Até mesmo as pesadas botas de Anão faziam pouco barulho na macia grama dos jardins de Ithilien. Um trabalho primoroso em pedra, planta e flor – assim Elfos e Anões haviam transformado a cidade das Estrelas ao longo dos anos. Gimli, filho de Glóin, tivera papel importante nisso e, agora que a idade lhe deixara grisalhos cabelo e barba, passara a orgulhar-se de tal fato tanto, ou até mais do que de seus feitos na Guerra do Anel.
Caminhando pelos jardins à procura de seu amigo Elfo, ele observava tudo com olhos de mestre construtor. Faltava, talvez, uma boa trilha de cascalho ou seixos naquele gramado extenso. Sim, deveria falar com Legolas sobre isso.
E lá estava ele, sentado à sombra de uma faia.
O mesmo belo rosto, nenhum fio grisalho em sua brilhante cabeleira. Em Legolas os anos não deixavam marcas. Ele trocara as roupas simples de um elfo-viajante que costumava usar nos tempos da Demanda do Anel por trajes mais apropriados a um príncipe, mas, de resto, nada nele mudara. Entretanto… Gimli franziu o cenho, intrigado. Havia algo errado. Que expressão sombria era aquela na face normalmente serena e alegre de seu amigo?
Ele já vira aquela expressão em Lord Elrond e… sim, também nela, a Lady que jamais saía de seus pensamentos.
Mas não em Legolas. Nunca, nem mesmo nos piores momentos da Guerra, quando tudo parecia perdido. Tristeza, sofrimento, preocupação, talvez, mas aquilo, não.
Era uma espécie de cansaço que parecia vir de tempos imemoriais, como se o peso de muitos séculos de repente desabasse sobre seus ombros. Mas… quantos anos teria Legolas? Gimli acostumara-se a encará-lo e a tratá-lo como a um jovem, pois ele parecia jovem e, embora tivesse a sabedoria e o conhecimento dos elfos, também era alegre e brincalhão – e, às vezes muito irritante – como um jovem. A verdade, porém, é que não tinha a menor idéia de sua idade.
O elfo sentiu a presença do amigo e sorriu. A sombra foi varrida de seu semblante e ele alegrou-se.
– Elen síla lúmenn omentielvo, meu amigo.
– Com efeito, ela brilha, mas num céu raiado de nuvens, me parece. – respondeu o anão. – O que há com você? Mais um pouco e eu o teria surpreendido. Onde estão os seus aguçados sentidos de elfo?
– Estava distraído. – Legolas pôs-se de pé e espreguiçou-se. – Muitas coisas em que pensar. Até os elfos se distraem às vezes, sabe?
– Teve pensamentos terríveis, a julgar pela sua cara. Vamos lá, passei tempo o bastante engolindo suas esquisitices élficas para saber que algo está errado só de olhar para você. Diga logo o que há.
O elfo ficou calado por um momento. Depois, deu um suspiro resignado e disse:
– Acho que já é mesmo hora de dizer-lhe. Lembra-se do aviso que Lady Galadriel me deu sobre as gaivotas?
– Lembro-me, claro. – os olhos de Gimli se enevoaram. Como esquecer o quer que fosse que se referisse à Lady da Floresta Dourada? Levou a mão ao peito. Num bolso interno de sua camisa, dentro de um saquinho de fino tecido dourado, estava a mecha de cabelo que Galadriel lhe dera. Muitas vezes pensara em fazer um estojo de ouro ou mithril para guardá-la em casa, mas não conseguia separar-se dos preciosos fios dourados.
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E lá estava ele, sentado à sombra de uma faia.
O mesmo belo rosto, nenhum fio grisalho em sua brilhante cabeleira. Em Legolas os anos não deixavam marcas. Ele trocara as roupas simples de um elfo-viajante que costumava usar nos tempos da Demanda do Anel por trajes mais apropriados a um príncipe, mas, de resto, nada nele mudara. Entretanto… Gimli franziu o cenho, intrigado. Havia algo errado. Que expressão sombria era aquela na face normalmente serena e alegre de seu amigo?
Ele já vira aquela expressão em Lord Elrond e… sim, também nela, a Lady que jamais saía de seus pensamentos.
Mas não em Legolas. Nunca, nem mesmo nos piores momentos da Guerra, quando tudo parecia perdido. Tristeza, sofrimento, preocupação, talvez, mas aquilo, não.
Era uma espécie de cansaço que parecia vir de tempos imemoriais, como se o peso de muitos séculos de repente desabasse sobre seus ombros. Mas… quantos anos teria Legolas? Gimli acostumara-se a encará-lo e a tratá-lo como a um jovem, pois ele parecia jovem e, embora tivesse a sabedoria e o conhecimento dos elfos, também era alegre e brincalhão – e, às vezes muito irritante – como um jovem. A verdade, porém, é que não tinha a menor idéia de sua idade.
O elfo sentiu a presença do amigo e sorriu. A sombra foi varrida de seu semblante e ele alegrou-se.
– Elen síla lúmenn omentielvo, meu amigo.
– Com efeito, ela brilha, mas num céu raiado de nuvens, me parece. – respondeu o anão. – O que há com você? Mais um pouco e eu o teria surpreendido. Onde estão os seus aguçados sentidos de elfo?
– Estava distraído. – Legolas pôs-se de pé e espreguiçou-se. – Muitas coisas em que pensar. Até os elfos se distraem às vezes, sabe?
– Teve pensamentos terríveis, a julgar pela sua cara. Vamos lá, passei tempo o bastante engolindo suas esquisitices élficas para saber que algo está errado só de olhar para você. Diga logo o que há.
O elfo ficou calado por um momento. Depois, deu um suspiro resignado e disse:
– Acho que já é mesmo hora de dizer-lhe. Lembra-se do aviso que Lady Galadriel me deu sobre as gaivotas?
– Lembro-me, claro. – os olhos de Gimli se enevoaram. Como esquecer o quer que fosse que se referisse à Lady da Floresta Dourada? Levou a mão ao peito. Num bolso interno de sua camisa, dentro de um saquinho de fino tecido dourado, estava a mecha de cabelo que Galadriel lhe dera. Muitas vezes pensara em fazer um estojo de ouro ou mithril para guardá-la em casa, mas não conseguia separar-se dos preciosos fios dourados.
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– (…)"Se na praia gaivotas gritarem por ti / Descanso jamais acharás por aqui", ela disse. – a voz clara do amigo despertou o anão de seu devaneio. – E, de fato, desde que as ouvi, nunca mais tive paz. Amo a Terra Média, amo Ithilien, que ajudei a reconstruir, e tenho sido feliz aqui, mas o chamado das gaivotas ecoa em meus ouvidos o tempo todo. E a cada dia soa mais alto, mais insistente.
Foi a vez de Gimli suspirar. Disfarçando mal a tristeza, ele perguntou, bruscamente.
– Você vai partir, é isso?
– Meu tempo está se esgotando, Gimli. Meu corpo está se tornando um fardo que, às vezes, pesa tanto que mal consigo respirar. Meu coração anseia pelo Mar, pelo Oeste. A Sociedade do Anel se desfez, o Rei Elessar se foi. Minha missão está cumprida.
"Vi Gandalf, Frodo e Sam partirem. Estive à cabeceira de Merry e Pippin quando morreram. E também ao lado da Rainha Arwen, quando ela deu o seu triste adeus ao Rei Elessar. Estou cansado de ficar para trás, Gimli."
O anão suspirou novamente.
– Entendo o que diz, Legolas, mas e quanto a mim? O que será de Gimli, filho de Glóin, o último dos Companheiros do Anel? Você deu a Merry, Pippin, e a Aragorn um último conforto no fim de suas vidas. E a mim, vai negar isso? Se você partir, quem estará ao meu lado quando a minha hora chegar?
Legolas ajoelhou-se para poder encarar o amigo de frente, e pôs a mão em seu ombro.
– Peço-lhe este sacrifício, meu amigo, você que é forte e duro como pedra e nobre de coração. – a bela voz falhou. – Deixe-me partir sem mágoa, Gimli. Imploro-lhe, pois sinto que o tempo urge e, em breve, o caminho para o Oeste se fechará. Se isto acontecer, estarei condenado a viver em tormento, até que a dor e o sofrer levem minha alma, pois é este o destino dos elfos que recebem o chamado e não o atendem.
Houve um momento de silêncio. Gimli apanhou uma pedrinha no chão e ficou a rodá-la entre os dedos. Não queria ser causa de sofrimento para o amigo, mas relutava em ceder. Então, uma idéia veio-lhe à mente.
– Leve-me com você! – exclamou.
O elfo arregalou os olhos, surpreso.
– Levá-lo? Sabe o que está dizendo, meu caro anão? Aqueles que forem para o Oeste agora, não voltarão jamais à Terra Média. Nem sei se deixariam você entrar nas Terras Imortais, e, mesmo se deixassem, você poderia ser feliz longe de seu lar, seu povo, de tudo o que lhe é familiar?
– Não me importa. Todos os que me eram mais caros já se foram: meu pai, Balin, nossos amigos da Sociedade do Anel. Além disso, ela está lá, não é?
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Legolas sorriu, compreendendo, afinal.
– Sim, Lady Galadriel está lá.
Foi a vez de Gimli suspirar. Disfarçando mal a tristeza, ele perguntou, bruscamente.
– Você vai partir, é isso?
– Meu tempo está se esgotando, Gimli. Meu corpo está se tornando um fardo que, às vezes, pesa tanto que mal consigo respirar. Meu coração anseia pelo Mar, pelo Oeste. A Sociedade do Anel se desfez, o Rei Elessar se foi. Minha missão está cumprida.
"Vi Gandalf, Frodo e Sam partirem. Estive à cabeceira de Merry e Pippin quando morreram. E também ao lado da Rainha Arwen, quando ela deu o seu triste adeus ao Rei Elessar. Estou cansado de ficar para trás, Gimli."
O anão suspirou novamente.
– Entendo o que diz, Legolas, mas e quanto a mim? O que será de Gimli, filho de Glóin, o último dos Companheiros do Anel? Você deu a Merry, Pippin, e a Aragorn um último conforto no fim de suas vidas. E a mim, vai negar isso? Se você partir, quem estará ao meu lado quando a minha hora chegar?
Legolas ajoelhou-se para poder encarar o amigo de frente, e pôs a mão em seu ombro.
– Peço-lhe este sacrifício, meu amigo, você que é forte e duro como pedra e nobre de coração. – a bela voz falhou. – Deixe-me partir sem mágoa, Gimli. Imploro-lhe, pois sinto que o tempo urge e, em breve, o caminho para o Oeste se fechará. Se isto acontecer, estarei condenado a viver em tormento, até que a dor e o sofrer levem minha alma, pois é este o destino dos elfos que recebem o chamado e não o atendem.
Houve um momento de silêncio. Gimli apanhou uma pedrinha no chão e ficou a rodá-la entre os dedos. Não queria ser causa de sofrimento para o amigo, mas relutava em ceder. Então, uma idéia veio-lhe à mente.
– Leve-me com você! – exclamou.
O elfo arregalou os olhos, surpreso.
– Levá-lo? Sabe o que está dizendo, meu caro anão? Aqueles que forem para o Oeste agora, não voltarão jamais à Terra Média. Nem sei se deixariam você entrar nas Terras Imortais, e, mesmo se deixassem, você poderia ser feliz longe de seu lar, seu povo, de tudo o que lhe é familiar?
– Não me importa. Todos os que me eram mais caros já se foram: meu pai, Balin, nossos amigos da Sociedade do Anel. Além disso, ela está lá, não é?
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Legolas sorriu, compreendendo, afinal.
– Sim, Lady Galadriel está lá.
– Então, o que mais posso querer? Eu sempre disse que daria a vida por uma chance de vê-la novamente, nem que fosse por um momento! Leve-me com você, Legolas. Se não me deixarem entrar, atiro-me ao mar sem uma palavra de queixa, prometo. Mesmo isso será melhor do que morrer só e desgostoso, sem vislumbre
de um rosto amigo.
Uma brisa suave começou a soprar de repente, trazendo um doce perfume de elanor, e o canto de pássaros que não existiam naquelas terras. O elfo inclinou-se ligeiramente, como se ouvisse algo mais. Seu belo rosto iluminou-se.
– Sim, Gimli, filho de Glóin, iremos juntos para o Oeste, e você não precisará atirar-se ao mar, pois diz o meu coração que lá, terá boa acolhida. Sua lealdade e nobreza não foram esquecidas pela Lady.
Ao ouvir tais palavras, os olhos de Gimli encheram-se de alegria e, esquecido da idade avançada, ele pôs-se a pular e dançar.
– Então, o que estamos esperando, meu caro elfo? Vamos, vamos já para o Oeste!
Assim, naquele mesmo dia, Legolas iniciou a construção de um pequeno barco, pois os Portos Cinzentos há muito tinham sido abandonados, e não restava mais navio nem marinheiro que os conduzisse para as Terras Imortais. Apesar de não conhecer o mar, Legolas, um Elfo da Floresta, sabia trabalhar bem a madeira e, pesquisando aqui e ali, entre elfos e humanos, acabou conseguindo construir uma bela embarcação, pequena, porém forte e fácil de manobrar.
Partiram na alvorada do primeiro dia do último mês do ano de 1541, O Elfo Legolas, filho de Thranduil, príncipe que jamais seria rei, e o Anão Gimli, filho de Glóin, o Amigo-dos-Elfos. Se alcançaram o Reino Bendito, ou se o Mar, na fúria de uma tempestade, acabou por tomar suas vidas, ninguém sabe. Mas a glória de seus feitos nunca foi esquecida, e, se alguém houvesse presenciado sua partida, teria visto uma alegria sem par em seus semblantes, e uma suave luz branca que cintilava, protetora, sobre suas cabeças…
de um rosto amigo.
Uma brisa suave começou a soprar de repente, trazendo um doce perfume de elanor, e o canto de pássaros que não existiam naquelas terras. O elfo inclinou-se ligeiramente, como se ouvisse algo mais. Seu belo rosto iluminou-se.
– Sim, Gimli, filho de Glóin, iremos juntos para o Oeste, e você não precisará atirar-se ao mar, pois diz o meu coração que lá, terá boa acolhida. Sua lealdade e nobreza não foram esquecidas pela Lady.
Ao ouvir tais palavras, os olhos de Gimli encheram-se de alegria e, esquecido da idade avançada, ele pôs-se a pular e dançar.
– Então, o que estamos esperando, meu caro elfo? Vamos, vamos já para o Oeste!
Assim, naquele mesmo dia, Legolas iniciou a construção de um pequeno barco, pois os Portos Cinzentos há muito tinham sido abandonados, e não restava mais navio nem marinheiro que os conduzisse para as Terras Imortais. Apesar de não conhecer o mar, Legolas, um Elfo da Floresta, sabia trabalhar bem a madeira e, pesquisando aqui e ali, entre elfos e humanos, acabou conseguindo construir uma bela embarcação, pequena, porém forte e fácil de manobrar.
Partiram na alvorada do primeiro dia do último mês do ano de 1541, O Elfo Legolas, filho de Thranduil, príncipe que jamais seria rei, e o Anão Gimli, filho de Glóin, o Amigo-dos-Elfos. Se alcançaram o Reino Bendito, ou se o Mar, na fúria de uma tempestade, acabou por tomar suas vidas, ninguém sabe. Mas a glória de seus feitos nunca foi esquecida, e, se alguém houvesse presenciado sua partida, teria visto uma alegria sem par em seus semblantes, e uma suave luz branca que cintilava, protetora, sobre suas cabeças…