Sinopse: Legolas e Faramir passaram muitos anos juntos dentro das fronteiras de Ithilien. Como eles vieram a dividir o poder? Legolas, Faramir, e um pouco de Aragorn..
Gênero: Drama
Classificação: Livre
Disclaimer: O Senhor dos Anéis pertence a Tolkien. Esta estória foi feita sem interesses comerciais.
Original em Inglês: Chains
"Legolas, venha à frente."
Ele o fez, movendo-se deliberadamente ao centro da caverna escondida nos profundos recessos da Henneth Annun, iluminada apenas pela luz tremulante de tochas. Escuro, úmido, e antigo era como esse lugar parecia ser ao elfo. Ele não gostava de estar abaixo do solo, o peso de incontáveis toneladas de rocha e terra suspensas acima dele, as paredes debruçando-se sobre si, mas ainda assim estava lá. Ele podia ir embora, e sabia disso, mas jamais seria-lhe permitido que retornasse.
"Retire suas roupas."
Ainda demonstrando a confiança exterior que todos os elfos parecem possuir, ele retirou os sapatos, cinto, túnica e malha, e, após uma hesitação quase que imperceptível, as suas roupas de baixo. Ele ficou de pé, exposto, na luz tremulante, ele próprio brilhando levemente, um ser de pureza, radiante, preso na iluminação âmbar. Até mesmo os seus cabelos dourados pareciam rivalizar com as chamas. Dez homens estavam de pé ao seu redor, nenhum falhando em apreciar a visão de uma beleza tão selvagem, apesar de apenas dois deles terem a percepção de ler o crescente desconforto do ser do reino da floresta.
"Ajoelhe-se."
Isso era o mais difícil. Nudez não era algo extraordinário entre os elfos, e não era algo muito difícil para eles tolerarem; até mesmo o morar sob a superfície quando as circunstâncias o ditavam, como dentro do palácio de seu pai, mas se ajoelhar perante estranhos era um gesto íntimo de submissão que não vinha facilmente. Mesmo perante senhor e rei, protocolo ordenava ao suplicante que dobrasse apenas um joelho. Ambos os joelhos diminuía a dignidade e subtraía a força, falava de uma inferioridade e necessidade implícitas. A terra macia do chão da caverna foi de pouco consolo.
Um dos homens veio à frente e sussurrou suavemente ao ouvido do arqueiro élfico: “Você não precisa fazer isso. Os Primogênitos não se submetem a ninguém.”
“E se eu não o fizer? Você pensará que sou um covarde?” As palavras duras falaram de sua ansiedade, pois elfos não são nada senão graciosos. “Eu farei o que for necessário, merecerei o meu lugar como qualquer outro. Ou você acha que isso está além de mim?” A cabeça dourada erguida, os olhos azuis brilhando, desafiando o homem que o negasse.
“Não, é claro que não.” A figura suspirou, correndo uma mão pelos seus cabelos castanhos, tirou algo escuro de seu cinto.
“Você confia em mim, Legolas?” Isso era importante. O ritual dependia disso, não poderia prosseguir sem a confiança incondicional do elfo. “Eu não prosseguirei em face da sua dúvida.”
Legolas fechou os olhos e inclinou sua cabeça brevemente, se em impaciência ou apreensão não estava claro, e então acenou com a cabeça uma vez. “Sim, eu confiei em você do momento em que o vi”.
Com um sorriso gentil, Faramir prosseguiu a colocar a venda, mergulhando o elfo da floresta em uma escuridão ainda maior.
Cinco dias atrás, Legolas estava viajando pela floresta, saltando de galho em galho, rindo com seu escolte, encaminhando-se à recém construída casa do primeiro príncipe de Ithilien. Ele conhecia Faramir apenas de passagem, mas já estava impressionado com a profundidade de seus conhecimentos, a sua perspicácia, a sua força interior e a sua calma compaixão. Poucos homens conseguiam atrair a atenção dos Eldar desta forma; Aragorn, é claro, e um ou dois dos seus guardiões. O príncipe Imrahil era um homem interessante, e havia algo sobre Théoden que fazia alguém olhá-lo novamente, mas Faramir era especial. Talvez fosse a sua criação trágica, a perda de seu irmão, ou do amor de seu pai antes mesmo disso, ou da morte prematura de sua mãe no início da sua infância. Ou talvez simplesmente ter crescido à sombra de Mordor. Tanta dor e perda. Ao invés de tornar-se amargo como faria a muitos, parecia ter temperado a sua alma como a mithril finamente forjado; delicado, e ao mesmo tempo forte. Legolas decidiu que gostaria de conhecer mais dele.
Ele encontrou o rei presente ao chegar, visitando o seu regente, segundo ele, mas todos sabiam que ele estava mesmo era escapando do calor recalcitrante da cidade no meio do verão. Não era por acaso que Ithilien era chamada de Jardim de Gondor. De qualquer forma, Legolas estava feliz em ver ambos os homens; o primeiro, um antigo amigo, o segundo, simplesmente um amigo sobre o qual havia muito que se descobrir.
Quanto mais Legolas observava Faramir, mais ele ficava fascinado por ele. Cabelos negros, olhos cinzentos, o mesmo físico básico que o seu povo ao norte, alto, sem ser musculoso, mas sem também ser magro. Ele puxara ao seu pai, diziam, no intelecto e estudos, e na habilidade de ver dentro do coração de outros. Estranho então que Boromir, que de todas as formas era surpreendentemente diferente de seu pai, ser o preferido. Talvez, como o herdeiro aparente, Denethor pode ter pensado em investir mais de si mesmo no seu primogênito, mas não fazia sentido negligenciar o seu filho caçula completamente. Acidentes não eram incomuns, o ‘sobressalente’ era quase tão provável de chegar ao governo quanto o primeiro na linha de sucessão. E dizia-se que a negligência de Denethor não era apenas em longo prazo, mas ocasionalmente abusiva. Estava claro para Legolas que ele entendia muito pouco dos costumes dos Homens. Para os elfos, todas as crianças eram preciosas.
A noite foi passada agradavelmente, cada um recontando os seus vários papéis na Guerra do Anel, e a conclusão triunfante a qual Faramir quase tão terrivelmente perdera. O Regente estava particularmente interessado no interlúdio da Sociedade entre os elfos. Ele não se cansava de ouvir sobre a Senhora Galadriel, cujo nome não era desconhecido em Minas Tirith, nem a casa de Elrond. Como fora tornar-se adulto no Vale Escondido? Foram os filhos do Peredhil que o ensinaram o uso da espada? Ele realmente conhecia Glorfindel, o matador de Balrogs? Por que Lothlórien era chamada de Floresta Dourada? E sobre os anéis Élficos, agora que o Um anel estava destruído?
Oh, ele havia visto muitos senhores e nobres élficos no casamento de Aragorn, é claro, mas estava tão embasbacado que não conseguira tirar muita vantagem da grande oportunidade que se apresentou naquele momento. Sim, a Senhora da Luz era realmente magnífica (apesar de ele particularmente concordar com Éomer de que a Lady Arwen era mais bela); a sabedoria de Elrond brilhava de sua fronte como um farol, os seus filhos de pé por trás dele como avatares dos Valar; e Celeborn, profundo e misterioso, assistia com seriedade enquanto a sua neta se entregava a um rei mortal. Foi um momento saído de lendas, e profundamente intimidante para alguém que sempre vivera na sombra do seu sempre celebrado irmão.
Mas agora, neste pequeno encontro íntimo da realeza, era a sua oportunidade de descobrir o que a sua reticência tinha-lhe negado antes. Quando ele havia exaurido tudo que acontecera dentro da jornada da Sociedade, ele voltou-se então para a Floresta das Trevas, um reino élfico pouco comentado nestes últimos séculos. A reputação de Thranduil, ambas terrível e grandiosa, era quase como se os homens do Sul não conseguissem decidir se o reverenciavam ou se o temiam. Todos sabiam que cavalgar além dos Campos de Lis era convidar a morte, apesar de que se isso era devido ao rei élfico ou aos vários habitantes de Dol Guldur nunca ficara muito claro.
Legolas levou algum tempo detalhando as maravilhas do seu lar, como os Elfos da Floresta haviam lutado uma guerra incessante contra o mal incansável para manter pelo menos as fronteiras norte limpas e iluminadas, e como o seu pai lutara contra as forças de Mordor, Orientais e Orcs, ao mesmo tempo em que o Senhor do Escuro atacara com malícia ainda maior sobre Rohan e Gondor. Se não fosse pela necessidade de Sauron de lutar contra ambos Lórien e a Floresta das Trevas, era improvável que o mundo dos Homens tivesse sobrevivido, apesar dos maiores esforços do portador do Anel.
Foi no segundo dia, enquanto os amigos estavam jantando tarde e especulando sobre o futuro glorioso que agora se revelava, que o mensageiro chegou. Ele fez uma breve reverência ao rei e ao convidado élfico do seu senhor, e então implorou a Faramir por um momento a sós. Não demorou muito para que anfitrião retornasse.
“Meu Senhor, uma questão surgiu e que requer a minha atenção imediata. Eu estarei fora por alguns dias, mas, por favor, continuem a gozar da minha hospitalidade por quanto tempo desejarem.” Apesar de suas palavras, Faramir parecia estar mais chateado que contrito, levando o rei a perguntar se havia algo que ele pudesse fazer.
“É uma questão de Guardiões, Senhor. Nós geralmente mantemos essas coisa entre nós mesmos.”
Aragorn franziu o cenho. “Eu devo saber o que ocorre em meu reino. E eu sou um guardião, apesar de ser se uma ‘casa” diferente, se assim desejar.”
“Sim, mas o Senhor Legolas não é. Esta é uma coisa para Homens.” Faramir olhou para Legolas como se pedindo perdão enquanto falava, não querendo ofender o seu novo amigo, mas sabendo que os seus próprios seguidores não permitiriam que um forasteiro presenciasse os seus mistérios internos.
Legolas tentou reprimir a repentina decepção e sentimento de rejeição que ele sentiu, e ficou surpreendido pela força dos seus próprios sentimentos. Que importância esse assunto dos guardiões tinha para ele? Ele podia sentir os olhos conhecedores de Aragorn sobre si e resistiu à vontade de fechar a cara para ele. Aragorn tinha visto o interesse do seu velho amigo no filho mais jovem de Denethor e podia dizer que, apesar do desconforto visível de Faramir, o elfo ainda assim se sentiu ignorado. Após passar uma grande parte da sua vida adulta sendo considerado pouco mais que um filhote por sua família adotiva, especialmente seus irmãos, ele não pôde deixar de sentir-se ao menos um pouco convencido. Sim, meu amigo, nós também temos segredos.
Faramir sentiu facilmente a afronta do príncipe. O entristecia pensar que esta situação pudesse agora tornar-se um empecilho entre eles. O Elfo era mais maravilhoso que o jovem pudera imaginar. Muitas horas ele havia passado lendo na biblioteca de seu pai, sonhando com o Belo Povo, em discutir história e folclore da sua própria gente com seres que haviam realmente testemunhado os acontecimentos, mas, agora, aquilo que mal havia começado poderia já estar perdido, e Faramir não sabia como aquecer o repentino gelo que ele sentiu no ar. Relutantemente, ele permitiu que o rei o conduzisse até um canto para conversar. Legolas saiu para checar o seu cavalo, que estava muito bem, mas qualquer desculpa servia.
“Não fique consternado, caro Regente, pois Legolas ainda é jovem entre o seu povo e facilmente sente a dor da exclusão.” Aragorn sorriu com compreensão. “Eu acho que talvez ele deseje conhecê-lo melhor e veja isso como uma barreira, tanto para a sua recém-forjada amizade, como para o desejo de dividir os fardos da liderança com você.”
“Mas o que eu posso fazer? Meus homens se oporiam vigorosamente à presença de um não-iniciado em nossos assuntos. O homem em questão seria humilhado.”
O rei ponderou sobre isso por um momento antes de encarar os olhos cinzentos.
“Você espera permitir ao filho único do Rei Thranduil compartilhar o governo de Ithilien, não espera?” Após a rápida afirmativa de Faramir, ele continuou, “Então seria sensato que você lhe dê acesso a todos os assuntos dentro destas fronteiras. É inevitável que, com o passar do tempo, talvez mais cedo do que você pensa, os assuntos dos homens e os dos elfos se encontrem, e talvez até conflitem.” Aragorn virou a cabeça admoestado-o. “Caberá a vocês dois trabalharem juntos para resolver essas questões.”
“Mas, Senhor,” Faramir começou ansiosamente, “meus homens…”
Com um aceno da sua mão, Aragorn o interrompeu. “Sim, eu sei bem da secritude inflexível dos guardiões! Só há uma coisa a fazer – você terá que iniciá-lo você mesmo.”
Foi algo fortuito o fato do guardião do norte ser maduro nos seus anos ou ele não teria sido capaz de esconder o seu divertimento ao ver a cor quase roxa que se espalhou pelo rosto do regente. Ou era verde? Havia muito tempo desde que os homens de Gondor tiveram que lidar com outras raças senão orcs. Os outros Povos Livres da Terra-média eram fábulas de tempos antigos ou, no máximo, habitantes de lugares distantes, não dispostos a se intrometerem nos assuntos dos homens. Mas como isso havia mudado! O novo rei tinha marchado para dentro da Cidade Branca com um elfo e um anão ao seu lado. Os reinos do Oeste haviam sido salvos por hobbits. Magos e Ents e águias eram assunto comum entre todos os homens. Como então manter divisões entre raças que lutaram e morreram juntas contra a Sombra? Faramir logo viu o absurdo da sua objeção já meio-formada.
E, afinal de contas, os seus homens eram uma casta acima do patrulheiro gondoriano comum. Uma pessoa não se embrenha no mato com uma espada e um escudo, esperando acabar com um inimigo que, de nove entre dez vezes, está em número muito maior que o seu. Guardiões eram guerreiros de tocaia, tendo o arco e a flecha como os seus maiores aliados, juntamente com a capacidade de se confundir com o ambiente com tanta naturalidade quanto um cervo. Eles não tinham reforços, ou estoque de suprimentos, ou uma posição fortificada para defender. Guardiões tinham de ser fortes, espertos e, acima de tudo, inquestionavelmente leais, uns aos outros e ao seu líder.
Estes homens não eram recrutados nas ruas. Muitos dos guardiões de Faramir eram soldados há muito no serviço, ávidos por contribuir com mais; alguns estavam dispostos a sacrificar tudo para vingar a morte de um irmão, ou pai perdido para o Inimigo; e alguns eram filhos sem tanta importância dos nobres, sabendo que não seguiriam os passos de seus pais, mas ainda assim querendo fazer suas vidas valer algo. Homens fortes com mentes flexíveis era o que o filho de Denethor havia atraído para o seu serviço. E era com eles que o futuro de Legolas, o ainda não nascido elfo-guardião, estava para ser decidido.
{mospagebreak}
Dois homens aproximaram-se carregando uma extensão de uma corrente leve. Faramir a pegou em silêncio – na verdade, nenhuma palavra havia sido proferida desde que Legolas falara de sua confiança – e posicionou-se atrás do príncipe. Cuidadosamente, ele levantou os cabelos sedosos, indicando a um terceiro homem que os prendesse frouxamente fora do caminho, e então trouxe o meio da corrente atravessando pela frente do longo e fino pescoço. Cruzando uma vez a nuca, ele a trilhou até o meio das costas do elfo, e então puxou as suas mãos para trás e para cima, amarrando-as na corrente logo abaixo de suas escápulas. Legolas arqueou-se para trás levemente, levantando sua cabeça e suas mãos para tirar a pressão de seu pescoço. Não era tão desconfortável, mas requeria atenção constante para não relaxar e constringir a sua respiração. Faramir enrolou as pontas da corrente nos tornozelos de Legolas, impedindo-o de inclinar-se para frente.
O elfo da floresta achou a escuridão desconcertante. Ele não conseguia ver o que estava por vir, tinha que se esforçar para não se encolher a cada toque inesperado e ante a dureza fria da corrente. Viu-se aguçando os seus ouvidos por pistas, mas os guardiões eram quase silenciosos. Faramir, particularmente, parecia quase indetectável. Normalmente ele conseguia ouvir a respiração de outras raças (anões especialmente!), até mesmo hobbits, silenciosos como eles sabiam ser, mas Faramir, assim como Aragorn, era muito habilidoso para o prover esse tipo de garantia. Legolas pensou brevemente se o homem o estava fazendo de propósito ou se já era simplesmente sua segunda natureza. De qualquer forma, ele sentiu finos traços de suor aparecer no seu lábio superior, ciente de ser o centro das atenções de muitos pares de olhos velados.
Depois de alguns minutos, outros dois homens vieram à frente carregando outra extensão de corrente, mas esta era mais pesada, os elos maiores e menos flexíveis. Faramir a enrolou por sobre o elfo com a ajuda de um outro homem, passando pelo ombro, de volta para cima por entre as pernas, por cima do outro ombro, para baixo através das pernas, apertada o suficiente para tocar, mas não machucar. Então eles retornaram aos seus lugares em silêncio novamente.
Mais uma vez e escuridão o envolveu, fazendo-o se concentrar nas sensações do seu corpo, e não na audiência que ele sabia ainda estar lá. O metal estava esquentando vagarosamente, pressionando os seus ombros, roçando a sua virilha, batendo em seu peito e nas mãos amarradas ao menor movimento. O silêncio era pesado, isolante, fazendo-o perder a noção de tempo e espaço. Cada pequeno desconforto era ampliado, a corrente através do seu torso parecia arrastar-se por sobre ele, o impedindo de se esticar apesar de não ter se encurvado em momento algum enquanto a colocavam. Os seus ombros doíam por manterem suas mãos elevadas, a frente da corrente parecia apertar a sua garganta, apesar de ele saber que na realidade não estava. Quando tempo ele deveria ficar assim? A resistência dos elfos era lendária. Ele podia, se necessário, manter essa posição por toda a noite. Eles o abandonariam? Ele sequer saberia? A idéia de ser deixado amarrado e sozinho nas profundezas da terra brincou com alguns dos medos mais profundos da sua raça.
Faramir observava Legolas da lateral da caverna. Era óbvio para ele que o elfo estava lentamente ficando mais agitado, imaginando coisas que poderiam acontecer ou que não estavam ali, as correntes ficando cada vez mais pesadas do que elas realmente seriam em circunstâncias diversas. Realmente, o peso não era nada para alguém como o elfo, a sua posição forçada sendo apenas estranha, e não dolorosa. Isso viria depois.
Ele olhou brevemente para o homem de pé ao fundo da câmara, mas a sua atenção estava voltada totalmente para o arqueiro, seu amigo. Se em algum momento Faramir falhasse em julgar a situação corretamente, causasse muito dano ao que estava ajoelhado em uma confiança vacilante, o seu rei iria encerrar tudo imediatamente. Elfos eram criaturas estranhas, incrivelmente fortes e resistentes, mas com fraquezas não imaginadas pelos homens. Aragorn era o único com a experiência necessária para supervisionar uma coisa como essa.
Faramir sorriu silenciosamente. Isso iria provavelmente confortar o elfo, saber que o seu melhor amigo estava lá com ele, mas por fim, esse não era o objetivo, era?
Legolas sentiu o início de um medo irracional. Ele não sabia nada sobre esses homens, mesmo Faramir, de quem ele instintivamente gostara, era pouco mais do que uma incógnita. A história entre Homens e Elfos havia sido, na melhor das hipóteses, superficial durante essa última era; muitos tinham razão para desconfiar, e até odiar os Que Chegaram Depois. Alguns haviam feito aliança com um mal indescritível para guerrear contra o seu próprio povo! Onde estava a razão nisso? E aqui ele havia espontaneamente (ou estupidamente?) se colocado à sua mercê. Talvez isso não fosse um rito ao final de tudo; talvez isso fosse apenas um jogo doentio. Talvez Faramir o enganara para participar dessa diversão pervertida e todos os homens eram realmente como o seu pai dissera. Pela primeira vez, Legolas começou a pensar seriamente em resistir enquanto a sua compreensão intelectual da situação desaparecia.
Do outro lado do cômodo, Aragorn viu a sutil mudança na postura de Legolas, e sinalizou a Faramir para continuar. Faramir aquiesceu e deu um passo a frente. Mais homens juntaram-se a ele.
Um clangor pesado veio aos ouvidos de Legolas enquanto ele ouviu um repentino mover de pés e respirações fortes. O que eles estão fazendo? Ele se assustou levemente ao sentir uma mão no seu ombro direito. Ela foi substituída um momento depois por um acolchoado grosso de algum tipo de material macio e aveludado.
“Segure-se,” foi o único aviso que ele recebeu antes que uma pequena extensão da corrente mais grossa que ele jamais imaginara existir ser colocada por sobre seu ombro. Ele supôs ser o tipo de corrente similar à usada para levantar a grade do portão principal de Mina Tirith (antes de Grond o esmagar). Essa corrente não podia ter menos que 40 quilos, fazendo-o grunhir suavemente em surpresa. Felizmente para o seu equilíbrio, ou sua costa, ela foi logo acompanhada por sua gêmea no seu outro ombro. Agora o chão da caverna não parecia mais tão macio aos seus joelhos e os acolchoados não faziam nada para amortecer o primeiro par de correntes agora se enterrando em sua carne. Uma dor genuína logo afastou da sua mente os medos produzidos pela escuridão, para substituí-los por uma vontade incerta de suportar. Ai, mas ele não iria se entregar perante esses homens! Todos eles haviam passado por isso, não haviam? Ajoelhados onde ele estava agora? Ele não iria envergonhar os seus antepassados com uma demonstração de fraqueza. Ele mostraria a eles a fibra dos elfos.
Faramir poderia ter-lhe dito que as correntes usadas nos homens eram consideravelmente menos pesadas, mas ele não o fez.
As novas correntes tentaram levá-lo ao chão, mas aquela através de sua garganta não permitiu. Quando a sua costa curvou-se, a corrente que ia de seus tornozelos ao seu pescoço apertava, forçando-o a ou endireitar-se ou engasgar-se. O sangue correu para sua cabeça quando a corrente cortou ambos o seu ar e a sua circulação, e com a sua costa e os seus ombros gritando em protesto, ele conseguiu erguer-se o suficiente para fazer desaparecer os pontos negros que começaram a se formar por trás da venda. Instintivamente ele tentou libertar as suas mãos para ajudar a suportar o peso adicional, mas conseguiu apenas machucar os seus pulsos. Em um momento, os seus pés deixaram o chão e ele se sentiu tombando para frente sem poder fazer nada, e teve certeza de que ele estava preste a bater com o nariz no nem-um-pouco-macio chão da caverna, quando uma mão na sua testa o empurrou para o seu lugar novamente. Ele não sabia se agradecia ou amaldiçoava o homem.
Faramir observou o elfo lutando com uma crescente preocupação. O destruía por dentro ser o responsável pela figura exausta, trêmula e agonizante à sua frente, e era um dos Primogênitos. Já era difícil o suficiente fazer isso a um homem, mas homens pareciam de alguma forma serem feitos para esse tipo de situação. Elfos estavam acima dessas basicidades, desses testes. Um elfo deveria ser cuidado, protegido, e não esmagado sob quase 100 quilos de aço frio. Mas Legolas havia concordado com isso, havia deixado claro que faria o que quer que fosse para unir-se em parceria completa com o seu vizinho. Então lá ele se ajoelhou, sofrendo, por causa de homens, dos seus homens. Faramir sentiu seu estômago apertar e ficou feliz pelo jantar ter passado há muito. Graças a Deus, havia apenas mais uma corrente.
Legolas finalmente conseguiu encontrar o equilíbrio interior que lhe permitiu suportar a dor, manter-se relativamente parado, e respirar ao mesmo tempo. Não iria durar muito, ele sabia, mas por hora ele estava suportando. Tão concentrado estava no seu próprio estado que ele não ouviu as palavras faladas ao seu ouvido esquerdo. Somente quando Faramir as repetiu, é que ele escutou.
“Legolas.” Faramir falou claramente, com firmeza, como alguém que lê os votos do matrimônio. “Você confia em mim?”
A pergunta que ele havia respondido tão rápida e facilmente quando fora feita há menos de uma hora fez com que o elfo quisesse rir agora, se ele fosse capaz. Confiar? Neste circo demente de torturadores? Ele estava louco? Sim, ele deveria estar para ter concordado com isso. Ele confiava em Faramir? Confiava? Ele não tinha a menor idéia agora.
Faramir esperou com incerteza, convencido de que Legolas iria implorar para ser libertado deste tormento, apenas para torcer silenciosamente que isso não acontecesse. Ele não conhecia o elfo há muito tempo, tendo apenas o encontrado na coroação de Aragorn, no casamento do rei com Arwen e no seu próprio casamento com Éowyn. Mas agora que tudo isso estava acontecendo, é que ele percebeu o quando desejava a amizade de Legolas e a sua confiança. Um elfo! Há nem um ano atrás, eles eram apenas conhecidos em lendas e livros de história, e agora aqui estava um pronto para viver com ele em Ithilien, estabelecer uma colônia desses seres maravilhosos logo aqui, e o que ele estava fazendo? Pedindo a esta criatura etérea que desse um salto de fé enquanto se ajoelhava perante o Regente de Gondor em dor e medo.
Aragorn também esperava, curioso a respeito da resposta pendente de Legolas. No seu lugar, Aragorn teria ordenado que Faramir o soltasse e que depois fosse para o inferno, mas ele também sabia que o filho de Thranduil estava longe de atingir o seu limite. Aragorn não achava que ele desistiria, não na frente de todos esses homens. Ainda assim, como qualquer líder aprende, não é o corpo que primeiro sucumbe, mas a mente.
Legolas desejava ver, precisava olhar dentro dos olhos de Faramir para julgar a sua intenção, se ele realmente queria que a sua vítima tivesse êxito ou se estava simplesmente divertindo-se com a sua dor. Mas ele não podia. Visão, julgamento, eram-lhe negados. Ele podia apenas confiar em seus próprios instintos, e estes, ele estava começando a temer, não valiam um tostão furado no mercado agora. Sobre o que ele devia embasar a sua resposta? Se Aragorn estivesse no lugar de Faramir e pedisse por sua confiança, Legolas a teria dado instintivamente, até ao ponto que Aragorn poderia matá-lo, mas Faramir não havia merecido tal lealdade de sua parte. Elfos são fiéis até a morte, mas não a qualquer um.
Ele pensou novamente sobre o homem cuja respiração ainda soava em seu ouvido, esperando por uma resposta. Ele lembrou de como aqueles rasos olhos cinzentos haviam enchido com interesse à sua chegada, brilhado com alegria quando o elfo aceitou a sua oferta de amizade, e escurecido de preocupação quando ele sugeriu a Legolas que se submetesse a este teste. Aragorn já não o tinha aceitado como uma espécie de irmão há muito perdido? Se eles realmente quisessem o seu mal, certamente ele já não estaria gravemente ferido, se não morto? E eles, muito menos, precisariam pedir a sua permissão para continuar.
Enquanto Legolas se ajustava mais à sua posição e à dor nos seus ombros e joelhos, a sua capacidade de pensar e analisar se restabeleceram. Só por que ele estava enterrado nas entranhas da terra, cercado por estranhos, vulnerável e em dor, não era razão para entrar em pânico, era? Ele quase riu novamente. O que o seu pai diria? O chamaria de perturbado, muito provavelmente. E talvez ele estivesse certo. Ainda assim, não havia como retroceder agora. A escolha era simples na realidade, se alguém considerasse as alternativas: fugir ou prosseguir. Orcs fugiam; elfos, não.
Através dos dentes cerrados veio a sua resposta. “Sim, Faramir. Eu confio em você… por que eu preciso.”
Não surpreendentemente, Faramir achou tal declaração não muito reconfortante ou gratificante. Aragorn quase sorriu em face da sua expressão caída. Talvez ele se sentisse melhor se Aragorn lhe contasse as distâncias que teve de percorrer para assegurar a amizade do elfo, mas isso teria que esperar alguma outra hora. Legolas estava prosseguindo com isso até o seu fim, por razões que não estavam totalmente claras para o rei, mas que eram definitivamente fascinantes de se assistir.
“Muito bem.” Faramir sinalizou a outro dos homens que viesse à frente.
A última corrente era bastante fina e bem curta, nem seque um metro, e em cada ponta havia uma pequena argola. Faramir passou a corrente por uma das argolas para fazer uma volta, como alguém faria para prender um cachorro, e então passou pela cabeça de Legolas. Ele pôs um corte de tecido macio no seu pescoço, e depois ajustou a volta sobre ele, deixando que o restante ficasse pendurado nas suas costas.
Virando-se, ele pegou várias esferas pequenas, pesando meio quilo cada, de um homem, indicando a ele que voltasse para perto da parede. Faramir pendurou o primeiro peso na argola que descansava parcialmente sobre as costas do elfo.
Meio quilo de pressão faz muito pouco para homem ou elfo, mas a tira apertada ao redor do pescoço de Legolas tinha o seu valor. Novamente, ele foi lembrado da sua vulnerabilidade perante essas pessoas. Eles podiam fazer qualquer coisa com ele, ele estava totalmente incapacitado para resistir. Certamente ele poderia debater-se um pouco, cair, até implorar por misericórdia (que os Valar sejam amaldiçoados se ele fizesse isso!), mas no fim das contas, ele era deles. E isso era aterrorizante.
Faramir pendurou outro peso, e depois outro. Logo todos os homens na caverna podiam ouvir a respiração estrangulada do elfo, o seu pânico crescente tornando-se óbvio a todos. Essa era sempre a parte mais difícil do ritual. O orgulho levava muitos a este ponto, como havia acontecido hoje, mas poucos eram capazes de ir adiante, enfrentando um teste que lhes poderia clamar a vida. Era verdadeiramente uma demonstração de fé, não de coragem ou resistência. Qualquer homem podia ser forte e corajoso; de fato, Gondor estava repleta destes homens, e mesmo havendo muito que se admirar neles, um Capitão de Guardiões exigia mais.
Legolas lutou para sustentar-se em face da montante pressão. O sangue voltara aos seus ouvidos, a sua respiração arranhando pra dentro e para fora de sua boca aberta. Ele tentou engolir, mas viu que isso era difícil, a corrente movendo-se por cima da sua garganta quando o seu pomo de adão flexionava por baixo da faixa constritora. Ele começou a lutar genuinamente. Não conseguia respirar. Grandes pontos brilhantes dançavam perante seus olhos fechados enquanto o sangue corria alto o suficiente para afogar todos os outros sons. A sua língua foi forçada para frente da sua boca, quase por sobre a parte inferior da sua mandíbula, enquanto o espaço disponível a ela diminuiu.
Os pontos tornaram-se maiores e mais brilhantes, a sua respiração alta e, mesmo assim, conseguindo pouco volume de ar, a sua mente girando enquanto ele balançava com a tontura trazida pela falta de oxigênio no seu cérebro. Vieram imagens de homens, homens perversos, maliciosos, humilhando um elfo preso na sua armadilha. Realmente, os homens na caverna poderiam estar rindo ou até gritando nesse momento que ele não os ouviria. Elfo tolo. Elfo estúpido. Eles o matariam agora, desfrutando os seus esforços moribundos, e depois contariam vantagem do feito em algum daqueles buracos de cerveja e fumaça que eles tanto gostavam. Ninguém mais se interessava por vinho?
Cada vez com mais velocidade os seus pensamentos giravam, desconjuntados, em pânico, afundando-se na escuridão. Se ele conseguisse simplesmente cair para o lado, ele de repente se deu conta, os pesos bateriam no chão e cessariam de estrangulá-lo. Ele tentou mover-se para um lado, apenas para começar a debater-se genuinamente em terror ao sentir mãos segurando os seus braços, mantendo-o ereto – matando-o.
Então, inesperadamente, ele sentiu um toque em seu rosto, palavras suaves sussurradas em seu ouvido, “Confie em mim, Legolas. Por favor… confie em mim. Eu não vou falhar.” A voz de Faramir, suas palavras, tão quietas, tão tranqüilizantes. O Elda agonizante quase não o escutava. Faramir? Ele ainda estava lá? Por alguma razão isso o surpreendeu. Depois ele se lembrou da caverna, dos guardiões, do seu propósito nesta noite. Apesar da escuridão que se aproximava dos limites da sua mente, ele se forçou a parar e escutar.
“Eu estou com você, Legolas,” a voz continuou, macia e íntima ao seu lado, e ainda assim forte, poderosa. “Nunca irei abandoná-lo, nunca você terá razão para me temer. Eu valorizarei a sua vida como eu valorizo a minha própria vida.” Faramir foi para o outro lado, fazendo o caminho da fina corrente que prendia o pescoço do elfo com a sua mão. “Todos os guardiões são agora seus irmãos. Todos darão suas vidas para protegê-lo. Você não fará o mesmo por eles?”
Aragorn reconheceu as palavras do Juramento dos Guardiões. Seu próprio teste no Norte havia tido uma forma um quê diferente, mas o objetivo tinha sido idêntico: unir mentes semelhantes em uma aliança inquebrável de irmandade. No caso de Aragorn, houvera tons de laços sanguíneos e também devoção ao novo senhor, mas estas eram questões irrelevantes nesta reunião. Ele encontrou-se hipnotizado pela visão de um amigo semiconsciente ajoelhado perante outro no momento crucial deste teste.
Faramir esperou com a respiração presa. Tudo se resumia a esse momento, esta entrega de corpo e alma. Ele sabia que Legolas o faria por Aragorn sem qualquer tipo de hesitação. Era fácil de se ver o amor que o seu rei compartilhava com o arqueiro élfico, mas Faramir não tinha qualquer ilusão reconfortante sobre o seu próprio valor. Ele não era um rei de homens para despertar tal estima em um príncipe dos Primogênitos. Ele não era nada além de um regente, de uma terra rica e poderosa certamente, mas ainda assim de uma linhagem menor, de uma estatura menor. No fim, sua família havia falhado na confiança que fora a eles depositada de entregar um reino são e próspero ao seu governante por direito. Faramir considerava-se mais um sobrevivente do que um herdeiro, e agradecia a nobreza de Aragorn e a sua mentalidade justa por ele ter um lugar nessa nova Gondor. E que ele também havia assegurado um lugar no coração de seu amigo.
A luz do mundo estava se esvaindo rapidamente para Legolas agora, enquanto ele se ajoelhava perante o seu torturador (Salvador?) e tentava entender o que estava acontecendo a ele. Como Faramir havia se transformado de assassino para protetor tão rapidamente? Ele não estava por fim prestes a morrer?E como isso era sobre irmãos? Na sua confusão e aflição, ele quase perdeu o significado do momento, mas então subitamente a escolha posta à sua frente tornou-se clara. Dar a sua vida a Faramir, o seu irmão-guardião, ou tomá-la de volta e romper completamente os laços que poderiam se formar entre eles esta noite. De qualquer forma, ele agora sabia que não morreria; ninguém ali estava tentando matá-lo. Para entrar nesta irmandade ele deveria dar a eles tudo que ele era ou permanecer para sempre um forasteiro. Tudo parecia tão simples. Como ele havia perdido o seu caminho?
Faramir estava falando de novo. “Eu sei que você não pode responder com palavras, mas se você deseja o que lhe é oferecido, mantenha-se parado. Aceite a escuridão, sabendo que nós o traremos de volta. Se você não deseja continuar, caia para o seu lado e nós o soltaremos. Ninguém o está segurando agora.”
Era verdade. Legolas não podia mais sentir as mãos nos seus braços ou sequer a respiração de Faramir no seu rosto. Ele estava isolado no meio da caverna enquanto os homens esperavam por sua decisão. Ele sabia o que significava estar onde o elfo estava agora; a confusão, a dor, a quase total inabilidade de pensar com clareza e sabendo que você deve confiar em si mesmo para reagir sem a devida consideração. Era quase um teste de fé em si mesmo como de fé nos outros.
Legolas sabia como ter fé em si mesmo. Ele concentrou toda a sua força de vontade para permanecer ereto o maior tempo possível, e então lentamente escorregou ao chão quando a escuridão o envolveu.
continua…