Prólogo
Trevas. Tempos tenebrosos que foram perdidos no longo e eterno vagar do tempo. Será que ainda podemos nos lembrar do passado pioneiro? Não, não podemos. É por isso que pela eternidade infinita estas páginas ainda assim continuarão a existir. Eu jamais saberei quem sou, mas sempre terei a liberdade de escolher o que posso vir a ser.
Não tenho ninguém e não respondo nem por eu mesma. Se pudesse me definir em uma palavra seria abandono. Estou perdida em minha própria solidão, em tempos tenebrosos que o mundo não poderá curar totalmente nas Eras vindouras. Se há algo que odeio mais do que minha estúpida escolha é o Senhor da Escuridão, Morgoth, o Vala decaído. Ele é o culpado pela derrota da minha existência e o abandono dos Poderes, mas hei de conseguir derrotá-lo nem que isso custe a minha morte. Completa seria a minha felicidade se eu pudesse ainda ver uma Silmaril, já faz tanto tempo que eu a olhei em Valinor……
Das trevas da minha Escuridão eu olho
Minha alma anuviada balbucia
Meu coração fingido grita
Meu íntimo suspira de tormento
Quem ousa afligir quem já está aflito?
Quem busca o que é buscado?
Quem grita pelo que é lamentado?
Quem tateia pelo que rasteja?
Criatura da Noite que buscais o impenetrável
Fujas da Luz que está perdida
As Trevas te querem e a Luz te repudia
És digna do desprezo de ambas
As frases e o poema continuavam ainda por muitas páginas do diário de Glaunir Aelcaner. Esta era uma elfa noldo que saíra das Terras Imortais encorajada pelas belas palavras de Feänor naquela noite fatídica que culminou na Maldição de Mandos, pensava que a Terra-Média seria um local em que teria felicidade e novos conhecimentos, mas o que encontrou foi apenas o tormento provocado pelos servos de Morgoth e a infelicidade de dia-a-dia assistir à queda de seus amigos e familiares mais próximos.
Glaunir anotava cada um dos seus longos dias na Terra-Média até que passou para os palácios de Mandos – sim a elfa não encontrou o conforto que buscava com facilidade, mas como se diz é em meio ao pranto que se faz a alegria. Eu não sou uma descendente direta desta elfa corajosa e imprudente ao mesmo tempo, mas possuo um pouco do seu sangue correndo em minhas veias.
Para que vocês possam conhecer um pouco mais dela, nas linhas abaixo é contado um dia perdido de sua infância nas Terras Imortais:
Quando acordei o sol já ia alto no horizonte, seus raios incidiam sobre um bracelete de rubis que papai me deu na noite anterior. Ontem foi um dia feliz, papai me levou para conhecer o tão famoso Feänor: ele disse que eu era tão bela que estava tentado em forjar uma jóia em minha homenagem, mas que estava ocupado nos próprios afazeres.
“-Mas que tarefas são essas que tem de fazer?perguntei eu.
Ele olhou-me um pouco receoso e (seria mesmo?) assustado.
– Bom, deixe que o tempo se encarregará de lhe contar o que é na hora certa, minha pequena.”
Mas hoje eu não queria nada de mistérios ocultos, só queria me divertir com papai.
Quando um vento suave entrando pela janela carregado com o cheiro da grama fez-me arrepiar eu decidi que era hora de eu levantar da cama e ir procurar papai. Ele não estava em lugar algum e por isso optei por caminhar embaixo das macieiras. As maçãs estavam tão avermelhadas e reluzentes que achei ser errado não comer pelo menos uma delas.
-Faz bem pequenina em saborear os frutos da terra.disse uma voz suave e cristalina como o bater das águas de uma cachoeira em um rochedo.
-Quem é você?
-Sou aquela que provém do mais profundo sulco e transborda na mais externa superfície, eu busco a luz mesmo estando nas trevas sem querer nem poder separar-me de ambos. Quem sou eu?
Era um enigma refinado e típico de uma elfa dotada de conhecimentos profundos na arte da palavra. Mas era o amor pelo qual ela falara da macieira tocou em meu coração com intensidade muito grande e respondi na euforia de uma expectativa que quase não acreditava.
-Yavanna?
Ela sorriu-me de uma forma graciosa e disse novamente por meio de frases doces à alma:
-Do coração mais sincero o que brota não é a palavra mas o reflexo da essência pura da Verdade.
Pode parecer impossível de acreditar que uma jovem elfa de coração tão singelo e ingênuo tenha se tornado a criatura amargurada e repulsiva que depois veio a ser. Neste mesmo dia que Glaunir encontrou Yavanna ela escreveu um poema no final da página:
Se é entre as faias e as macieiras que está a doce Yavanna
Será sempre pelos galhos das árvores que andarei
A Vida está onde nós também estamos
Dos floreios mais belos nenhum é como a flor da terra
Se não entendes o que digo amigo é porque não vives
Se não vives é porque ainda não vistes a ti mesmo
A fruta que vem da terra traz consigo o amor
O amor é a força que amadurece o verde do coração
A Alma do Mundo palpita em cada momento
Não chores pela alegria do teu coração
Antes, compartilha-a com teu próximo
Não sejas egoísta com o que te foi dado de bom grado