Like a Bird – Parte 14

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Escrito por Fábio Bettega

-Nós…partiremos em breve, então?- perguntou a voz austera, com um tom de indiferença

-No mais tardar, alguns dias, semanas. O tempo urge, e nós…nós não podemos esperar mais, você sabe.- respondeu o velho Istar, vagarosamente

 

-Crê que eles esperam que façamos isso?- o rei se inquietou, mexendo-se em sua cadeira.

-Creio que eles sabem que iremos sair daqui cedo ou tarde. Vai seguir o conselho de Miyoru?

-Deixar uma boa guarda em Minas Tirith, você diz? Sim.- ele olhava para o céu -As estrelas de Elbereth brilham muito essa noite…

-Você tem medo de deixar a Senhora Arwen desprotegida?

Eu não a tirei da segurança de Valfenda para permitir que ela morra num ataque à cidade.- ele suspirou, voltando-se para o sábio.

-Como quiser…- O mago se levantou, silenciosamente o único farfalhar de suas roupas e capa se movendo -Eu vou me preparar.- e saiu, lentamente, deslizando por entre os salões de pedra, deixando o rei sozinho.

"Gondor…" ele pensou, olhando as grandes figuras esculpidas nas paredes "Quanto pesam suas pedras sobre meus ombros? Eu me preparei tanto…e eu lutei tanto… e agora tudo parece confuso. Como se as paredes estivessem se fechando á minha volta… e agora… e agora?" ele andava por entre os altos pilares, imponentes como a própria cidade branca.

"Quanta guerra se estende a minha frente? Quantas eu deixei para trás… mas agora uma garra aperta meu coração sem gentileza, mais fria do que o aço… os as paredes de pedra de meu palácio…" ele ergueu a cabeça, olhando a sua volta. Então, virando-se novamente de costas, para a sacada onde antes conversava com Gandalf. "Mas a noite está tão clara… e dentro de mim jaz uma tuda em escuridão… estou desesperado e angustiado, e nem consigo saber o porque…"

Passos foram ouvidos reverbecendo pelo salão. Suaves, mas na quietude em que tudo estava, mesmo uma folha pousando no chão faria um estrondo ensurdecedor. Tão leves, e lentos…

-Aragorn-sama?- a voz doce , entrelaçando infantilidade e inocência com feminilidade e sabedoria.

Sequer precisava-se do sufixo para saber quem o chamava.

-Sim, Miyoru?- ele se voltou, tentando sorrir – Não consegue dormir?

-É.. e você está preocupado.- ela respondeu, aproximando-se

-É tão óbvio assim?- ele perguntou, desanuviando a tensão de seu rosto.

-Definitivamente. Estava tão imerso em seus pensamentos que eu me senti tentada a te assustar.- ela deu de ombros, e então sorriu – Mas você pôde me ouvir.

-Minha cara, eu ouviria até um elfo nesses salões.

-Eu imagino…- ela olhou a sua volta. Era uma sala assustadora, de certa forma. Tão austera e forte, parecendo impenetrável e intimidadora , com colunas altas e esculpidas em pedra.

Ele observou, calmamente, ela admirar as frias paredes do grande salão. Ele se perguntava se ela se sentia de certa forma tão intimidada com aquela grandeza quanto ele se sentira, uma vez, muito tempo atrás….

-É, tão bonito…- ela comentou, num tom misto de solenidade e admiração infantil. Lembrava muito o jeito com que ela falava com ele próprio.

-É sim.- ele suspirou -Mas existem coisas mais bonitas.

-É? Não acho… sabe, essas paredes, esse palácio, digo, a cidade toda… combina com você, de uma forma que eu não consigo explicar. Achei isso desde que vi Minas Tirith pela primeira vez.

Ele riu, tranquilo – São palavras deliberadamente vagas para uma menina tão decidida, Miyoru.-

-É impossível se ser decidido com o que se sente, e quase não se consegue explicar, ou entender.

-Uma afirmação devastadora, filha de minha alma, mas certeira. Você parece uma elfa falando.

-Nunca peça conselhos aos elfos, porque eles dirão sim e não ao mesmo tempo. é o que Sam vive dizendo. Na verdade ele parece adorar conselhos e ditados de uma forma geral. Legolas normalmente é direto quando fala comigo.

-É porque ele fala do que ele vê, e não do que sente. Você… o ofendeu no conselho, você sabe.

-Sim, eu sei. Agora eu entendo o quanto fui estúpida, embora naquela hora não. Eu devo ser uma estúpida, uma louca, ou estar fora de mim, para dizer o tipo de coisas que eu disse naquele noite.

-Os elfos… eles sentem mais tristeza que nós, Miyoru, que somos jovens para esse mundo. É difícil para você lembrar, mas Legolas é muito mais velho do que aparenta para você. Embora você aceite isso, não pode compreendê-lo totalmente. Mas o peso sobre os ombros dele é muito, e isso que ele é jovem para sua espécie. E ele, como você, é um paradoxo de juventude e maturidade. Vocês não se compreendem mutuamente.

-Mas nós nos aceitamos, ou pelo menos tentamos. Não gosto que ele me chame de criança, embora saiba que para ele, na verdade, eu mal deveria estar longe de minha mãe. – Aragorn olhou-a pelo canto dos olhos por um momento,e aproveitou a chance

-Como ela era?

-Minha mãe?

-Sim.

-Eu não sei.

-Como?- ele perguntou, virando-se pra ela, estranhando

-Eu sei que é estranho… mas eu não me lembro dela. Eu lembro que eu tinha um irmão, e ele era bem pequeno. Eu lembro que ela era razoavelmente baixinha, mas não me lembro dos detalhes. Eu lembro que ela tinha olhos verdes, mas estes eram muito diferentes dos meus.

-Então puxou-os de seu pai.

-Não. Os dele são de outra cor. Não verdes.

-Sua mãe….

-Ela foi morta quando eu tinha quatro anos. E meu irmão também.- ela respondeu, indiferente, como quem diz daqui há algumas horas o sol vai nascer encostando-se numa pilastra.

-E seu pai?- ele perguntou, observando-a atentamente

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-Eu não sei.

-Quem….?

-Uns amigos da família.

-E como você aprendeu a lutar?

-Um pouco com minha mãe, um pouco com meu pai. Um pouco com essa família que cuidou de mim, com um mestre do homem dessa família, e um pouco com um…unh….digamos que ele era um dêmonio fugido. Mas isso era apenas um modo de tratá-lo.

-Aprendeu muita coisa para pouco tempo….

-Foi necessário.

Ele olhou atentamente para ela. Quatorze anos… nessa idade… nessa idade ele ainda corria pelos corredores de Valfenda achando-se um meio-elfo. E ela estava alí, e era tão adulta como ele, e tão criança como ele mesmo fora
nessa idade.-Miyoru.

-Hai?- ela se virou para ele

-Venha aqui, filha de minha alma.- ele chamou, carinhosamente. Ela acompanhou-o então, até a porta. Ele a abriu, e nesse momento, o sol despontou, de frente para eles -Há muitas coisas belas e imponentes nesse mundo, minha criança, e essas exigem de nós uma preocupação constante. Mas há muitas coisas…. – ele a trouxe para fora, fazendo-a olhar o sol batendo na neve da montanha, e refletindo no branco da cidade, fazendo-a parecer dourada – Há coisas que apenas estão aí, e são belas e puras, e simples, e vale a pena lutar por elas. Mas elas não gostariam que nós nos perdêssemos em seu nome..

Ela olhou a volta, lentamente, banhada pelo sol e o vento frio da manhã. Então voltou-se par ao castelo

 – Eu…compreendo, Aragorn-sama.- e sorriu -Seguirei o seu conselho.

Ele sorriu de volta para ela, e começaram a entrar. Ela foi na frente, alegremente.

-A propósito….- ela se virou para ele, antes de desaparecer entre os corredores – Minhas coisas já estão prontas para partirmos, Aragorn-sama.- e se foi.

Ele ficou olhando ela ir, calmamente, até que uma outra voz ressonou, suave e quase cantada, perto dele – Não deveria se preocupar tanto, Elessar….- e sorriu, um sorriso que acalmava sua alma como uma tábua de salvação na tempestade.

-Arwen, eu…

-Sh…- ela sorriu -Você fará o que é certo, e eu, eu estarei com você.- e sorriu docemente.

-Assim espero, minha Senhora…

-Conversava com Miyoru?- ela perguntou, quando eles se dirigiam para seus aposentos

-Sim. Por incrível que pareça, ela contou-me coisas dessa vez, ao invés de desconversar o assunto.

-Mas você parece estar achando algo de errado nisso.

-Não… não errado, mas… eu sinto que se tem… muito mais para se saber, além do que ela me disse. Tem alguma mácula nela, invísivel em seu corpo ou em seu sangue.

-Não é uma mácula… apenas uma tristeza muito grande para uma criança tão pequena.

-Eu gostaria de curá-la.

-Você não tem esse poder, Elessar. Outro o retém.

-Isso é o que me perturba…. vanimelda…- ele acariciou os negros cabelos dela – Acha que…

-Não sei, Aragorn. Não tenho as habilidades da Senhora da Floresta Dourada, minha avó. Apenas posso dizer que…. que ela saberá como sair ilesa disso tudo. De qualquer forma, ela parece ser muito eficiente nisso.

-Mas ela é só uma criança.

-Sim. Ela é só uma criança.

O silêncio do quarto parecia quase funesto sobre ele, como se ele estivesse encurralado numa caverna escura, perdido e….totalmente só. Já amanhecia, e a aurora só parecia mais gelada e triste, e vermelha, para ele. Como um espinho em seu peito, afundando mais e mais. Uma mão apertando-lhe a garganta e sufocando-o lenta e passivamente, uma pressão sobre-humano sobre seus ouvidos, esmagando sua cabeça de forma dolorosa e sem pressa.

"Por que ela não veio?" ele se levantou, irritado, e começou a se vestir. Iria treinar, isso seria realmente algo útil a se fazer. Evitaria de pensar nela. Então ele pegou suas flechas e foi para os jardins, tentar distrair-se com seu arco, mas quem em Arda disse que aquilo seria possível?

"Por que afinal ela se zangou? Eu só quero protegê-la, eu a quero perto de mim para que eu possa fazê-lo! Como poderei protegê-la se ela insiste em se enfiar no covil dos lobos de Morgoth, hã?" uma flecha cortou o ar, indo parar num lugar bem distante do alvo inicial. "Ótimo! Muito bom, Legolas! Atire assim numa guerra e terá tanta utilidade quanto um arco frouxo."

Ele limpou o suor da testa. Estivera treinando por um bom tempo, e arduamente, embora sem a mínima concentração. Ele estava tentando um tiro melhor, quando uma voz o distraiu – Sabe, treinar assim não adianta nada.

Ele olhou para o céu, para outra flecha perdida – Aragorn, você esperar eu atirar a flecha foi um golpe sujo.- ele disse, parecendo exausto.

-Eu sei. Mas sua mente está cansada e seu coração está confuso. Nunca conseguirá nada com treino algum dessa forma.

-Arf!- ele largou os braços – Eu não consigo parar de pensar nela.

-Eu sei. Vamos partir logo, Legolas.

Ele olhou para Aragorn e perguntou, hesitante e temeroso da resposta – Ela virá conosco…não, não virá?

-Ela virá, Legolas. Por enquanto.-

-Como?

Ele andou até o elfo, com muita calma, e colocou a mão em seu ombro – Legolas, ela é uma criança linda, e uma companhia agradabilíssima, e que nos faz esquecer os problemas do mundo. Mas ela irá nos deixar um dia, Legolas, você sabe.-

-Não….- ele negou, depois de um tempo – Não, ela quer ficar conosco. Aragorn, ela nos adora. Ela te ama, como todos que te conhecem.

-Legolas, ela vai crescer.- ele disse, apaziguador – E quem sabe? Não nos cabe prever o futuro, apenas cuidar do presente. Agora vá, você e eu temos mais o que fazer além de ficar aqui conversando.

-Sim…- ele assentiu, lentamente. Ficou olhando e pensando no que Aragorn tinha dito; Miyoru iria crescer, casar, ter filhos… e ele?- Aragorn?- ele perguntou, mas o rei já tinha ido. Então ele sacudiu a cabeça, tentando espantar a desolação, e foi para o castelo arrumar suas coisas também.

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