Posteriormente, ele não deve ser capaz de ser controlado ou “acorrentado” por todos os Valar unidos. Observe-se que, nos primórdios de Arda, ele foi capaz de, sozinho, expulsar os Valar da Terra-média, em retirada.A guerra contra Utumno só foi empreendida pelos Valar com relutância, e sem esperança de vitória real, mas deu-se como uma ação de proteção ou distração, para permitir-lhes retirarem os Quendi de sua esfera de influência. Mas Melkor já havia progredido de algum modo na direção do caminho que o tornaria “o Morgoth, um tirano (ou uma tirania e vontade centrais), mais seus agentes”.[2] Apenas o total continha o antigo poder do Melkor completo; de modo que, se “o Morgoth” pudesse ser alcançado ou separado temporariamente de seus agentes, ele estaria muito mais próximo de ser controlável e em um nível de poder tal como o dos Valar. Os Valar percebem que podem lidar com seus agentes (isto é,
exércitos, Balrogs, etc.) gradualmente. De forma que eles chegam, por fim, à própria Utumno e descobrem que “o Morgoth” não possui no momento “força” suficiente (em qualquer sentido) para defender-se do contato pessoal direto. Manwë finalmente encara Melkor mais uma vez, como ele não havia feito desde que entrou em Arda. Ambos assombram-se: Manwë por perceber o declínio em Melkor como uma pessoa, Melkor por também perceber isto a partir de seu próprio ponto de vista: ele agora possui menos força pessoal do que Manwë, e não pode mais intimidá-lo com seu olhar.Ou Manwë deve contar-lhe isso ou ele mesmo deve perceber repentinamente (ou ambas opções) que isso aconteceu: ele está “disperso”. Mas o desejo de possuir criaturas sujeitas a ele, dominadas, tornou-se habitual e necessário a Melkor de modo que, mesmo se o processo fosse reversível (possivelmente o era apenas pela auto-humilhação e arrependimento absolutos e verdadeiros), ele não pode realizá-lo por si próprio.* Assim como com todos os outros personagens, deve haver um momento de estremecimento no qual isso está em jogo: ele quase se arrepende – e não o faz, e torna-se muito mais cruel e mais tolo.* Uma das razões para esse seu auto-enfraquecimento é a de que ele deu às suas “criaturas”, Orcs, Balrogs, etc., poder de recuperação e multiplicação. De modo que eles irão se reuinir novamente sem ordens específicas adicionais. Parte desse poder criativo nativo perdeu-se ao criar um crescimento maligno independente, fora de seu controle.Possivelmente (e ele acha isso possível) ele poderia, neste momento, ser humilhado contra sua própria vontade e “acorrentado” – se e antes que suas forças dispersas reagrupem-se. Portanto – tão logo tivesse rejeitado mentalmente o arrependimento – ele (assim como Sauron posteriormente do mesmo modo) faz um arremedo de auto-humilhação e arrependimento pelo qual, na verdade, sente um tipo de prazer pervertido como ao profanar algo sagrado – [pois a mera contemplação da possibilidade de arrependimento genuíno, se essa não viesse então especialmente como uma graça direta de Eru, ao menos foi uma última centelha de sua verdadeira natureza primordial.] Ele dissimula remorso e arrependimento. Ele realmente ajoelha-se diante de Manwë e rende-se – em primeiro lugar, para evitar ser acorrentado com a corrente Angainor da qual, uma vez sobre ele, teme jamais libertar-se. Mas ele também subitamente tem a idéia de penetrar na exaltada estabilidade de Valinor e arruiná-la. Assim, ele se oferece para tornar-se “o menor dos Valar” e servo de todos eles, para ajudar (por conselhos e habilidade) a reparar todas as perversidades e ferimentos que causara. É essa oferta que seduz ou ilude Manwë – Manwë deve ser mostrado como tendo sua própria falha inata (embora não seja um pecado)**: ele fica absorto (em parte por medo absoluto de Melkor, em parte pelo desejo de controlá-lo) na correção, cura, reordenamento – até na “manutenção do status quo” – levando à perda de todo o poder criativo e mesmo à fraqueza ao lidar com situações difíceis e perigosas. Contra o conselho de alguns dos Valar (tais como Tulkas), ele atende à súplica de Melkor.
** Cada criatura finita deve possuir alguma fraqueza: que é alguma incapacidade de lidar com algumas situações. Não é pecaminoso quando não ocorre voluntariamente e quando a criatura dá o melhor de si (mesmo se não for o que deveria ser feito) do modo como esta vê a situação – com a intenção consciente de servir a Eru.
Melkor é levado de volta à Valinor, indo por último (exceto por Tulkas***, que o segue carregando Angainor e fazendo-a ressoar para que Melkor lembre-se dela).
*** Tulkas representa o lado bom da “violência” na guerra contra o mal. Essa é uma ausência de todo compromisso que irá confrontar mesmo males aparentes (tais como a guerra) em vez de parlamentar; e não acredita (em qualquer tipo de orgulho) que qualquer um inferior a Eru possa reparar isso, ou reescrever o conto de Arda.
Mas no conselho, não é dada a Melkor liberdade imediata. Os Valar reunidos não tolerarão isso. Melkor é remetido a Mandos (para lá
permanecer em “reclusão” e meditar, e completar seu arrependimento – e também seus planos para a reparação).[3]
Ele começa então a duvidar da sensatez de sua própria política, e teria rejeitado tudo e irromperia em uma rebelião flamejante – mas ele agora está absolutamente isolado de seus agentes e em território inimigo. Ele não pode. Portanto, ele engole o amargo remédio (mas isso aumenta enormemente seu ódio, e posteriormente ele sempre acusou Manwë de ser desleal).
O resto da história, com a libertação de Melkor, e a permissão para estar presente no Conselho, sentando aos pés de Manwë (conforme o
modelo de conselheiros malignos em contos posteriores que, pode-se dizer, deriva desse modelo primordial?), pode então proceder mais ou menos como já contado.
Notas:
[1] Cf. as palavras de Finrod no Athrabeth: “não há poder algum concebivelmente maior que Melkor, salvo apenas Eru”.
[2] A referência mais antiga à essa idéia da “dispersão” do poder original de Melkor é encontrada nos Anais de Aman §179: “Pois ele cresceu em malícia e, transmitindo de si mesmo o mal que concebera em mentiras e criaturas ou perversidade, seu poder passou para elas e foi dispersado, e ele próprio tornou-se ainda mais ligado à terra, negando-se a sair de suas fortalezas sombrias.”
Vejo uma grande semelhança entre o livro o Grande Conflito de Ellen G. White escrito em 1888 (vide – http://www.ograndeconflito.com.br/ ) com o livro O Silmarillion de Tolkien. É como se a história primitiva de Tolkien fosse baseada na história da primeira guerra Universal que houve no Grande Conflito. Leiam e comparem. Abraços.