A frase em inglês “cellar door” – “porta de porão”, em português – ocupa certo espaço nas discussões de fonoestética: uma afirmação amplamente difundida inicialmente feita por J. R. R. Tolkien em seu ensaio English and Welsh (“Inglês e Galês”) de 1955 defende que seu som é intrinsecamente bonito. Neste ensaio, comentando sobre sua afeição ao idioma Galês, Tolkien escreveu:
“A maioria dos falantes do inglês… irá admitir que ‘cellar door’ (‘porta de porão’) é ‘bela’, especificamente se dissociada de seu sentido (e de sua escrita). Mais bela do que, digamos, ‘sky’ (‘céu’) e muito mais bela do que ‘beautiful’ (‘bela’). Pois então, para mim em Galês as ‘cellar doors’ são extraordinariamente freqüentes, e mudando para uma dimensão mais ampla, as palavras nas quais há prazer na contemplação da associação de forma e sentido são abundantes”.
Tolkien também usou uma vez esta frase para ilustrar um ponto sobre seu processo de escrita, em uma entrevista:
“Suponha que você diga algumas palavras bastante comuns para mim – ‘cellar door’, digamos. A partir daí eu poderia pensar em um nome, ‘Selador’, e dele um personagem, uma situação começa a surgir.”
As afirmações de Tolkien são a mais provável origem deste conceito e a única fonte documentada. Vislumbres adicionais de porque Tolkien considerava a frase ‘cellar door’ esteticamente agradável podem ser encontrados considerando os textos de uma de suas linguagens construídas, o Quenya. O poema Namárië começa da seguinte forma:
Ai! laurië lantar lassi súrinen,
yéni únótimë ve rámar aldaron!
Yéni ve lintë yuldar avánier
mi oromardi lissë-miruvóreva.
O texto de Tolkien contém um grande número de consoantes sonoras e poucas oclusivas; apenas as oclusivas breves /t/ e /d/ aparecem no início deste texto. As vogais aparecem principalmente isoladas, com poucos ditongos ou outros sons vocálicos de articulação mais complexa aparecendo. Estas são as mesmas características fonéticas que distinguem o composto “cellar door”. Perceba também a pronúncia de Tolkien deste composto não apresentaria nenhum som rótico (os “r”), uma vez que ele estava falando com um sotaque não-rótico, algo como seladó.
Compare este texto com outro poema de uma das línguas inventadas por Tolkien, a maligna inscrição no Um Anel na Fala Negra de Mordor:
Ash nazg durbatulûk, ash nazg gimbatul,
ash nazg thrakatulûk, agh burzum-ishi krimpatul.
Este texto contém muitos encontros consonantais (/zg/, /θr/, /kr/) e uma variedade muito maior de oclusivas.
Atribuições de Autoria Incorretas
Apesar de tudo, está frase foi sujeita a uma série lendária de atribuições de autoria incorretas. A história pode ser traçada até 1989, com o livro Crazy English de R. Lederer aludindo a uma pesquisa, conduzida na década de 1940, sobre a palavra da língua inglesa que as pessoas consideravam mais bonita. Contribuindo com esta pesquisa, o escritor americano H. L. Mencken supostamente afirmou que um estudante chinês, que conhecia pouco ou nenhum inglês, gostava especialmente da frase ‘cellar door’ – não pelo que ela significava, mas devido a como ela soava. Alguns registros descrevem o imigrante como italiano ao invés de chinês.
Em 1991 Jacques Barzun repetiu a afirmação, atribuindo-a a um “amigo japonês”:
Eu descobri sua característica ilusória quando muitos anos atrás um amigo meu do Japão com quem eu freqüentemente discutia literatura me disse que para ele e para alguns de seus amigos que falavam inglês a mais bela palavra em nossa língua era “cellardoor”. Ela não é bela para mim e eu divaguei sobre onde se situava seu poder evocativo para os japoneses. Seria porque eles consideram o l e o r difíceis de pronunciar, e a palavra portanto adquire um distanciamento e encantamento? Eu perguntei, e aprendi também que Tasuo Sakuma, meu amigo, nunca havia visto uma porta de porão (“cellar door”) americana, seja dentro ou fora de uma casa – as usuais duas portinhas em uma elevação oblíqua. Sem dúvida a ausência de familiaridade visual aumentava o apelo da palavra. Ele também gostava de ir a restaurantes e escutar o garçom perguntar se ele preferia salada ou (“salad or”) vegetais cozidos no vapor, porque novamente a frase “salad or” podia ser ouvida. Eu concluí que sua falta de charme para os falantes do inglês deriva simplesmente de seu significado. Ela possui os sons de l r e e d e o longo o que são queridos pelos analistas da música em verso, mas é prosaica. Compare com “celandine”, onde a imagem da flor faz o som parecer mais adorável.
A afirmação também é atribuída a “um famoso lingüista” no roteiro de Donnie Darko (2001). Quando perguntado sobre a origem da frase, o diretor do filme a atribuiu a Edgar Allan Poe.