:
“É uma armadilha! – disse Sam, colocando a mão sobre o punho de sua espada; e no momento em que fez isso, pensou na escuridão do túmulo de onde ela vinha. ´Gostaria que o velho Tom estivesse por perto agora’, pensou ele”.
Como Bombadil teria enfrentado a Aranha? Nunca saberíamos, é claro, mas muitos provavelmente argumentariam que a Laracna viraria sopa de aranha para o próximo banquete de Fruta D’Ouro, se ela e Tom viessem a se encontrar. Ele não conhece o medo, e somente respeita os limites que ele próprio criou. E, no entanto, Bombadil reconhece suas limitações. “Tom não é o senhor dos Cavaleiros da Terra Negra, que fica distante de sua região”, ele admoesta os Hobbits, quando estes pedem seu auxílio contínuo em seu caminho. Talvez ele também não seja o mestre das aranhas gigantes. Laracna, afinal, tinha seu próprio objetivo – como os Nazgul uma vez tiveram, mesmo que agora eles estão sob a vontade de Sauron.
Bombadil assim alegoriza muitas das coisas que Tolkien achava que eram boas qualidades em um homem: ele é honesto, fiel, um bom amigo, amado e devoto marido, e ele sabe que não deve exceder suas próprias capacidades. Bombadil é tão certo de si mesmo, pois ele aprendeu tudo o que precisava saber sobre si mesmo. Mas apesar de ter aprendido um bocado sobre “bosques, águas e montanhas” – o suficiente para ser o mestre deles – ele ainda é curioso, e ainda faz perguntas sobre o que está acontecendo além de sua pequena terra.
Bombadil não se senta silenciosamente em seu castelo, fechado para o mundo. Ele é muito consciente do que está acontecendo ao seu redor. Ele continua a interagir com pelo menos alguns de seus vizinhos. No poema “Bombadil goes boating” (Bombadil vai remar), ele visita o fazendeiro Magote no Condado. E apesar de Tolkien ter decidido, enquanto escrevia O Senhor dos Anéis, que Bombadil não visitaria Bri, ele conhece Bri e sabe alguma coisa sobre Cevado Carrapicho, “um homem respeitável” da estalagem Pônei Saltitante. Mais tarde, após Bombadil ter cuidado dos pôneis de Merry por um tempo, chega a Bombadil a informação da quantia que Carrapicho teve que pagar a Merry por aqueles pôneis, após eles terem sido soltos do estábulo da estalagem. Como Bombadil sabia disso? Algo ou alguém deve ter contado a ele, e a fonte de informações mais provável deve ter sido um Elfo ou um Guardião.
Eu acho que Tom se dava bem com os Guardiões. Aragorn o conhecia, e Bombadil conhecia Aragorn (descrevendo Aragorn para os Hobbits, numa visão que ele comunicou a eles após liberta-los dos Túmulos). Desde que os Guardiões passaram a visitar Bri com maior freqüência, e vigiavam o Condado por muitos anos, eles devem ter tido muitas oportunidades de passar pela terra de Bombadil e trocar notícias com ele. Bombadil, afinal, também manteve contato com Gildor Inglorion, uma vez que Gildor pediu para que Bombadil ajudasse Frodo em seu caminho para fora do Condado.
Bombadil, portanto, tem amigos, e ele não é um verdadeiro recluso. Ele permanece interessante e até mesmo poderoso. E isso pode explicar porque Fruta D’Ouro casou-se com ele. No poema The Adventures of Tom Bombadil (As Aventuras de Tom Bombadil), Fruta D’Ouro puxa a barba de Tom, puxando-o para dentro da água e roubando seu chapéu de uma maneira infantil:
There his beard dangled long down into the water:
up came Goldberry, the River-woman’s daughter;
pulled Tom’s hanging hair. In he went a-wallowing
under the water-lilies, bubbling and a-swallowing.‘Hey, Tom Bombadil! Whither are you going?’
said fair Goldberry. ‘Bubbles you are blowing,
frightening the finny fish and the brown water-rat,
startling the dabchicks, and drowning your feather-hat!’‘You bring it back again, there’s a pretty maiden!’
said Tom Bombadil. ‘I do not care for wading.
Go down! Sleep again where the pools are shady
far below willow-roots, little water-lady!’Back to her mother’s house in the deepest hollow
swam young Goldberry. But Tom, he would not follow;
on knotted willow-roots he sat in sunny weather,
drying his yellow boots and his draggled feather.Up woke Willow-man, began upon his singing,
sang Tom fast asleep under branches swinging;
in a crack caught him tight: snick! it closed together,
trapped Tom Bombadil, coat and hat and feather.*
*Tradução adaptada para o poema:
“Ali sua barba balançava na água. Chega Fruta D’Ouro, Filha do Rio. Puxou o cabelo dependurado de Tom. Para dentro ele foi. Rolando debaixo dos nenúfares, borbulhando e engolindo água.
“Hey, Tom Bombadil! Onde você está indo?”- disse a bela Fruta D’Ouro. “Bolhas você está soprando. Assustando os peixinhos e o rato d´água castanho. Assustando os pintinhos, e afogando seu chapéu de penas!”
“Traga-o já de volta, linda donzela”- disse Tom Bombadil. “Eu não ligo para isso. Afunde! Durma novamente, onde os charcos são sombrios, muito abaixo das raízes de salgueiro, pequena dama da água!”
De volta a casa de sua mãe, no mais profundo e vazio pântano, nadou a jovem Fruta D’Ouro. Mas Tom, ele não a seguiria. Em raízes retorcidas de salgueiro ele se sentou, em tempo ensolarado, secando suas botas amarelas e sua pena”.
Este é um clássico ritual de cortejo. A mulher faz a escolha e testa o homem para ver se ela consegue domina-lo. Se ela conseguir, o ele falha no teste e ela deixa de se interessar por ele. Tom não participaria de jogos infantis e, apesar disso, ele continua com seus afazeres, dispensando Fruta D’Ouro como se ela não tivesse importância para ele. Então ele passa no teste, e mais adiante, no fim do poema, quando Tom chega para toma-la, Fruta D’Ouro está preparada para ser sua esposa.
No entanto, o afastamento de Tom não é presunçoso. Ele é autoconfiante e sabe para onde está indo e o que está fazendo. Ele tem suas prioridades. Ele pode, se um amigo pede, deixar de lado suas preocupações por um tempo e encarregar-se de qualquer outra coisa. Ele faz isso ao pedido de Gildor, quando ele fica de olho em Frodo e seus companheiros. Mas Gandalf rapidamente nota que Bombadil seria uma má escolha para ser o guardião do Um Anel, se o Conselho de Elrond decidisse esconder novamente o Anel de Sauron. O medo de Gandalf é de que Bombadil não entendesse por que todos iriam querer que ele ficasse com o Anel, e de que Bombadil poderia, por fim, esquecer-se sobre isso.
Essas preocupações estão totalmente de acordo com o retrato que Tolkien faz de Bombadil, de um homem decidido e focado. Homens não podem, de fato, ser confiáveis para cuidar de negócios de outrem. Eles têm suas próprias preocupações. Há um jogo de futebol hoje. Terão que esperar para mudar o sofá até amanhã.
A pureza entre Tom e Fruta D’Ouro reside no fato de que ela é sua prioridade número um. Ela está a salvo em casa (como todos que ali visitam), e segura, enquanto Tom estiver por perto. E Tom não deixará que ela enfrente o mundo sozinho. Ele sabe que Sauron está perseguindo os Hobbits. Ele parece até mesmo saber o que o Um Anel é. Mas ele se recusa a deixar sua terra para ajuda-los mais. Seria uma grande aventura, com certeza, e Tom provavelmente aprenderia coisas novas. Mas “Tom tem sua casa para cuidar, e Fruta D’Ouro está esperando”, ele fala aos Hobbits.
De sua parte, Fruta D’Ouro é a Senhora sem falas. Tolkien é cuidadoso em não dá-la título ou status, mas há limites claros entre Tom e Fruta D’Ouro. Enquanto pode parecer que Fruta D’Ouro é rebaixada aos papéis tradicionais na casa (lavar e cozinhar), na realidade a ela é concedida a dignidade de realizar decisões cruciais. “Hoje é o dia de Fruta D’Ouro lavar tudo. O dia de fazer a limpeza do outono”, Bombadil conta aos Hobbits. Tom não designa a ela esses serviços. Ela decide quando irá fazer essas coisas.
À noite, Tom e Fruta D’Ouro se revezam para entreter suas visitas. Ela prepara a comida que eles servem juntos, e ela canta canções junto à lareira antes de recolher à cama. Apesar disso, é Tom quem ensina aos Hobbits muito sobre os perigos do mundo. O mundo além da porta de Tom, com suas árvores malvadas e criaturas tumulares, é um lugar verdadeiramente perigoso.
A imagem que Tolkien retrata, com Tom e Fruta D’Ouro graciosamente fornecendo comida e abrigo para o Povo Pequeno, é tão familiar ao leitor como uma família se reunindo para jantar. Papai Tom e Mamãe Fruta D’Ouro estão cuidando de suas crianças até que eles tenham idade suficiente para sair para o mundo por conta própria. De fato, quando está na hora dos Hobbits partirem e eles se dão conta de que esqueceram de se despedir de Fruta D’Ouro, eles retornam para encontra-la no topo de uma colina:
” – Fruta D’Ouro – gritou ele. – Minha linda senhora, toda vestida de verde-prata! Não lhe dissemos adeus, nem a vimos desde ontem à noite! – Estava tão perturbado que já ia voltando; mas naquele momento um chamado, uma voz cristalina, desceu ondulando colina abaixo. Ali, no topo, estava ela, acenando para eles: os cabelos esvoaçavam soltos, e, conforme captavam a luz do sol, brilhavam e reluziam. Uma luz como o brilho da água sobre a grama orvalhada vinha de seus pés, enquanto dançava.
Os Hobbits correram ladeira acima, e pararam sem fôlego ao lado dela. Fizeram reverências, mas, com um aceno de braço, ela pediu que olhassem em volta; ali, no topo da colina, puderam ver a paisagem sob a luz da manhã. Agora tudo estava claro e podia-se enxergar longe. Na vinda, quando tinham parado no outeiro da Floresta, quase não puderam enxergar nada, por causa da névoa que lhes velava a visão, mas agora o outeiro aparecia, erguendo-se claro e verde por entre as árvores escuras do oeste. Naquela direção, o terreno coberto de vegetação se levantava em cordilheiras verdes, amarelas, avermelhadas sob o sol. Atrás delas se escondia o vale do Brandevin. Ao sul, sobre a linha do Voltavime, havia um brilho distante, como de vidro claro, no ponto em que o rio Brandevin fazia uma grande curva no terreno mais baixo, para depois correr para regiões desconhecidas dos hobbits. Ao norte, além das colinas que iam sumindo, a terra fugia em espaços planos e protuberâncias cinzentas, verdes e cor de terra, até desaparecer na distância sombria e sem forma. Ao leste, as Colinas dos Túmulos se erguiam, topo atrás de topo dentro da manhã, sumindo da visão numa conjetura: não passava de uma conjetura azul, com pontos de um branco remoto, que se misturava ao céu no horizonte, mas que mesmo assim falava-lhes das montanhas altas e distantes, presentes na memória de antigas histórias.
Encheram os pulmões de ar, sentindo que um salto e alguns passos largos os levariam aonde quisessem. Parecia fraqueza de espírito irem andando em direção à estrada ao longo das bordas enrugadas das montanhas, quando na verdade deveriam ir aos pulos, com o mesmo vigor de Tom, sobre os degraus de pedra das colinas, diretamente até as Montanhas.
Fruta D’Ouro dirigiu-lhes a palavra, chamando sobre si seus olhares e pensamentos. – Apressem-se agora, belos convidados! – disse ela. – E continuem firmes em seus propósitos! Rumo ao norte com o vento no olho esquerdo, e sorte em seus passos! Apressem-se enquanto o sol brilha. – E para Frodo, ela disse: – Adeus, amigo-dos-elfos, foi um encontro feliz!
Mas Frodo não teve palavras para responder. Fez uma grande reverência, montou o pônei e, seguido pelos amigos, avançou lentamente, pela descida suave atrás da colina. Perderam de vista a casa de Tom Bombadil e o vale, e depois a Floresta. O ar ficou mais quente entre as paredes verdes formadas pelas encostas das colinas; o cheiro da turfa subia forte e doce. Voltando-se, ao atingirem o fundo do vale verde, viram Fruta D’Ouro, agora pequena e esguia como uma flor ensolarada contra o céu: ainda estava ali, olhando-os, com as mãos estendidas na direção deles. No momento em que olharam, saudou-os com a voz cristalina, e levantando a mão virou-se e sumiu atrás da colina.”
É Fruta D’Ouro que se despede dos Hobbits, e não eles. Ela os leva ao seu caminho com palavras de amizade e encorajamento, mas o rompimento é definitivo. Os Hobbits passaram por uma aventura adolescente que só pode levar para um inevitável rito de passagem, em que Tom (o Pai) observa sua transição final na idade adulta metafórica. Fruta D’Ouro (a Mãe) preparou, assim como Tom, os Hobbits para desafiar o mundo maior. E a alegoria, quer seja intencional ou coincidência, de uma vida familiar harmônica estabelece uma fundação de criação sólida. O leitor está moralmente assegurado de que os Hobbits foram criados sob os valores corretos: eles foram ensinados a ser curiosos, cuidadosos e firmes. A qualquer hora que eles se afastarem de seu caminho escolhido, eles lembrarão de Tom e Fruta D’Ouro de certo modo, tanto quanto uma criança entende o conselho do pai anos depois, após ter feito algo que o pai aconselhou a criança a não fazer.
Desta metáfora para o trabalho, Fruta D’Ouro deve ser tanto mulher como Tom é um homem. Isto é, ela deve ser bonita, tentadora, calorosa, apaixonada e provedora. Fruta D’Ouro é tudo isso e muito mais. Ela acolhe os Hobbits em sua casa, onde está cercada por nenúfares em tigelas. Seu vestido é verde, salpicado de prata, e ela usa um cinto dourado. As primeiras palavras de Frodo a ela são: “Bela senhora Fruta D’Ouro”.
Quando os Hobbits passam a conhecê-la, eles observam Fruta D’Ouro ir e vir. Algumas vezes ela está ali, algumas vezes ela está fora, e Tom somente explica que ela está fazendo suas coisas. Ela é, portanto, um pouco misteriosa, e mantém os Hobbits interessados por não estar sempre lá. Sempre que Fruta D’Ouro entra numa sala, ela deixa todos sem fôlego. Os Hobbits observam ela se mover graciosamente pela sala sem pronunciar uma palavra.
Quando o jantar termina, Tom e Fruta D’Ouro dão aos Hobbits banquinhos para os pés junto à lareira, e Fruta D’Ouro segura uma vela em suas mãos após apagar a maioria das luzes. Ela senta junto à lareira e canta muitas canções para suas visitas. Então, ela é calorosa e amigável, muito franca, mas uma fonte radiante de inspiração poética. Tom, é claro, adora Fruta D’Ouro, e ele constantemente traz presentes para ela, e a acorda cantando debaixo de sua janela. Ele pode ser seu próprio homem, mas ele deixa claro que ele também é o homem de Fruta D’Ouro. E Fruta D’Ouro circula pela casa e coração de Tom como uma primavera refrescando jorrando de um lado da montanha.
Na simbologia dos sonhos, a água é um símbolo de sexualidade quando está relacionada a uma linda mulher. Tolkien cuidadosamente associa Fruta D’Ouro com a água, através de nomeá-la Filha do Rio, os presentes de nenúfares de Tom, assim como seus movimentos fluidos, sua dança encantadora na chuva e sua fala e idioma. Fruta D’Ouro é muito sensual, mas ela é reservada e distante. Isto é, ela se preserva para Tom, e não se abre completamente (sexualmente) para seus hóspedes. O leitor pode tentar imaginar como Tom pode ficar tanto tempo conversando com seus convidados enquanto Fruta D’Ouro está esperando, mas o fato de que Fruta D’Ouro está esperando, e de que Tom volta para ela à noite, mostra que eles não estão tendo nenhum problema com sua intimidade.
E por fim, Fruta D’Ouro toma conta das refeições. Ela seleciona o menu e anuncia quando a comida está pronta. Ela também tenta satisfazer a curiosidade de Frodo sobre Tom, e acalmar os medos dos Hobbits. “Vamos trancar a noite lá fora, pois talvez ainda estejam com medo da neblina, das sombras das árvores, das águas profundas e das coisas hostis. Nada temam! Pois esta noite estão sob o teto de Tom Bombadil.”
Fruta D’Ouro serve como mediadora entre Tom e os Hobbits, assim como uma mãe serve como mediadora entre um pai e seus filhos. Ela abre a casa de Tom para seus hóspedes e se despede deles. Ela mantém a casa em ordem e estabelece o ritmo no qual a vida caseira segue. As coisas acontecem quando Fruta D’Ouro decide que elas devem acontecer, e ela e Tom têm uma vida satisfatória e realizada juntos. Pois cada um procura satisfazer o outro, e não pensam em seus próprios desejos. Cada um está contente.
Mas agora contraste o relacionamento de Bombadil e Fruta D’Ouro com aquele entre os Ents e as Entesposas. Os Ents e as Entesposas se distanciaram talvez porque os Ents eram muito distantes e desinteressados nas prioridades das Entesposas. Enquanto Bombadil e Fruta D’Ouro dividem uma casa, igualmente atendendo às necessidades de seus hóspedes, dividindo o trabalho e as responsabilidades cuidadosamente, as Entesposas, por fim, viviam separadas dos Ents.
Barbárvore conta a Merry e Pippin, de um modo um tanto quanto melancólico, como ele costumava vagar através de centenas de milhas de florestas sem pista, de Beleriand ao Anduin. Ele passou estações inteiras em diferentes partes das terras nórdicas. As Entesposas, por sua vez, queriam vidas estabelecidas e ordenadas. E essa organização incluía dominar outras coisas:
“- É uma história muito triste e estranha – continuou ele depois de uma pausa. – Quando o mundo era jovem, e as florestas eram vastas e selvagens, os ents e as entesposas – e havia entezelas naquela época: ah! como era adorável Fimbrethil, Pé-de-Fada, a dos passos leves, nos dias de minha juventude! – , eles andavam juntos e moravam juntos, mas nossos corações não continuaram crescendo do mesmo modo: os ents devotavam seu amor a coisas que encontravam no mundo, e as entesposas devotavam o seu a outras coisas; pois os ents amavam as grandes árvores e as florestas, e as encostas de colinas altas, e bebiam das nascentes das montanhas, e só comiam frutas que as árvores deixavam cair em seu caminho; e aprenderam com os elfos e conversavam com as árvores. Mas as entesposas se dedicaram a árvores menores, e a campinas ao sol além dos pés das florestas; viram o abrunheiro nas moitas e a macieira selvagem e a cerejeira florescendo na primavera; e as ervas verdes nas terras banhadas pela água e a grama descente nos campos durante o outono. Não desejavam conversar com esses seres, mas eles desejavam ouvi-las e obedecer ao que lhes diziam. As entesposas ordenaram que crescessem conforme seus desejos, e que produzissem folhas e frutos como queriam; pois as entesposas desejavam a ordem, e paz (que para elas queria dizer que as coisas deviam permanecer como elas as tinham colocado). Então as entesposas fizeram jardins nos quais pudessem morar. Mas nós, ents, continuamos vagando, e só íamos aos jardins de vez em quando. Então, quando a Escuridão chegou ao Norte, as entesposas atravessaram o Grande Rio, e fizeram novos jardins, e araram novos campos, e nós as víamos com menos freqüência. Depois que a Escuridão foi derrotada, a terra das entesposas floresceu ricamente, e seus campos ficaram cheios de trigo. Muitos homens aprenderam os ofícios das entesposas e prestavam grandes honras a elas; mas nós ficamos sendo para eles apenas uma lenda, um segredo no coração da floresta. Mas ainda estamos aqui, enquanto que os jardins das entesposas estão abandonados: os homens os chamam agora de Terras Castanhas.”
Enquanto os Ents se viam apenas como gentis pastores de árvores, as Entesposas acreditavam que elas podiam melhorar as coisas ao redor das quais viviam. Aquelas árvores favorecidas pelas Entesposas – macieiras, laranjeiras – foram domesticadas, crescendo em pomares. As Entesposas praticavam agricultura enquanto os Ents praticavam uma silvicultura semi-nômade. Assim como a clássica história de conflito entre os nômades das estepes e as civilizações sedentárias da Europa ou China, os Ents e as Entesposas dedicavam-se a diferentes prioridades. As Entesposas, de fato, sucumbiram aos mesmos desejos dos Elfos: “desejavam a ordem, e paz (que para elas queria dizer que as coisas deviam permanecer como elas as tinham colocado)”.
As Entesposas se tornaram muito dominadoras, muito decididas. Os Ents tinham que visitar as Entesposas. As Entesposas deixaram de pensar nas florestas antigas de onde vieram. Os Ents, em troca, afastaram-se das terras abertas que as Entesposas procuravam. O resultado final provou ser desastroso para a raça. Os Ents não podiam ser encontrados quando os exércitos de Sauron invadiram a terra das Entesposas. Do destino delas, Tolkien pode apenas tristemente especular que “as Entesposas desapareceram por bem, sendo destruídas junto de seus jardins na Guerra da Última Aliança (Segunda Era 3429-3441), quando Sauron exercia uma política de queimadas e queimou suas terras, contra o avanço dos Aliados pelo Anduin…”
Diferentemente de Fruta D’Ouro, as Entesposas se recusavam a ser submissas a seus parceiros. Diferentemente de Tom Bombadil, os Ents se recusavam a ser dominantes. Cada gênero se acostumou tanto a viver se o outro que passaram-se muitos anos após a destruição das terras das Entesposas até os Ents descobrirem sua perda. Era tarde demais para salvar a raça deles.
E enquanto alguns podem inferir, a partir da perda das Entesposas, que Tolkien defendia um papel doméstico para as esposa, era, de fato, a necessidade da domesticação que levou as Entesposas à ruína. Elas queriam que tudo fosse fixo e permanente, de tal forma que os Ents não podiam suportar viver com elas. Fruta D’Ouro, pelo menos, suporta o constante vagar de Bombadil através das paisagens, desde que ele volte para casa à noite.
Ambos, Bombadil e os Ents, exerciam grande poder. Os Ents podiam destruir vastas fortalezas, mudar o curso dos rios, e alterar a paisagem ao liderar seus rebanhos de árvores para novos “pastos”. O poder de Bombadil não é tão claramente revelado ao leitor, mas ele trabalha mais sutilmente. Apesar dos Ents comandarem as árvores e os Huorns, Bombadil opõe-se dominando vontades (tal como a do Velho Salgueiro Homem), apenas suficientemente para assegurar de que tudo continua a salvo e em harmonia.
Ambos, Bombadil e os Ents, acumularam conhecimento, mas enquanto Tolkien descreve Bombadil em termos de “Botânica e Zoologia (como ciências) e Poesia, como opostas à Pecuária e Agricultura e Praticidade”, os Ents (e Entesposas) quase possuem os mesmos atributos contrastantes: os Ents como pastores, as Entesposas como agricultoras, e enquanto Bombadil cria novas poesias, os Ents se contentam em apenas preservá-la.
Se as diferenças entre os relacionamentos pudessem ser resumidas em uma palavra, esta palavra seria arriscar, isto é, ambos Bombadil e Fruta D’Ouro arriscam algo ao permitir ao outro certas liberdades. Os Ents e as Entesposas, por outro lado, eram relutantes ou incapazes de chegar a um meio termo quanto aos seus desejos e necessidades, e, por fim, eles se divorciaram. Tal rejeição não seria natural no ponto de vista católico de Tolkien. Abandonar o casamento seria algo vergonhoso ou até mesmo pecaminoso. Mais importante ainda, tal ato remove toda a esperança de alimentar o relacionamento e os filhos da casa. Não há equilíbrio, harmonia, e o resultado de tal divisão é desastroso para todos os envolvidos.
Bombadil e Fruta D’Ouro vivem bem ao lado da Floresta Velha, mas não dentro dela. Eles são livres para passar por baixo das árvores, mas eles também podem perambular pelas colinas descampadas. Os Ents aprisionaram a si próprios dentro dos limites de seus bosques, enquanto as Entesposas recusavam deixar seu conforto (e falsa segurança) de suas terras altas. Bombadil e Fruta D’Ouro experimentam o melhor de ambos os mundos, enquanto os Ents e as Entesposas polarizaram seus mundos.
Quando Gandalf deixa os Hobbits, virando-se para visitar Bombadil, ele fala, “Ele é um coletor de musgo, e eu tenho sido uma pedra fadada a rolar”. Os dias de “rolar” de Bombadil acabaram-se. Ele fez o que os Ents não puderam: se fixou. Fruta D’Ouro, de sua parte, fez o que as Entesposas não puderam: aceitar um lugar no mundo de seu marido.
Enquanto eu não aconselharia ninguém a modelar suas vidas em Tom e Fruta D’Ouro, seu casamento, sem dúvida, representa tudo o que há de melhor nos relacionamentos, na visão de Tolkien. De fato, Bombadil representa a mitologia de Tolkien: ele é antigo, com uma bela história que encanta os outros, mas ele adquiriu certa maturidade em sua tenra idade, que é estável e permitiu que ele prosperasse. No fim das contas, Bombadil sobreviverá aos Ents, porque apesar de seus modos nômades, ele permanece flexível bastante para realizar quaisquer mudanças que forem necessárias em sua vida. Ele é vibrante e possui um coração jovem. Ele não possui arrependimentos, e nunca olha para trás. Bombadil e Fruta D’Ouro estão fazendo novas memórias.
Tudo o que resta para os Ents, enquanto um por um cai num sono profundo e permanente, é a memória de suas vidas que uma vez foi compartilhada com as Entesposas.
[Tradução de Helena ‘Aredhel’ Felts]