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Entrevista de J. R. R. Tolkien em 1971

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Essa entrevista nos mostra a importância das velhas gravações. Elas podem nos dizer muito mais do que apenas cartas e biografias, porque ouvindo a voz de alguém você pode ouvir como ele reage e sente melhor como eles pensam sobre vários assuntos.
Para aqueles interessados, essa entrevista pode ser encontrada em “J.R.R. Tolkien: An Audio Portrait (CD) (2001)”, apresentada por Brian Sibley. Foi primeiramente lançada em uma versão editada em 1980 como uma fita de áudio comercial por BBC Casettes, Londres, e Audio-Forum em Guilford, Connecticut.
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J.R.R. Tolkien: Há muito tempo atrás eu escrevi O Hobbit, e muito tempo antes de eu escrever isso, eu construí esse mundo mitológico.

D. Gerrolt: Então você possuía algum esboço em cima do qual era possível trabalhar?

J.R.R. Tolkien: Sagas imensas, sim… Eu fui absorvido por elas como o próprio Hobbit fez, como você sabe, O Hobbit era originalmente sobre aqueles anões e tão logo ele saiu mundo afora ele se emocionou e sutilmente deslizou para dentro desse mundo.

D. Gerrolt: Então seus personagens e sua história realmente tomaram conta. [Silêncio] Quando eu digo tomaram conta, eu não quero dizer que você estava completamente sob seu feitiço ou qualquer coisa deste tipo.

J.R.R. Tolkien: Oh não não, eu não me desvio com respeito a sonhos de maneira nenhuma, não [risos] não não, não é uma obsessão de forma alguma. Você tem essa sensação que nesse ponto [fuma seu charuto] A, B, C, D, apenas A ou um deles é certo e você tem que esperar até ver. Eu tenho mapas, é claro. Se você está elaborando uma história complicada, você deve trabalhar em um mapa, senão você pode nunca fazer um mapa dela depois. As luas, eu acho, finalmente as luas e o pôr-do-sol funcionaram de acordo com o que eles foram nessa parte do mundo em 1942, na verdade. Deve ter sido algo por volta disso.

D. Gerrolt: Você começou a escrevê-lo em 1942, não foi?

J.R.R. Tolkien: Oh não, eu comecei assim que O Hobbit saiu – nos anos 30.

D. Gerrolt: E quando acabou de escrevê-lo, ele foi publicado em seguida.

J.R.R. Tolkien: Eu escrevi o último… em 1949 – eu lembro que realmente chorei na conclusão da história. Mas então, é claro, havia uma quantidade enorme de revisões. Eu datilografei toda essa obra duas vezes e muito dela, muitas vezes, sobre uma cama no sótão. Eu não pude arcar, é claro, com a impressão. Há alguns erros ainda e também me diverte dizer, como eu creio, que estou em uma posição onde não importa o que as pessoas pensam de mim agora. Havia alguns terríveis erros de gramática, os quais, para um Professor da Língua Inglesa e Literatura, são particularmente chocantes.

D. Gerrolt: Eu não notei nenhum.

J.R.R. Tolkien: Tinha um onde eu usei cavalgou como o particípio de cavalgar! [risos]

D. Gerrolt: Você sente algum tipo de culpa como filólogo, como Professor de Língua Inglesa, com os quais você estava preocupado com as origens factuais da língua, por você ter dedicado uma grande parte da sua vida a uma coisa fictícia?

J.R.R. Tolkien: Não. Estou certo de que realmente fiz o idioma muito bem! Há muita compreensão lingüística nele. Não sinto qualquer complexo de culpa sobre O Senhor dos Anéis.

D. Gerrolt: Você tem uma afeição particular por essas coisas simples e confortáveis da vida que o Condado incorpora: o lar e o cachimbo e o fogo e a cama – as virtudes humildes?

J.R.R. Tolkien: Você não?

D. Gerrolt: E você não, professor Tolkien ?

J.R.R. Tolkien: É claro, sim sim sim.

D. Gerrolt: Você tem então um afeto particular pelos Hobbits ?


J.R.R. Tolkien:
Isso é o motivo de me sentir em casa… olha, O Condado é bem o tipo de mundo no qual eu pela primeira vez me tornei ciente das coisas. O que foi talvez rude para mim porque não nasci nele. Eu nasci em Bloomsdale na África do Sul. Eu era muito novo quando voltei, mas ao mesmo tempo bate na sua memória e imaginação, mesmo se você não pense nisso. Se a sua primeira árvore de Natal for um eucalipto murcho e você normalmente fica incomodado com o calor e a areia… e então ter justamente a idade na qual sua imaginação está se expandindo e de repente encontrar-se em uma tranqüila aldeia de Warwickshire creio que gera um amor específico pelo o que você poderia chamar de interior inglês das Midlands centrais. Baseado em boa água, pedras e olmeiros e pequenos e tranqüilos rios e assim por diante, e é claro, camponeses nos arredores.


D. Gerrolt:
Com que idade veio você para a Inglaterra ?


J.R.R. Tolkien:
Eu creio… eu tinha por volta de três anos e meio. Muito impressionante é claro, porque é uma das coisas que as pessoas dizem não lembrar, é como constantemente fotografar a mesma coisa sobre o mesmo prato. Leves mudanças simplesmente fazem um borrão. Mas se uma criança tem uma mudança repentina como essa, é consciente. O que tenta fazer é ajustar as novas memórias às antigas. Eu tenho uma imagem perfeitamente clara e vívida de uma casa que eu agora sei que é na realidade um bem trabalhado pastiche de minha própria casa em Bloemfontein e a casa da minha avó em Birmingham. Posso ainda me lembrar de descer a estrada em Birmingham e me perguntar o que tinha acontecido à grande galeria, o que aconteceu ao balcão. Conseqüentemente, lembro das coisas extremamente bem, eu consigo lembrar de me banhar no Oceano Índico antes dos dois anos de idade e eu lembro bem claramente.


D. Gerrolt:
Frodo aceita o fardo do Anel e ele incorpora, como um personagem, as virtudes de longo sofrimento e perseverança, e por suas ações alguém quase poderia dizer, no senso budista, que ele “adquire mérito”. Ele se torna, na realidade, quase uma figura de Cristo. Por que você escolheu um Pequeno, um Hobbit para esse papel?


J.R.R. Tolkien:
Eu não escolhi. Eu não fiz muitas escolhas, eu escrevi O Hobbit, entende… tudo que eu estava tentando fazer era continuar do ponto onde O Hobbit parou. Eu tinha Hobbits em minhas mãos, não tinha?


D. Gerrolt:
Realmente, mas não há nada em particular “como Cristo” sobre Bilbo?


J.R.R. Tolkien:
Oh não. Não não.

D. Gerrolt: Mas diante do mais espantoso perigo ele luta e continua, e chega ao seu objetivo.


J.R.R. Tolkien:
Mas isso se parece, creio eu, mais com uma alegoria da raça humana. Eu sempre tive a impressão que estamos aqui sobrevivendo por causa da coragem invencível de pessoas muito pequenas contra chances impossíveis: selvas, vulcões, animais selvagens… eles lutam, quase cegamente, de certa maneira.


D. Gerrolt:
Eu pensei que de modo concebível Midgard poderia ser a Terra-média ou possuir alguma conexão.


J.R.R. Tolkien:
Oh sim, elas são a mesma coisa. Muitas pessoas cometeram esse erro de achar que a Terra-média é um tipo particular de terra ou é outro planeta do tipo de ficção científica, mas é apenas um velho termo moldado para esse mundo em que vivemos, como imaginado cercado pelo oceano.


D. Gerrolt:
Parecia para mim que a Terra-média era de certo como, como você diz, este mundo que vivemos, mas em uma era diferente.


J.R.R. Tolkien:
Não… em um grau diferente de imaginação… sim.


D. Gerrolt:
Você tencionou em O Senhor dos Anéis que certas raças deveriam incorporar certos princípios: a sabedoria de elfos, a arte de anões, a administração e as batalhas dos homens, e assim por diante?



J.R.R. Tolkien:
Eu não o planejei. Mas quando você tem esses povos nas mãos, você tem que fazê-los diferentes, não tem? Bem, é claro, como todos nós sabemos, no final das contas nós temos apenas a humanidade com quem trabalhar. Temos apenas o corpo humano. Nós todos… ou pelo menos a maior parte da raça humana… deveríamos gostar de ter maior poder mental, maior poder de arte, pelo que eu penso que a distância entre a concepção e o poder de execução deveria ser abreviado, e nós deveríamos desejar um tempo maior, se não um tempo indefinido, com o qual continuar aprendendo mais e fazendo mais.

Então fazemos os elfos imortais em uma lógica. Eu tive que usar imortal, mas não quis dizer que eles eram eternamente imortais, simplesmente que eles possuem vida muito longa e sua longevidade provavelmente dura enquanto durar a habitabilidade da Terra.

Os anões, é claro, são bem óbvios, você não poderia dizer que de várias formas eles lembram os judeus? Suas palavras são semitas obviamente, construídas para serem semitas.

Hobbits são apenas ingleses rústicos, feitas de baixa estatura porque isso reflete (no geral) o pequeno alcance de sua imaginação – não o pequeno alcance de sua coragem ou poder latente.

D. Gerrolt: Isto parece ser uma das grandes forças do livro, esta conglomeração enorme de nomes – alguém não se perde, pelo menos não depois da primeira leitura, depois a segunda leitura do livro.


J.R.R. Tolkien:
Fico muito contente que você me diga isso, porque eu fiquei muito preocupado. Além disso, me dá grande prazer, um bom nome. Eu sempre, na escrita, comecei com um nome; me dê um nome e isso produz uma história, e não o contrário, como é feito normalmente.


D. Gerrolt:
Dos idiomas que você conhece qual foi de maior ajuda para você na criação de O Senhor dos Anéis?


J.R.R. Tolkien:
Oh… sim… obviamente as línguas modernas, eu deveria dizer que o Galês sempre me atraiu. Por seu estilo e som mais que qualquer outra, mesmo apesar de tê-lo visto pela primeira vez em vagões de carvão, eu sempre quis saber sobre o que era.


D. Gerrolt:
Parece a mim que obviamente a melodia do galês aparece nomes que você escolheu para montanhas e para lugares em geral. Você reconhece isso?

J.R.R. Tolkien: Muito. Contudo uma mais rara, mas bem forte influência sobre mim foi o finlandês.

D. Gerrolt: O livro é para ser considerado como uma alegoria?


J.R.R. Tolkien:
Não. Eu não gosto de alegoria, não importa quando eu a percebo.


D. Gerrolt:
Você considera o declínio do mundo como o declínio da Terceira Era em seu livro? E você vê uma Quarta Era para o mundo no momento, nosso mundo?


J.R.R. Tolkien:
Na minha idade, eu sou exatamente o tipo de pessoa que viveu dentro de um dos mais rápidos períodos de mudança conhecidos na história. Certamente nunca houve em setenta anos tanta mudança.


D. Gerrolt:
Há uma característica outonal ao longo do todo de O Senhor dos Anéis, em um caso um personagem diz que “a história continua, mas eu pareço ter perdido o rumo dela…” porém, tudo está enfraquecendo, empalidecendo, pelo menos em direção ao fim da Terceira Era. Toda escolha tende à violação de alguma tradição. Agora isso me parece ser um pouco como a citação de Tenysson “a velha ordem muda, dá lugar a uma nova, e Deus se realiza de muitas maneiras”. Onde está Deus em O Senhor dos Anéis?


J.R.R. Tolkien:
Ele é mencionado uma vez ou duas.


D. Gerrolt:
Ele é o Único?


J.R.R. Tolkien:
O Único… sim.


D. Gerrolt:
Você é de fato um teísta?


J.R.R. Tolkien:
Oh, eu sou um católico romano! Um devoto católico romano.


D. Gerrolt:
Você deseja ser lembrado principalmente por suas escritas em filologia e outros assuntos ou por O Senhor dos Anéis e O Hobbit?


J.R.R. Tolkien:
Eu não deveria pensar que havia muita escolha no assunto – se eu sou lembrado de alguma maneira, será pelo O Senhor dos Anéis, eu aceito isso. Não será especialmente como o caso de Longfellow? As pessoas lembram que Longfellow escreveu Hiawatha, esquecem totalmente que ele foi um Professor de Línguas Modernas!

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