Como ser um humano?

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Conseguir sobreviver à realidade é o maior desafio de qualquer ser humano. Jung * costumava colocar o homem como o seu próprio maior inimigo, por ser possuidor da Sombra. Mas a Psicologia Humanista dirá que somente o próprio homem, em seu íntimo e subjetividade, é capaz de vencer as dificuldades que o mundo lhe apresenta.

 

 
Considero a análise dos personagens nazgûl do livro “O Senhor dos Anéis” uma forma indispensável para poder entender e conflituar duas visões psicológicas. Os nazgûl – Espectros do Um Anel criado pelo Senhor do Escuro (Sauron), homens que foram condenados a serem mortos-vivos e procurarem o Anel até o encontrarem – já tiveram dentro de si a natureza humana, mas a Sombra os dominou.

Sombra é um termo da Psicologia Analítica de Jung e quer dizer que os seres humanos não são tão bons quanto parecem. Portanto, dizer que os nazgûl foram dominados pela Sombra significa que de alguma forma o seu lado mais perverso e menos humano prevaleceu.

O Um Anel era um instrumento de poder de Sauron que lhe permitia desaparecer, entender outras línguas, ficar invencível e talvez até outros poderes desconhecidos. Se há algo que encanta e seduz os homens isto é o poder. Como o próprio Maquiavel já dizia: “os fins justificam os meios”. De forma que o Anel é simplesmente uma alegoria: ele é o poder, tê-lo é o desejo supremo e também a derrocada.

Assim, a transformação dos homens em nazgûl é o risco de ser tomado pela ganância, inveja, obsessão por riqueza e etc. e esquecer da vida para ficar em busca de riqueza e poder (o Anel).

Essa história é a melhor exemplificação para a Sombra de Jung. No entanto, esta Psicologia esbarra no seguinte ponto: há a possibilidade de os homens se recriarem e colocarem novamente a Sombra na periferia de seu ser.

Por volta da década de sessenta, a Psicologia Humanista desenvolveu-se e ganhou força nos Estados Unidos. Esta Psicologia vai focar o ser humano dentro do contexto social e dizer que o homem pode recriar-se continuamente (independente dos estímulos externos), pois a realidade só é percebida conforme a consciência pessoal.

Para que o ser humano torne-se auto-realizador, segundo Abraham Maslow, é preciso que certas necessidades inatas sejam supridas na ordem em que são sentidas pelo homem, a fim de evitar desordens psicológicas:

  1. Necessidades fisiológicas de comida, água, ar, sono e sexo.
  2. Necessidades da garantia: segurança, estabilidade, ordem, proteção e libertação do medo e da ansiedade.
  3. Necessidades de pertinência e de amor.
  4. Necessidade de estima dos outros e de si mesmo.
  5. Necessidade de auto-realização.
  6. Necessidades de conhecimento e compreensão.
  7. Necessidades estéticas.

Entendendo alguns simples e poucos conceitos da Psicologia Humanista, vê-se que de alguma forma as coisas não tão simples quanto Jung propôs sobre o domínio da Sombra. Há uma grande influência do social sobre a subjetividade de cada ser humano, assim não é possível dizer que os homens deixaram que seus sentimentos socialmente considerados não tão bons aflorassem por motivos exclusivamente próprios: a subjetividade é também resultado de tudo aquilo que foi objetivado no mundo pelas outras pessoas.

De forma que é possível dizer que Maslow aproxima-se da realidade vivida pela grande maioria dos seres humanos: carência e insuficiência de recursos para viver dignamente e ter auto-realização. A situação fictícia dos nazgûl na Terra-Média é oposta à situação acima levantada: eram homens ricos e poderosos, com alta posição social – reis.

A partir do que foi acima levantado, é possível enxergar o desenvolvimento da seguinte idéia por toda a população subjugada: estar no poder é querer mais poder. A cultura, no que diz respeito a posições de poder, será construída acerca da idéia acima trabalhada. A conseqüência é que o inconsciente coletivo da população terá tal vestígio cultural e qualquer pessoa que chegar aos altos lugares sociais tornar-se-á um nazgûl.

Sendo assim, a posição ocupada pelos nazgûl é ambígua: de antigos dominadores a atuais dominados. Eles trazem dentro de si o exercer do poder e também a privação das necessidades básicas, segundo Maslow.

A construção de um indivíduo deve passar pelo cumprimento das necessidades de Maslow, mas também ter o discernimento de entender que o processo pelo qual passa continuamente a vida toda, é o mesmo que os demais indivíduos da sociedade. Fazendo uma co-relação com Jung, ele também coloca a Sombra como sendo certas divisões que fazemos em sociedade: bom e mau, rico e pobre, bonito e feio etc. Essas divisões revelam um aspecto perverso do ser humano ao colocar a idéia de alguns melhores que outros. Os que são considerados inferiores assumem a posição de dominados e assim o serão, muitas vezes, por toda a sua vida. Acaba sendo novamente uma situação de aspecto diferente, mas que as pessoas assumem também o papel de nazgûl.

A auto-realização é fundamental para uma boa organização psicológica. O desequilíbrio de um indivíduo desestabiliza toda a sociedade, pois todos estão dispostos de forma interdependente. De forma que o surgimento da Sombra não é exclusivamente um processo individual, mas é também construído coletivamente – criando fortes marcas no Inconsciente Coletivo, igualmente.

O Anel, portanto, representa não só o poder e a dominação, mas também o elo escravizador que alimenta a Sombra e impede a realização das necessidades fundamentais que fazem o ser humano físico e psicologicamente equilibrado. Já os nazgûl, simbolizam o que o ser humano foi e pode ser – quanto à Sombra – dependendo da construção subjetiva individual e coletiva que for feita.

* Jung: Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875. O seu pai era pároco de província, um pastor da Igreja Suíça Reformadora e também um erudito clássico e orientalista. A Psicologia Analítica de Jung é freqüentemente posta em confronto com a psicanálise de Freud. Em parte, isso é devido à íntima associação entre os dois homens e a sua divergência subseqüente; e em parte, porque as idéias de Freud, muito melhor conhecidas que as de Jung, fornecem um útil contraste para avaliação deste último.

Comentários

Uma resposta para “Como ser um humano?”

  1. Avatar de Andrea Leandro

    Olá Fábio!

    Adorei o teu texto! Sou fã da saga do Senhor dos Anéis.

    Publiquei o teu texto no blog Luz e Sombra com os devidos créditos. Espero que aprove! Caso contrário eu retiro.
    http://sualuzesombra.blogspot.com/

    Obrigada!

    Andrea

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