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A Busca dos Haradrin – Primeira parte

O sol se escondia atrás das dunas de areias amareladas. Pelo menos Zakee al-Harbee assim imaginava, pois há muito tempo ele não conseguia ver direito o sol na terra de Harad. Foi assim desde que as tropas negras começaram a rumar para o norte. E pensar que aquela terra fora conhecida exatamente por seu pôr-do-sol.
 

Zakee era vigia da torre da Quarta Cidade, ou o que restara dela, pois aquilo era um posto de vigia transformado em sede do Quarto Reino, depois que a capital fora destruída. A Quarta Família real havia resistido às palavras ditas pelo Escuro. Mas de que adiantaria apenas uma das famílias resistir, se todas as outras se deixaram enganar pelo poder sombrio? A Quarta, acuada teve que lutar sozinha, sendo massacrada pelas forças negras. Com seu rei morto, sem herdeiros e com seus tesouros perdidos, seus habitantes e os que sobraram da guarda real tiveram que se refugiar ali, naquele antigo posto, e esperar o derradeiro golpe de seus inimigos. Mas ele milagrosamente não veio. E os sobreviventes viram as tropas negras marcharem apressadas p/ o norte. Agora a sombra pairava sobre a cidade. Até ali aquele tinha sido um turno calmo e Zakee ansiava que alguém viesse logo tomar seu lugar na torre. Foi quando ele viu um homem correndo � cavalo vindo em direção ao portão. Ele desmontou apressadamente e correu esbaforido ate o pé da torre em que Zakee estava.

– M.. u…ak – tentou dizer o homem sem fôlego.

– Fale direito, homem! – gritou Zakee

– MÛMAK!!! – bradou o homem surpreendendo Zakee, que por um tempo ficou parado sem ação, mas depois falou: – Quanto tempo até chegar aqui?

– Uma hora, duas no máximo – finalizou o homem meneando negativamente a cabeça, ainda recuperando o fôlego.

Zakee fez sinal para abrirem o portão enquanto tocava sua corneta de marfim. Três toques longos e toda cidadela começou a se mexer. Quando de tratava de mûmakils em debandada era preciso agir rápido, ou a cidade poderia acabar debaixo das patas dos animais. Rapidamente os homens foram para fora da cidade e se puseram a puxar cordas e a mover alavancas e roldanas. Zakee agora podia ver uma sombra se movimentando no horizonte, aproximando-se da cidade. Lentamente pesados e gigantescos alçapões foram erguidos revelando um fosso com quilômetros de profundidade. Zakee pensava em quantos mûmaks haviam perecido naquele fosso. Ele sabia que a história da criação de fossos como aqueles havia se perdido nos Dias Antigos e que eles não mais podiam ser recriados.
A tensão da cidadela aumentava. Pessoas se aglomeravam nos muros da cidadela. A maioria ali nunca havia visto uma debandada de mûmakils, mas Zakee já, e não era uma visão nada bonita. Agora era possível ouvir os gritos dos animais e já e podia sentir o chão tremendo. Para ele, aquilo só iria piorar. Os gritos aumentaram. Só era possível ouvir alguém falando se a pessoa gritasse. As estruturas da torre balançavam. O vigia agora se preocupava se a torre
agüentaria.
Já não se podia ouvir nada além dos sons das patas e dos gritos dos mûmakils. Eles se aproximavam da cidade numa velocidade espantosa. Estavam a menos de três km, dois, dois e meio… A maioria das pessoas que havia se juntado p/ ver o macabro espetáculo fugia agora, aterrorizada. Pareciam não confiar na capacidade dos fossos. Zakee por um instante também duvidou, mas então o primeiro mûmak caiu. As pessoas corriam. Se pudesse ele também iria embora. Não que ele também estivesse com medo, mas não era nada agradável ficar ali…

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Como uma onda, todos os animais começaram a cair no fosso num misto de desespero e medo. Alguns tentavam desviar, mas eram empurrados por outros que vinham logo atrás. O barulho era totalmente ensurdecedor. Gritos de pessoa e de animais em desespero enchiam o ar da cidadela. Com um grito que foi se distanciando cada vez mais na profundidade do fosso, o último mûmak caiu. A cidade por um momento ficou em silêncio. Depois um burburinho de comentários, e lentamente o sons da cidade foram restaurados. Teriam assunto para bem mais que uma semana.
Um homem com um estandarte com um lírio estilizado sobre um fundo azul-escuro se aproximou da torre. Era o guarda que iria render Zakee no turno da noite. Com um rápido cumprimento, Zakee trocou sua bandeira de lírio sobre laranja pela do outro e Zakee se afastou. Enquanto descia a estreita escada da torre, ele notou um homem encapuzado na amurada da cidade. Ele acenava p/ Zakee. Com passos rápidos o vigia desceu a torre e se juntou ao estranho.

– Como você passou pelo portão sem eu ter visto?
– Não entrei no seu turno. – disse o outro tirando o capuz que o encobria e revelando um rosto sorridente, que não combinava muito com seu aspecto duro e cansado. Começaram a andar pela cidadela, primeiro conversando sobre frivolidades, mas dentro de Zakee um comichão de curiosidade o fez perguntar: – E então, Khaalid, como vão as coisas lá no norte?
– Ruins… Muito ruins. Se você quer saber foi uma verdadeira loucura vir para o sul. Aquelas terras estão intransitáveis. Não vou poder voltar para lá até essa confusão toda acabar. – respondeu ele sem perder o ar sorridente.
– Você acha que isso vai acabar bem?
– E porque não acabaria?
– Ora, você não viu todas aquelas tropas e navios corsários? Como alguma coisa pode acabar bem com navios como aqueles andando por aí?
– Você é tão pessimista…
– Gostaria de ter mesma certeza que você, a mesma esperança…
– Acredite, se você visse o que eu vi, não teria esperança alguma. – disse Khaalid rindo do desespero do amigo
– Então, por que você permanece acreditando?
– Sabe, eu tenho fé nos homens do norte. Eles já enfrentaram a escuridão uma vez e venceram, por que não poderiam fazê-lo de novo?
– Talvez porque o mal esteja mais forte. – era para ser uma afirmação, mas acabou soando como uma pergunta para Khaalid.
– Bah, besteira! Acredite, o mal se torna muito maior se tivermos medo dele. Os nortistas são corajosos. Vão enfrentar o mal e vencê-lo. Aquela terra é como um tesouro para eles. Eles vão tentar de tudo enquanto houver ar nos pulmões deles.

Zakee olhou para o amigo. Ele olhava sonhador para o horizonte cercado da cidade. Como se a ameaça de que ele acabara de falar não passasse de um mero boato e não uma certeza sombria. Ficaram em silêncio durante um tempo, até que Khaalid o quebrou:
– Aprecio muito sua companhia meu amigo, mas infelizmente eu preciso resolver uns assuntos. – disse ele com sua voz límpida. – Você sabe coisa de comerciante – concluiu sorrindo.
– Tudo bem, eu vou estar na estalagem. Se quiser me procure.
Os dois se despediram e seguiram em direções opostas, na fria noite do deserto.

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A estalagem ainda não tinha nome. Fora fundada há pouco, um verdadeiro luxo para uma cidade de refugiados. Zakee entrou. Como sempre, estava cheio. Havia algumas mesas e um grande balcão com atarantado homem atrás, que se dividia entre as funções de estalajadeiro, garçom e apartador de brigas, além de se livrar de desagradáveis bêbados. Dava pena. Com discrição, Zakee pegou sua bebida e foi para um dos cantos escuros da estalagem. Não queria chamar atenção, afinal era um guarda da cidadela. Havia um homem grande fazendo arruaça. Perturbava um menino franzino, que parecia não ligar para as provocações, e isso deixava o grandão extremamente irritado. Farto de ser ignorado, o Grandão pegou o menino pelo pescoço e espremeu-o contra a parede. Várias pessoas se afastaram com medo. O estalajadeiro não tinha coragem de se intrometer. O grandão estava enforcando o menino. Este esperneava como um louco. Havia puxado dois pequenos punhais, mas o outro se livrou destes com um gesto apenas. Ninguém queria se meter. Na estalagem reinava um silêncio macabro que só era quebrado pelos guturais pedidos de socorro do jovem.

Zakee sentiu algo queimar dentro dele. Tinha que fazer alguma coisa, afinal ele era guarda da cidade. Mas não foi só isso que o impeliu a brandir sua espada curva e a caminhar na direção dos dois. Aquilo não era o certo. Era injusto, e seu senso de justiça estava tão enterrado em seu cerne, que mesmo que quisesse, não teria forças para impedir suas mãos de lançar sua espada na direção do atacante. O Grandão se surpreendeu quando aquele homenzinho surgido do nada o golpeou. Ele poderia ter decepado seu braço, se não fossem seus reflexos rápidos. Com o susto largou o pobre garoto que caiu tossindo no chão. Mas um pouco e ele não teria mais pescoço…

Zakee se virou para atacar novamente. O Grandão era rápido e somente essa pequena surpresa o havia impedido de decepar-lhe o braço. Mas ele não subestimaria novamente seu adversário. Ele reparou que o homem estava desarmado. Não podia lutar contra um homem de mãos limpas. Então ele viu o garoto ainda segurando o pescoço machucado. Poderia considerar aquelas mãos como armas? A resposta veio em ações, pois com um giro rápido o Grandão pegou Zakee pela cintura, apertando o abdome de Zakee, que quase arqueou com a dor, mas então lembrou-se que ainda empunhava sua espada, e dessa vez ele não errou: cortou os dedos médio e indicador da mão esquerda do atacante, que o largou gritando.

– Desgraçado!!! Você me paga!!! Isso não vai ficar assim!!! – e foi embora acalentando a mão ferida.
– Sujeitinho sem imaginação – murmurou Zakee, indo ver como o menino estava. Ele tossia ainda e ainda não conseguia falar. Pouco a pouco a estalagem foi voltando ao normal. Fora da estalagem o jovem ainda agradecia Zakee:
– Obrigado! Agora tenho uma dívida de vida para com você. E insisto: o que posso fazer para pagá-la? – a voz do menino ainda estava esganiçada
Zakee achava graça nos modos do garoto. Já tinha dito várias vezes a ele que não devia nada, mas ele insistia em lhe pagar a dívida de vida.
-Está certo amanhã à tarde passe na torre de vigia principal. Vou estar te esperando com uma missão.

O garoto se deu por satisfeito com essa resposta e foi embora. Na verdade Zakee não tinha uma missão, mas pensaria em algo até lá.

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