Artigo publicado originalmente no jornal The New York Times em 1º de maio de 1955, "O Mundo Sombrio de Homens e Hobbits" é uma resenha feita por Donald Barr de As Duas Torres, na época de seu lançamento e, portanto, sob a ótica daqueles tempos. Confiram então essa preciosa matéria, traduzida para nós pela colega Thais "Luz do Entardecer".
O Mundo Sombrio de Homens e Hobbits
“As Duas Torres” é a segunda parte. O Senhor do Escuro de Mordor começou seu ataque sobre a sanidade e a graça do mundo. A Sociedade do Anel, o diminuto grupo sobre o qual reside toda a esperança de resistência, é dispersada; o hobbit Frodo parte em direção das fronteiras da própria Mordor, levando o Anel fatal que deve ser destruído nos fogos do domínio do Inimigo. Isso, não importando o que o sumário possa fazer parecer, não é para crianças; nem o é para os amantes de excentricidades e citadores de Alice. Tampouco é o aparato de uma moral morta enfeitada de poesia, como “The Faerie Queen”. É uma obra extraordinária: pura excitação, narrativa fluente, calor moral, regozijo descarado com a beleza, mas principalmente excitação; ainda assim uma ficção séria e escrupulosa, nada confortável, sem pequenas visitas à infância.
Essa obra trabalho é muito admirada por certos críticos que sempre praticaram um intelectualismo altamente consciente e orgulhoso. A fantasia do Sr. Tolkien não é metafísica como a de E. R. Eddison, nem teológica como a de George MacDonald; seu apelo para os intelectuais é, portanto, interessante. Depois da primeira Guerra Mundial, a ficção séria tendeu ao platonismo ou berkeleyimo literário. Com uma espécie de tédio brilhante (chamado “sensibilidade”), romances se refinaram no tocante a estados mentais. Os autores compreendiam que o pensamento era o ato real, do qual a ação era apenas uma cópia duvidosa. Tramas deram caminho a insights. As divergências de grandes retóricas multifacetadas, que fizeram Dickens e Scott, foram substituídas pela voz interna, muito pequena, mas constante. Nunca a distância entre o apetite popular e arte séria havia sido tão grande como então se tornou, inevitavelmente. Muitas pessoas, do que poderíamos chamar de gosto mediano, voltaram-se para contos policiais, os quais pelo menos possuíam tramas; recentemente elas têm lido ficção científica, que possui uma ação forte. O fato de que “O Senhor dos Anéis” deve agradar leitores dos mais simples gostos sugere que eles agora também anseiam pelo tipo antigo, direto e viril de narrativa.
O Sr. Tolkien é um distinto filólogo inglês, e a linguagem de suas narrativas nos lembra que um filólogo é um homem que ama a linguagem. Seus nomes são brilhantemente apropriados; as línguas que inventou para os elfos e orcs expressam perfeitamente, apenas por seus sistemas de ritmo e fonética, a natureza dessas raças; seu estilo é cheio de alegria, a alegria que segue a produção de um gesto perfeito. Mas mais que isso, o autor teve um profundo acesso a uma tradição épica que remete cada vez mais ao passado e desaparece nas brumas de histórias germânicas, de modo que sua história possui um tipo de profundidade ecoando ao fundo, onde ouvimos Snorri Sturluson e Beowulf, as sagas e a Canção dos Nibelungos, mas civilizados pelo gênio suave da Inglaterra moderna.
O Sr. Barr leciona Inglês na Universidade da Columbia.