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No Final da Busca, Vitória

Continuando com a publicação de resenhas da época do lançamento dos livros de Tolkien, desta vez vocês poderão conferir "No Final da Busca, Vitória", resenha sobre O Retorno do Rei, escrita em 22 de janeiro de 1956 por W.H. Auden, renomado poeta de língua inglesa que também escrevia resenhas para o jornal The New York Times. Aproveitem para mais uma vez, ler sobre Tolkien sem o peso de anos de crítica, através deste texto traduzido por Jorge "Passolargo" Marsolla.
 
 
No Final da Busca, Vitória (por W.H. Auden, traduzido por Jorge "Passolargo" Marsolla)

No “O Retorno do Rei”, Frodo Bolseiro cumpre sua Busca, o reino de
Sauron acaba para sempre, a Terceira Era chega ao final e a trilogia de
J. R. R. Tolkien “O Senhor dos Anéis” se completa. Não me recordo de
outro livro sobre o qual tive tantas discussões violentas. Ninguém
parece ter uma opinião moderada sobre ele: um ou outro, como eu,
acham-no uma obra-de-arte do seu gênero; outros não o suportam e, no
meio, há alguns hostis – cujos julgamentos literários, devo confessar –
tenho grande respeito. Alguns poucos desses podem ter deixado de lado
as primeiras quarenta páginas do primeiro capítulo do primeiro volume,
no qual o dia-a-dia dos hobbits é descrito; é uma comédia leve até
então, e isso não é o forte do Sr. Tolkien. Na maior parte dos casos,
de qualquer modo, a objeção deve ir mais a fundo. A princípio, eu só
posso supor que algumas pessoas contestam as Buscas Heróicas e Mundos
Imaginários por sentirem que isso não pode ser nada além de uma leve
leitura “escapista”. Que um homem como o Sr. Tolkien, um filólogo
inglês que ensina em Oxford, esbanje tais esforços incríveis sobre um
gênero o qual é para eles superficial por definição é bastante chocante.

A dificuldade de apresentar uma completa imagem da realidade reside no
abismo entre a realidade subjetiva, uma experiência de sua própria
existência, e a realidade objetiva, sua experiência das vidas de outros
e do mundo sobre ele. A Vida, como eu vivencio, é primariamente uma
contínua sucessão de escolhas entre alternativas feitas por um
propósito de curto-prazo ou um longo-prazo; as ações que tomei são
menos significantes para mim do que os conflitos de motivos, tentações
e dúvidas das quais elas se originaram. Mais além, minha experiência
subjetiva de tempo não é um movimento cíclico exterior a mim, mas uma
irreversível história de momentos únicos os quais são feitos por minhas
decisões.

Para materializar essa experiência, a imagem natural é de uma jornada
com um propósito, envolvida por riscos perigosos e obstáculos, alguns
meramente difíceis, outros efetivamente hostis. Mas quando observei meu
próximo, tal imagem pareceu falsa. Eu posso ver, por exemplo, que
somente os ricos e aqueles que estão no ócio aceitam as jornadas; a
maioria dos homens, na maior parte do tempo, precisam trabalhar em um
lugar.

Eu não posso enxergá-los fazendo escolhas, mas sim as ações que eles
tomam, e se eu conheço bem alguém, posso freqüentemente prever
corretamente o quanto este irá agir em determinada situação. Eu vejo,
com muita freqüência, homens em conflitos uns com os outros (guerras e
ódio), mas raramente, algo nítido entre o Bem de um lado e o Mal do
outro; embora também observe que, geralmente, ambos os lados
interpretem como tal. Então, tento descrever o que vejo como se eu
fosse uma câmera impessoal, produzindo não uma Busca, mas um documento
“naturalista”.

Ambos os extremos, é claro, falsificam a vida. Há Buscas medievais as
quais merecem o criticismo feito por Erich Auerbach no seu livro
“Mimesis”:
“O mundo de nobreza provando ser um mundo de aventuras. Isso não apenas
contém uma série de aventuras praticamente interrompidas, mas sim,
especificamente, nada além dos requisitos de uma aventura… Exceto as
façanhas de guerras e do amor, nada acontece no mundo elegante, mesmo
que esses dois sejam algo especial; eles não são acontecimentos ou
emoções as quais se pode abster por um tempo, pois estão
permanentemente conectados com a pessoa do cavaleiro perfeito; são
parte de sua definição, portanto, ele não pode estar por um momento sem
façanhas e nem sem um envolvimento amoroso… Suas bravuras vêm da
perícia em guerras, não da “guerra em si”; para eles, existem feitos
alcançados ao acaso os quais não servem dentro de nenhum modelo
politicamente vantajoso.”

E existe o “romance” contemporâneo no qual a identificação de herói e
vilão com sua política é deprimentemente óbvia. Na outra mão, há as
novelas naturalistas nas quais os personagens são meros fantoches do
destino, ou melhor, do autor, cujo ponto de liberdade misterioso
contempla os trabalhadores do destino.

Como eu acredito, o Sr. Tolkien foi bem mais sucedido do que o escritor
anterior nesse gênero, no que se diz respeito ao uso das propriedades
tradicionais da Busca, tais como a jornada heróica, o objeto divino e o
conflito entre o Bem e o Mal enquanto que, ao mesmo tempo, satisfazia
nosso senso de realidade história e social. Para começar, nenhum
escritor anterior, no meu conhecimento, criou um mundo imaginário e uma
história fictícia com tantos detalhes. Na hora que o leitor termina a
trilogia, incluindo os apêndices deste último volume, ele sabe muito
aproximadamente sobre a Terra-Média de Tolkien, seu cenário, sua fauna
e flora, seus povos, suas linguagens, suas histórias e seus hábitos
culturais, assim como fora desse campo especial, ou seja, o mundo atual.

O mundo do Sr. Tolkien pode não ser o mesmo que o nosso: isso inclui,
por exemplo, elfos, seres que conhecem o Bem e o Mal, mas que não
sucumbiram, e, ainda que não sejam fisicamente indestrutíveis, não
sofrem morte natural. Atormentados por Sauron, o Mal absoluto
encarnado, temos criaturas como Laracna, a aranha monstro, ou os orcs
que foram corrompidos passada a esperança de salvação. Mas esse é um
mundo de leis inteligíveis, não um mero desejo; o senso de confiança do
leitor nunca é violado.

Mesmo o Um Anel, a arma física e psicológica absoluta que corrompe
qualquer um que ouse usá-lo, é uma hipótese perfeitamente plausível de
tarefa política que motiva as buscas de Frodo em querer destruí-lo.

Apresentar o conflito entre o Bem e o Mal como uma guerra na qual o
lado do Bem é derradeiramente vitorioso é um trabalho sensível. Nossa
experiência histórica nos diz que o poder físico e, em uma extensão
mais ampla, o poder mental são moralmente neutros e efetivamente reais:
guerras são vencidas pelo lado mais forte, justo ou injusto. Ao mesmo
tempo, a maioria de nós acredita que a essência do Bem é o amor e a
liberdade de modo que o Bem não pode se impor a força sem deixar de ser
bom.

As batalhas do Apocalipse e do “Paraíso Perdido”, por exemplo, são
difíceis de suportar por causa da combinação de duas noções
incompatíveis de divindade, ou seja, um Deus do Amor que cria seres
livres que podem rejeitar seu amor, e um Deus de absoluto Poder o qual
ninguém pode se opor. O Sr. Tolkien não é tão grande escritor quanto
Milton, mas nesse assunto, ele foi bem sucedido onde Milton falhou.
Como os leitores dos volumes antecedentes irão lembrar, a situação da
Guerra do Anel é a seguinte: Chance ou Providência colocam o Anel nas
mãos dos representantes do Bem (Elrond, Gandalf e Aragorn). Usando-o,
eles poderiam destruir Sauron, a encarnação do Mal, mas ao custo de se
tornarem seu sucessor. Se Sauron recuperasse o Anel, sua vitória seria
imediata e completa, mas mesmo sem isso, seu poder era maior do que
qualquer ameaça que algum de seus inimigos pudesse fazer contra ele, de
modo que, a menos que Frodo fosse bem sucedido na destruição do Um,
Sauron deveria vencer.

O Mal, como é, tem toda vantagem, exceto uma inferior na imaginação. O
Bem pode imaginar a possibilidade de se tornar o Mal, por isso a recusa
de Gandalf e Aragorn em usar o Anel, mas o Mal (desafiante escolhido),
não consegue mais imaginar nada além de si mesmo. Sauron não pode
imaginar nenhum motivo exceto o desejo pela dominação e o medo; desse
modo, quando ele soube que seus inimigos estavam com o Anel, a idéia de
que esses poderiam tentar destruí-lo jamais passou pela sua cabeça, e
seu olho então se fixou ao redor de Gondor e ficou longe de Mordor e da
Montanha da Perdição.

Mais adiante, a veneração pelo poder é seguida, como deveria ser, por
raiva e um desejo de crueldade: sabendo da tentativa de Saruman em
roubar o Anel, Sauron fica tão enfurecido que, por dois dias cruciais,
não presta atenção a um rumor sobre um espião nas escadas de Cirith
Ungol, e quando Pippin é tolo o suficiente para olhar no palantir de
Orthanc, Sauron poderia ter aprendido tudo sobre a Busca. Seu desejo de
capturar e torturar faz com que perca sua preciosa oportunidade.

As necessidades das capacidades do escritor em um épico tão longo
quanto “O Senhor dos Anéis” são enormes e aumentadas na medida em que a
história prossegue, as batalhas ficam mais espetaculares, a situação
mais crítica e as aventuras mais emocionantes. Eu só posso dizer que o
Sr. Tolkien provou ser igual a eles. Dos apêndices, os leitores
conseguirão vislumbres torturantes da Primeira e Segunda Era. A lenda
desses já foi escrita e eu espero que, assim que os editores virem “O
Senhor dos Anéis” dentro de uma edição de brochura, não deixem o
crescente exército de fãs do Sr. Tolkien esperando por muito tempo.

O Sr. Auden é o autor de “Nones” e “The Shield of Achilles” dentre outros volumes de verso.

 
Fonte: The Tolkien Archives  
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