As Guerras dos Glorfindels

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Escrito por Cassiano Ricardo Dalberto

J.R.R. Tolkien criou muitos personagens
"dispensáveis", personagens que aparecem para uma história ou apenas
para parte de uma história e que nunca reemergem completamente de novo.
E de todos esses personagens dispensáveis, aquele que recebe quase
tanta atenção e discussão quanto qualquer um dos personagens principais
é Glorfindel. Ou melhor, os Glorfindels. Havia um ou dois do mesmo?
Mentes indagadoras querem saber (ou querem apenas questionar para
sempre e nunca realmente saberem?).
 
 
 
Por que Glorfindel é tão cool? Ele aparece próximo
do final de "Fuga para o Vau", é visto mas não ouvido em "Muitos
Encontros" (ah, Gandalf e Frodo falam sobre ele brevemente), participa
do "Conselho de Elrond" o bastante para confundir os assuntos acerca de
Bombadil e então desaparece até que Arwen chegue a Gondor para casar-se
com Aragorn em "O Regente e o Rei". A não ser por colocar Frodo em seu
élfico cavalo branco e brilhar como uma árvore de natal quando os
Nazgûl tentam atravessar o Vau do Bruinen, o que o Glorfindel faz de
tão especial? Sua verdadeira declaração de de fama aparece em uma
anedota no Apêndice A quando sua chegada com um exército élfico em
Angmar ajuda na derrota do Rei-Bruxo (no norte) de uma vez por todas.

É claro, nenhuma discussão sobre Glorfindel está completa (e poucas são
começadas) sem que alguém pergunte, "O Glorfindel de Gondolin tinha
relação com o Glorfindel de Valfenda?". Por vezes alguém é tentado a
responder com algo como "Sim, eles eram irmãos gêmeos, e o malvado
matou o bom e tomou o seu lugar na família. Os elfos teriam ainda que
compreender a verdade."

Pode ser facilmente dito que a relação
entre os dois Glorfindels não é óbvia. De fato, não é realmente claro
para muitas pessoas que estudaram o assunto por décadas. Por alguma
razão, a revelação em O Retorno da Sombra que "anos depois, muito
posteriormente à publicação de O Senhor dos Anéis" J.R.R. Tolkien
decidiu, após muito pensar, que o Glorfindel de Valfenda era de fato o
Glorfindel de Gondolin retornado dos mortos, não tem muito peso para
alguns. Por quê? Porque a decisão de ligar os dois personagens foi
feita anos depois, após a publicação de O Senhor dos Anéis. Isso
implicaria (ou seria inferido, dependendo de como você examina a
questão) que o Glorfindel de Valfenda não era originalmente concebido
como o Glorfindel de Gondolin.

Bem, isso é bom o suficiente. Na verdade, originalmente, Tolkien escreveu que "Glorfindel conta de sua origem ancestral em Gondolin",
em uma nota que esquematizava os acontecimentos do Conselho de Elrond.
Claramente J.R.R.T. tinha a intenção de conectar o Glorfindel de
Valfenda com o Glorfindel de Gondolin, embora àquela época (início dos
anos 40) dificilmente alguém que não J.R.R. Tolkien, C.S. Lewis e
alguns poucos amigos íntimos tenham sabido sobre o Glorfindel de
Gondolin.

Glorfindel duramente marcou seu caminho através das
páginas da imaginação de Tolkien. Ele aparece em uma história no Livro
dos Contos Perdidos, que é "A Queda de Gondolin". Lá ele não aparece
até o início da batalha pela cidade, quando chega com o batalhão da
Casa da Flor Dourada. Sua "casa" trazia um emblema de um "sol radiante
em seus escudos", mas o próprio Glorfindel "descobriu um manto
bordado a ouro que parecia ornado de celidônias como um campo na
primavera; e suas armas também eram adornadas com delicado ouro."

Das onze casas de Gondolin (que serviam ao Rei Turgon), Glorfindel é o
único cujo emblema próprio é descrito. Glorfindel era um dos senhores
mais hábeis. Ele não se precipitou e foi morto com todos os seus
guerreiros, mas a maioria deles morreu, não obstante, defendendo
Turgon. Os guerreiros da Casa da Harpa (cujo senhor, Salgant, foi
retido pelo medo) salvaram Glorfindel e alguns de seus guerreiros
quando eles estavam quase sendo esmagados. Daquele ponto em diante
Glorfindel permaneceu próximo a Tuor, mas ele não fez muito de fato até
que Tuor começou a fugir da cidade com todas as mulheres e crianças que
ele podia manter juntos. Então Glorfindel tomou a retaguarda e
enfrentou dragões, orcs e balrogs com sua cada vez menor força de
guerreiros.

Tuor recuou da cidade para as montanhas e lá a
coluna dos exilados, aproximadamente mil resistentes, foram emboscados.
Orcs haviam sido enviados para as colinas e montanhas para prevenir
quaisquer fugas da cidade, e lançaram rochas sobre a coluna de altos
despenhadeiros enquanto tropas atacavam-na em sua parte principal e sua
retaguarda. E com o ataque na retaguarda veio o Balrog. Thorondor e
suas �?guias interromperam os orcs que estavam a lançar rochas, mas o
Balrog forçou sua passagem pelos guerreiros de Glorfindel e finalmente
o atacou sozinho. A batalha de Glorfindel com o Balrog foi breve, mas
ele a conduziu para matá-lo. Ele acabou por cair de um penhasco com a
criatura, e então ele mesmo morreu, e os elfos fizeram canções sobre
sua vitória e morte por durante muito tempo depois.

Há algo de
comovente no sacrifício de Glorfindel, e eu não posso deixar de
imaginar se Tolkien não estava projetando algo sobre seus amigos Rob
Gilson e Geoffrey Bache Smith, ambos mortos na Primeira Guerra Mundial.
Gilson morreu na batalha em La Boiselle, liderando um contingente de
soldados britânicos em batalha no dia primeiro de Julho, de acordo com
o biógrafo de Tolkien, Humphrey Carpenter. Smith escreveu uma carta a
Tolkien, ele que sobrevivera ileso a 48 horas na frente de combate em
Ovillers. Quando a companhia de Tolkien recebeu ajuda e ele retornou ao
quartel, encontrou a carta de Smith.

Ninguém pode dizer o
suficiente em algumas breves frases o que os amigos da juventude de
Tolkien significavam para ele: Tolkien, Smith, Gilson e Christopher
Wiseman formavam o coração de um pequeno clube que eles chamavam Tea
Club, Barrovian Society (T.C.B.S.) [1] quando freqüentavam a escola.
Esses quatro eram particularmente próximos, e todos eles serviram na
guerra em alguma posição. Tolkien e Wiseman sobreviveram a essa
experiência. Quando respondeu a carta de Smith sobre a morte de Gilson,
Tolkien escreveu: "Eu não me sinto um membro de um corpo completo agora. Eu, honestamente, sinto que a T.C.B.S. terminou." Smith não permitiria que aquilo acontecesse, entretanto. "A T.C.B.S. não acabou e nunca acabará.",
ele disse. Ao final daquele ano, o próprio Smith estaria morto. Em 16
de dezembro, 1916, Christopher Wiseman escreveu ao seu amigo Ronald
Tolkien: "Eu acabei de receber notícias de casa sobre G.B.S., que
sucumbiu a ferimentos de obus que sofreu, em 3 de dezembro. Não posso
dizer muito a esse respeito agora. Humildemente rogo a Deus
todo-poderoso que posso me considerar digno dele."

O
espírito de Smith deve ter sido infeccioso a Tolkien, como foi o de
Gilson. O pai de Gilson era o diretor da King Edwards Chiou em
Birmingham, e foi o veterano Gilson que encorajara Tolkien a prosseguir
no estudo de Letras Clássicas. Foi por meio da T.C.B.S. que Tolkien
tornou-se fascinado por "Beowulf", "The Pearl" ["A Pérola"], "Sir
Gawain" e "Volsungsaga". Carpenter [2] diz que Smith, membro tardio da
T.C.B.S., era tão erudito e de tamanha influência sobre os outros que
eles começaram "a despertar para a significação da poesia – como Tolkien já despertara."

Uma das últimas cartas que Smith escreveu a Tolkien dizia o seguinte:


"Meu principal consolo é que, se eu morrer hoje – vou sair em missão
daqui a alguns minutos -, ainda restará um membro da grande T.C.B.S.
para expressar o que sonhei e no que todos concordamos. Pois a morte de
um dos seus membros não pode, tenho certeza, dissolver a T.C.B.S. A
morte pode tornar-nos repugnantes e indefesos como indivíduos, mas não
pode acabar com os quatro imortais! Uma descoberta que vou comunicar a
Rob antes de sair hoje à noite. E você, escreva-a também a Christopher.
Deus o abençoe, meu caro John Ronald, e que possa você dizer as coisas
que tentei dizer, muito tempo depois de eu não estar aqui para
dizê-las, se tal for o meu destino."

No ano seguinte,
Tolkien contrairia febre de trincheiras e assim terminaria sua
participação na guerra. Mas ele imortalizaria seu senso trágico de
perda e desespero na primeira de uma série de histórias que
eventualmente viriam a ser O Livro dos Contos Perdidos: "A Queda de
Gondolin". Carpenter diz que Tolkien não criou sua história a partir de
nenhum acontecimento ou conto anterior, mas isso não é totalmente
verdade. Gondolin deve muito à história de Tróia. A idéia de uma cidade
perdida, destruída por uma força opressiva, a despeito dos esforços
heróicos dos seus defensores – fadada à traição e perfídia -, é um tema
poderoso que é raramente relido em literatura antiga. Homero de Tróia é
simbólico em relação aos desesperos e loucuras da guerra, da irritação
de Aquiles por causa da escrava à ridícula insistência de Menelau em
conseguir Helena de volta a qualquer custo.

A história de
Gondolin não é a história humana de Tróia recontada. Gondolin é uma
cidade élfica, e embora a concepção dos valores e filosofia élfica
ainda tivessem que surgir, aqueles que lamentaram pela queda de
Gondolin eram Elfos, não Homens. Gondolin é para os elfos como Tróia
era para os Homens: a inspiração para grandes canções e literatura. E é
da mesma forma para Tolkien. Muito da sua melhor prosa nos anos entre
1917-25 está em "A Queda de Gondolin", o primeiro conto élfico completo
que ele escreveu. E quando ele incorporou a história em seu livro de
Contos Perdidos, um de seus elfos narradores diz que "A Queda de
Gondolin" "é a maior das histórias dos Gnomos [os Gnomos se
tornaram os Noldor na mitologia tardia], e mesmo nessa casa é Ilfiniol,
filho de Bronweg, que conhece esses feitos com maior verdade que
qualquer outro que está hoje sobre a Terra."

[1] O nome do
grupo era uma referência às suas reuniões de leitura regadas a chá
durante as horas vagas, inicialmente na biblioteca da King Edwards
School ("Escola Rei Eduardo"), e posteriormente em uma loja chamada
Barrow (daí o nome Barrovian).

[2] Humphrey Carpenter, autor
da biografia oficial de Tolkien e editor do The Letters of J.R.R.
Tolkien ["As Cartas de J.R.R. Tolkien"]

Àquela época, não
havia na vida de Tolkien nenhuma história mais importante para a sua
nascente mitologia. "A Queda de Gondolin" representou o claro
cumprimento das longas promessas de sua juventude e das lendas
Gnômicas. O reluzente Earendel iria sobreviver à queda de Gondolin para
se tornar o salvador de elfos e Homens, semelhante a como Aeneas
sobreviveu à queda de Tróia para se tornar o antepassado de Roma.
Tolkien sobreviveu à queda da T.C.B.S., e ele começou a dedicar-se à
tarefa de garantir que seus sonhos permaneceriam vivos, exatamente como
G.B. Smith havia lhe dito anteriormente.

Mas a história de
tamanha tragédia não pode ser contada sem algum grande sacrifício.
Tolkien tinha muitos exemplos de sacrifício para escolher. Ele
precisava refinar o tema e criar um personagem que fosse intocado pela
corrupção, incólume pela perda de seu lar e casa. Um personagem que, à
despeito da intrusão da morte em sua vida, determinaria a continuidade
de Gondolin. A morte não poderia destruir Gondolin, nem mesmo o exílio.
Esta foi a contribuição de Glorfindel. Gondolin havia sido fundada
pelos Noldoli (Gnomos) que sobreviveram à Batalha das Lágrimas
Incontáveis. Quando a própria Gondolin foi destruída, um remanescente
de seu povo escapou, e eles perseveraram. Era muito parecido com a
T.C.B.S.. Geoffrey Smith havia decidido que a morte e a perda não
dissolveriam o grupo. Os sobreviventes continuariam, e ao menos um
deles iria contar grandes histórias, revitalizar a literatura inglesa
de uma forma que poucos homens poderiam esperar.

Então,
Glorfindel se torna uma figura trágica que, sozinho entre uma hoste de
personagens trágicos, é memorável. Há algo profundo e tocante no
sacrifício de Glorfindel. Ecos da batalha heróica com o Balrog iria
perpassar a trabalhos mais tardios como o "Quenta Noldorinwa" e o
"Later Annals of Beleriand" ["Anais tardios de Beleriand"]. Mas a
história de Gondolin propriamente iria desfalecer e ser deixada à
margem. Tolkien nunca voltou à batalha pela cidade, mas voltou a
Glorfindel.

Enquanto escrevia "O Conselho de Elrond", Tolkien,
em certo ponto, considerou ter Glorfindel contando (de) seu passado
antigo em Gondolin. Algo de Gondolin estava, desta maneira, sendo
levado adiante para o novo Hobbit. Mas Tolkien desistiu da idéia. O
Glorfindel de Valfenda tornou-se simplesmente Glorfindel, e não havia
referência a um Glorfindel anterior ou a uma história anterior. A
transformação de Glorfindel não deve representar nada mais do que a
necessidade de um autor de contar uma história concisa. Ele iria, no
fim das contas, remover material concernente ao romance de Aragorn e
Arwen para um apêndice.

Então o conto de Glorfindel iria
continuar e, de fato, Tolkien vezes mais tarde quando ele escreveu o
material para os apêndices. Lá agora aparecia o relato da chegada de
Glorfindel com um exército élfico ao campo de batalha, completando a
vitória de Gondor sobre o Rei-Bruxo de Angmar e, de certa forma,
replicando a vitória esmagadora de Melkor e escravidão de Gondolin.
Onde as trevas reinavam, Glorfindel trouxe luz. Mas a sua luz iria logo
cair e os elfos iriam retornar aos seus retiros para finalmente
navegarem através do Mar em grandes contingentes, deixando a
Terra-Média. Glorfindel permaneceria, mas ele era um elfo excepcional e
a exceção iria perseguir os pensamentos de Tolkien nos anos seguintes.

Quem era Glorfindel, e o que ele estava fazendo na Terra-Média? Ele não
era tão enigmático para os fãs. Em 1958 Rhona Beare perguntou a Tolkien
(em nome dos fãs) por que Asfaloth, o cavalo de Glorfindel, tinha uma
rédea e arreios "quando elfos montam sem arreios, selas ou rédeas?"
Tolkien respondeu rapidamente que ele deveria ter escrito "testeira", e
essa mudança seria conseqüentamente feita ao texto. E isso (a não ser o
pedido do uso do nome de Glorfindel em uma vaca) representa a soma
total do interesse dos fãs no mais enigmático elfo da Terra-Média.

A lenda de Glorfindel havia se acalmado. Tolkien tentou reescrever a
história de Tuor e Gondolin, mas ele apenas conseguiu prosseguir até
ter Tuor olhando através da planície de Tumladen sobre Gondolin pela
primeira vez. Glorfindel apareceu brevemente na história de Aredhel e
Maeglin como um dos senhores que Turgon indicou para escoltá-la, mas
Tolkien decidiu que Glorfindel, Egalmoth e Ecthelion eram escolhas
inapropriadas para senhores élficos que tornar-se-iam tão consternados
por Nan Dungortheb que retornariam em desespero e dessa forma perderiam
seu encargo. Ele decidiu que seria melhor não nomeá-los na história.
Essa decisão, (e) uma nota acerca da morte de elfos e a possível
ressurreição que acompanha o "Athrabeth Finrod ah Andreth", representa
uma elevação na estatura de Glorfindel no caldeirão de pensamentos de
Tolkien.

A questão sobre como o Glorfindel de Elrond deveria
ser diminuído em importância enquanto a fama do Glorfindel de Gondolin
aumentava… na mente de Tolkien. Os leitores não tinham idéia de que
essas questões existiam para o autor. Glorfindel era mais importante
para J.R.R. Tolkien do que ele era para O Senhor dos Anéis. Mas para
encontrar um lugar para Glorfindel na mitologia, Tolkien teve que ser
consistente com o que Gandalf disse sobre o elfo em "Muitos Encontros":

"Que me diz de Valfenda e dos elfos? Valfenda é um lugar seguro?"

"Sim, atualmente, até que todo o resto tenha sido conquistado. Os elfos
podem temer o Senhor do Escuro, e podem fugir de sua presença, mas
nunca mais irão escutá-lo ou servi-lo. E aqui em Valfenda ainda vivem
alguns dos maiores inimigos dele: os Sábios élficos, senhores dos
Eldar, de além dos mares mais distantes. Estes não temem os Espectros
do Anel, pois os que moram no Reino Abençoado vivem ao mesmo tempo nos
dois mundos, e têm grande poder contra os Visíveis e os Invisíveis."

"Pensei ter visto uma figura branca que brilhava e não se apagava como as outras. Então era Glorfindel?"

"Sim. Por um momento você o viu como ele é do outro lado: um dos
poderosos entre os Primogênitos. Ele é um senhor élfico de uma casa de
príncipes. Na verdade, existe um poder em Valfenda capaz de resistir à
força de Mordor, por um tempo: e em outros lugares ainda moram outros
poderes…"

Glorfindel é, então, um elfo que viveu em Aman. Então o
texto publicado faz com que seja virtualmente impossível para ele ser
descendente de um elfo de Gondolin. Ele poderia ter morado em Gondolin,
mas não poderia ter nascido lá ou após isso, entre os Exilados de
Gondolin. Conseqüentemente, a decisão de não fazer de Glorfindel um
descendente de outro Glorfindel foi, de fato, uma decisão tomada bem
cedo, anteriormente à publicação de O Senhor dos Anéis. Mas isso não
significa que Glorfindel era necessariamente o Glorfindel de Gondolin.

Apesar das freqüentes concepções errôneas, Tolkien não pretendia
reutilizar nomes entre os elfos. Embora não haja dois elfos em O Senhor
dos Anéis que tenham o mesmo nome, um (ao menos) carrega o nome de um
elfo mais antigo: Rúmil, um dos guias de Lórien, tem o mesmo nome de um
elfo noldorin que criou as primeiras Tengwar (e este Rúmil mais antigo
é mencionado no Apêndice E). Mas outro nome de Gondolin aparece no
Conselho de Elrond: Galdor, o elfo dos Portos, o emissário de Círdan.
Christopher Tolkien chega (á) à conclusão de que não pode ser o mesmo
Galdor que liderou a vanguarda da coluna de refugiados de Tuor em "A
Queda de Gondolin". O Galdor de Gondolin não apenas sobreviveu, ele
retornou ao final da Primeira Era e nunca mais voltou á Terra-Média.

Dessa forma, há casos peculiares mesmo em O Senhor dos Anéis, quando
Tolkien reutilizou nomes élficos, e ele não foi totalmente claro sobre
onde esse uso era apropriado. Anos mais tarde, enquanto considerava a
história de Círdan, J.R.R.T. notou para si mesmo que o Galdor de
Gondolin poderia ter sobrevivido à queda e permanecido na Terra-Média,
embora nunca tivesse adquirido a sabedoria que Glorfindel obteve no
Oeste. Christopher foi ágil em apontar que seu pai expressou a
especulação de forma a indicar que ele não estava certo, e Christopher
concluiu que seu pai não poderia ter localizado o manuscrito de "A
Queda de Gondolin" para conferir e, portanto, estaria meramente
sugerindo a possibilidade a si mesmo (para futura referência, talvez).

Em The Peoples of Middle-Earth [Os Povos da Terra-Média] Christopher
publicou pela primeira vez dois ensaios acerca de Glorfindel, que seu
pai escrevera por volta de 1972. O primeiro ensaio está incompleto, sua
página inicial está faltando, mas aparentemente J.R.R.T. decidira que
alguns elfos foram enviados de volta à Terra-Média com os Istari "como
guardas ou ajudantes". Um desses seria Glorfindel, junto com Gandalf.
Esse ensaio supõe que Glorfindel, devido ao seu grande sacrifício,
havia sido liberto de Mandos em pouco tempo e restituído à inocência
original dos elfos. Vivendo com os Maiar e entre os elfos que nunca se
rebelaram, ele provavelmente se tornou um amigo de Olórin (Gandalf) e
cresceu em sabedoria e poder.

Mas após ter escrito esses
pensamentos, Tolkien mudou de idéias. Em uma nota, Christopher
refere-se ao seu pai como tendo decidido, logo após ter escrito o
primeiro ensaio sobre Glorfindel, que o elfo teria mais provavelmente
retornado à Terra-Média na Segunda Era. Em seguida, Tolkien escreveu o
segundo ensaio acerca de Glorfindel e ele decidiu finalmente que os
dois Glorfindels eram a mesma pessoa, que após ter sido expurgado de
seus pecados em Mandos, foi liberto e permitido que vivesse em Aman.
Mas então ele retornou à Terra-Média para ajudar Gil-galad a se
preparar para as batalhas contra Sauron.

O fato de o
Glorfindel de Valfenda ter vivido no reino Abençoado, de certa forma
pressionou Tolkien a considerar como ele teria estado lá. A chegada de
Glorfindel na Terra-Média não havia sido tão fortemente ordenada, mas
Tolkien não diz realmente por que Glorfindel teve de retornar na
Segunda Era, a não ser ao dizer no segundo ensaio que tal viagem dos
elfos teria sido impedida após a Queda de Númenor. Portanto, os Istari
não poderiam ter sido acompanhados pelos guardas e assistentes do
primeiro ensaio.

A restrição a viajar de Aman para a
Terra-Média é atestada em suas cartas, então Tolkien não estava apenas
adicionando um novo elemento à história para racionalizar sua escolha.
Ao contrário, ele estava assegurando que a escolha era consistente com
o que ele havia dito a outras pessoas.

A última decisão, na
qual Glorfindel aparentaria grande poder, é compartilhada com a
sugestão de que como um elfo reconstituído, ele estaria mais próximo em
poder de um Maia do que qualquer outro elfo vivente normal. O enigma
sobre o poder de Glorfindel na Terra-Média está, dessa forma,
explicado. Não seria qualquer elfo que poderia fazer os Nazgûl fugirem.
Um Nazgûl, sozinho no Condado, havia afastado anteriormente a companhia
de Gildor Inglorion (ele mesmo um Exilado). Mas os Nove reunidos
estavam determinados a enfrentar Elrond e Glorfindel juntos, caso fosse
necessário, quando, afinal, parecia certo que Frodo escaparia deles.
Então, Glorfindel ter sido enviado sozinho para encontrar Frodo foi uma
decisão que refletiu a grande confiança em suas habilidades.

Se aceitarmos que Glorfindel retornou à Terra-Média na Segunda-Era,
provavelmente ao tempo da Guerra entre Elfos e Sauron (o que Tolkien
sugere como o acontecimento mais provável para justificar o seu
retorno), então Glorfindel deve ter sido muito atuante na defesa de
Lindon e Eriador contra Mordor. Após a guerra, ele deve ter acompanhado
Galadriel e Celeborn em algumas de suas viagens, ou talvez tenha sido o
emissário de Gil-galad a outros reinos élficos (estes permaneceriam
ainda: o reino de Oropher na Floresta Verde, Amdír em Lothlórien e o
porto de Edhellond são tudo o que conhecemos com certeza).

E
então Glorfindel teria marchado com o exército de Lindon e Imladris na
Guerra da Última Aliança. Elrond era o arauto de Gil-galad, um papel
que teria-lhe deixado com pouco tempo para comandar exércitos, uma vez
que ele teria sido vital para as relações de Gil-galad com os outros
líderes da aliança, e também teria enviado declarações às forças de
Sauron. Gil-galad teria tido Celeborn, Círdan e Glorfindel para
convocar como seus capitães em suas várias forças. E é claro, outros
senhores élficos teriam servido como segundos-comandantes, capitães
menores, conselheiros, etc. Lá haveria uma horda de senhores élficos. A
posição de Glorfindel durante a Guerra da Última Aliança é, sem sombra
de dúvida, certa.

Foi ainda Glorfindel que liderou os
exércitos de Valfenda e Lothlórien para o último combate com o
Rei-Bruxo de Angmar. O seu status deveria ser aumentado muito na
Terceira Era? Por que Amroth não liderou seu próprio exército? Ele
estava mesmo presente na batalha, ou ele estava em casa em Lothlórien
para guardar o reino? Considerar que Glorfindel liderou os exércitos
combinados implica que ele era uma pessoa de grande estatura entre os
elfos, um grande e nobre senhor, sem dúvida.

Tolkien conta ao
leitor apenas o suficiente sobre Glorfindel em O Senhor dos Anéis para
demonstrar que ele era um senhor élfico muito importante, mas não diz
mais. É apenas quando vamos ao O Silmarillion e lemos sobre seu grande
sacrifício que aprendemos sobre a história trágica de Glorfindel. E
mesmo a história de Gondolin deixa algo a desejar. O conto em O
Silmarillion é um pasticho adaptado por Christopher Tolkien de "A Queda
de Gondolin" e "De Tuor e sua Chegada a Gondolin". Ele não conta
realmente os grandes eventos que "A Queda de Gondolin" pretendeu nos
transmitir. Além do comando de um dos flancos de Turgon na Nirnaeth
Arnoediad, Glorfindel não é mencionado em nenhum outro lugar d O
Silmarillion.

Ele deveria ser um dos Exilados, impelido pela
demanda de Fëanor na qual os Noldor seguiram-no de volta até a
Terra-Média. Ele provavelmente não tomou parte no Fratricídio de
Alqualondë, uma vez que da hoste de Fingolfin apenas o povo de Fingon
ajudou os feanorianos diretamente. Turgon, pode-se presumir, veio após
o grupo noldo (se) de seu pai. Então Glorfindel sobreviveu à travessia
de Helcaraxë e esteve com Fingolfin quando a maior parte dos Noldor
marchou para Angband inutilmente. E ele deve ter estado presente quando
os grandes príncipes noldor reuniram-se em assembléia após o resgate de
Maedhros por Fingon.

Glorfindel está sempre lá, no
pano-de-fundo, uma face no meio de legiões de personagens anônimos que
compõem a antiga hoste dos Noldor. O curioso é que O Silmarillion
lançou mais questões sobre o passado de Glorfindel do que sobre sua
história pessoal. Ele era um dos Vanyar? Ele era apenas parte vanyarin?
Por que ele tinha cabelos dourados, se (como Tolkien diz em O Senhor
dos Anéis) apenas os descendentes de Finarfin e Eärwen tem cabelos
dourados entre os noldor?

Cabelos dourados são, supostamente,
uma coisa rara entre os elfos, e mesmo o rei-élfico do norte da
Floresta das Trevas tem cabelos dourados em O Hobbit, um guerreiro elfo
anônimo de Lothlórien tem cabelos dourados em O Senhor dos Anéis, e
tanto Glorfindel quanto Idril Celebrindal têm cabelos dourados. Idril,
ao menos, é uma descendente de Indis, segunda esposa de Finwë, que veio
dos Vanyar, e a própria mãe de Idril, Elenwë, era dos Vanyar. As idéias
de Tolkien sobre atributos físicos dos elfos não deveriam estar
completamente desenvolvidas quando ele escreveu a frase que apenas os
descendentes de Finarfin tinham cabelos dourados entre os noldor.

Mas isso não explica a ascendência de Glorfindel. Quem eram seus pais?
Ele era parte Vanya, como Idril? Parece claro que ele deveria ter tido
algum sangue vanyarin. Muitos sentem que os Vanyar estiveram acima da
rebelião, mas a decisão de Elenwë de se unir a Turgon no exílio é uma
indicação de que eles não estiveram. Se uma esposa foi levada a seguir
seu marido, então por que não outras? E pode ser que Elenwë tenha
seguido seu marido apenas porque ela e Turgon não haviam estado casados
por muito tempo. Idril era apenas uma criança quando Elenwë foi perdida
no gelo. Então, Idril nasceu durante a residência provisória em Araman,
após o Fratricídio.

Se alguns dos noldor "antigos" partiram
para o exílio, não parecem ter sido muitos. Nerdanel, esposa de Fëanor,
não foi com ele. Assim como não foi seu pai, Mahtan, ou qualquer membro
da sua família (exceto os filhos de Fëanor e Nerdanel). Então,
Glorfindel provavelmente não deveria ser um dos "antigos" entre os
noldor ao tempo da rebelião. Ele deve ter sido o filho de um senhor
noldorin e de uma donzela vanyarin que auxiliou Turgon e, como um dos
amigos de Turgon, deve tê-lo seguido por lealdade e senso juvenil de
aventura.

Uma outra possibilidade é a de que Glorfindel fosse
o filho de um senhor vanyarin e uma esposa noldorin. Menos provável
seria alguma ascendência vanyarin remota. Poucos dos vanyar parecem ter
vivido em Tirion sobre Túna ao tempo da rebelião de Fëanor. A maioria
deles havia se mudado para o sopé de Taniquetil ou para terras
silvestres de Valinor, ou a área de Valmar. Se ele veio dos Vanyar, a
família de Glorfindel deveria, por essa razão, ter tido laços estreitos
com os Noldor.

Na última análise, Glorfindel permanece tão
misterioso quanto sempre. Não sabemos praticamente nada acerca do seu
lugar na sociedade eldarin, quem seus parentes eram, (aparentemente
todos, ou a maioria, morreram na Terra-Média, como Tolkien mencionou,
ele foi o primeiro de sua família a ser libertado de Mandos em um dos
dois ensaios sobre Glofindel), ou mesmo como era sua relação específica
com Turgon (a não ser um seguidor na hierarquia da nobreza de Gondolin).

E a história de Glorfindel está longe de estar completa. Nós podemos
apenas traçar seus movimentos de maneira geral. Talvez ele tenha gasto
um tempo razoável com Gandalf, vagando pelas terras do norte. Seria
difícil imaginar um livro que tratasse apenas de Glorfindel, apesar de
ele e Gandalf terem se envolvido em um número razoável de aventuras.
Talvez lá pelo ano de 2061 seja lançada uma série de televisão tratando
dos dois, e os fãs de Tolkien poderão finalmente explorar um pouco do
fascínio que esse personagem exerce sobre eles.

[notas do tradutor]

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