-Vou sim, Lorent, a guerra chama-me, e o meu povo precisa de mim… está tudo pronto?
-Está sim meu amigo, a carroça está arranjada e os cavalos prontos para a puxarem. Eu vou lá busca-la.
-Eu e Morit vamos consigo. Oh mas que indelicadeza! Esqueci-me completamente de lhe apresentar o meu amigo e companheiro, o mago Morit. Lorent este é Morit, Morit este e Lorent.
Os dois curvaram ligeiramente a cabeça um ao outro e depois Lorent disse:
-Bom então venham. Faz-se tarde e ir a caminho da floresta Central á noite é cansativo.
Ora Lorent encaminhou-os pela cidade fora, e entrou pela rua trinta e quatro do bairro Ocidental. Se havia uma rua menos mal frequentada naquele bairro era aquela! Depois de percorrer uns 10 metros da rua, que era larga e tinha casas, ao contrário do bairro Oriental, de uma pedra amarelo torrado e com varandas de madeira escura e grandes arcos em forma de ferradura, com grandes portas de madeira, bateu na porta correspondente a letra E. Abriu a porta, que era pesada e, tal como as outras, em arco de ferradura, com uma chave grande e dourada, e entrou na casa. Não se pode dizer que fosse uma casa rica. Pelo contrario. Apesar de maior que a confortável casa do anão, esta tinha fendas nas paredes, que não eram cobertas de madeira. Tinha um corredor central com varias portas, que davam para as diferentes divisões. Depois tinha uma escada que dava para o sótão, que por sua vez tinha uma bonita varanda de madeira castanha, e era coberto por pequenas telhas. Ao fundo do corredor encontrava-se mais um dos muitos arcos de ferradura, que eram usados em todo o bairro, devido a superstição em relação aos viajantes. Ora passo a explicar: No reino dos homens havia um herói Homem-elfo, que defendia todos os homens que viajavam pelas terras a cavalo. O símbolo deste deus era a ferradura e inclusive, há um enorme templo no centro da cidade que em sua homenagem. Ora não é de estranhar que um bairro pobre, de viajantes, que não tem dinheiro para as casas de pedra branca do bairro oriental, construa as entradas das portas em forma de ferradura, para afastar os maus acontecimentos dos viajantes.
Transpuseram essa porta e entraram num grande quintal, com um chão de grandes lajes e algumas laranjeiras. Num dos cantos estava um cavalo castanho com um ar muito saudável e um pêlo que mais parecia seda. Já ligada a esse cavalo, estava uma carroça, com duas rodas, as de trás grandes e as da frente um pouco mais pequenas. Tinha uma espécie de “tenda” atrás, que formava um pequeno túnel coberto de tecido cinzento. Tinha uma tábua, na parte da frente, para servir de acento e outra, mais em baixo, para apoiar os pés. Tinha também duas pequenas lanternas, com velas novas no se interior, penduradas em ganchos, um em cada extremidade da carroça. Era uma carroça de tamanho normal, e tinha espaço suficiente para as coisas de Rarum.
-Ora aqui está o seu cavalo e a sua carroça. O meu pai, exímio artesão, talvez o melhor em madeira de toda a cidade, reforçou a carroça e ela está capaz de percorrer o deserto sem se enterrar na areia. Entretanto escovou o cavalo e alimentou-o bem. Está pronta para partir. – disse Lorent, com ar triste mas apressado.
-Muito obrigado por me ter guardado a carroça e o cavalo estes anos todos, como já lhe expliquei não tenho quintal e seria difícil deixa-los a porta, dado o risco de serem roubados. Obrigado também pró os ter tratado tão bem, vejo que o cavalo está bem alimentado. Bom vou andando, ainda tenho de ir carregar as coisas. Até a próxima meu amigo!
-Até a próxima, velho bandido – respondeu Lorent.
Depois disto, Morit, que tinha estado calado este tempo todo, fez uma ligeira vénia ao guarda, sentou no banco da carroça, junto a Rarum, e saiu pelo protão do quintal que era alto e de madeira velha. Seguiram pelas ruas da cidade e atravessaram todo o bairro Ocidental até chegaram ao oposto. A diferença era ofuscante: para trás, uma aglomeração de casas, todas elas de um amarelo-torrado, e num milésimo de segundo, só casas de pedra branca acinzentada e bastante antiga mas imponente. Entraram pela rua estreita de Rarum, com esforço para não roçar nas paredes e pararam os cavalos em frente da porta do anão. Ai Rarum abriu a porta e começou, em varias idas e voltas, a carregar a carroça: coisas de valor que lhe pertenciam, duas garrafinhas de vinho, muita agua, muito pão e muitas carnes salgadas, ervinhas para o chá, alguns temperos, mantas, um pequeno cajado de madeira tosca, dois frascos de compota, uma cana de pesca, tachos, panelas e tachos e muitas outras coisas necessárias para uma grande viagem. Depois selou a pequena tábua, da parte de trás da carroça que impedia que as coisas caíssem pela traseira, e sentou-se de novo no banco (banco esse, esqueci-me de referir, era almofadado e muito confortável) e disse para Morit:
-Bem a caminho! Saia pela extremidade oposta com cuidado, que desemboca numa avenida muito frequentada por guardas e não me apetece ser questionado.
E foi assim que Morit fez. Conduziu a carroça com cuidado, ao longo da estreita rua e entrou na avenida, vendo se não haviam guardas nas redondezas. E assim seguiu. Mais uma vez atravessaram a cidade e saíram pelo enorme portão, em direcção a floresta.
Rarum suspirou.
O caminho a frente era estranho e até assustador. A estrada percorria umas enorme planície de tons cinzentos, apenas com ervas rasteiras, e era extremamente estranho pois não viam nenhum dos imensos caminhantes que afluíam todos os dias a cidade. Talvez da distância pois tinham cerca de duzentos quilómetros pela frente e isso e muito espaço para caminhantes… podiam estar dispersos. Mas Rarum não quis saber. Apenas se preocupava em ir rapidamente para as suas terras. Lá muito ao longe, quase invisível aos seus olhos encontrava-se a grande floresta central, que ele tinha que atravessar para chegar a sua cidade. Duzentos quilómetros faltavam ainda para chegar a floresta, e mais de mil tinha de atravessar dentro dela, e depois dela mais setecentos para chegar a sua cidade, no vale de Ortich. Mas isso não o assustava! Sabia que ainda tinha de ir as montanhas e cidades dos elfos pois Morit tinha que lá tratar de assuntos. A floresta é um sítio lindo, mas escuro e talvez perigoso, para quem sai da estrada. Mas tinham também a protecção dos elfos nas suas casas nas árvores e isso agradava Rarum, pois anões e elfos são grandes amigos. A carroça seguiu pelas planícies frias. Lá atrás a cidade tornava-se mais pequena e as terras quentes do sul, distantes, encontravam-se agora fora do alcance visual.
Eram quase seis da tarde quando passou pelos olhos de Rarum uma vontade imensa de dormir. Achou estranho aquele súbito cansaço, pois não tinha acordado muito cedo e tinha-se alimentado bem. De qualquer maneira dobrou-se para trás, esticou-se o mais que pode e retirou um grande pedaço de pão que comeu devagar. Morit soltava breves e leves sorrisos, o que deixou Rarum num tal estado de agitação que mordeu a própria língua umas duas ou três vezes enquanto mastigava o pão. Mas a enorme sonolência que o invadia não lhe permitia sequer perguntar a Morit o que se passava. Aliás ele sabia o que se passava. Já tinha atravessado aquele lugar antes. Mas desta vez esqueceram-se de o avisar e o pobre anão esquecera-se completamente que tinha de atravessar o Pântano dos sonhos. Ora o Pântano dos Sonhos e uma enorme concentração de pó dos sonhos, pó esse usado por soldados, feiticeiros e até assassinos para por alguém a dormir. Este enorme pântano invisivel estende-se por oitenta quilómetros e só mascando folhas de hortelã se pode resistir ao seu curioso poder.
Mas enfim, Rarum não teve coragem para se dirigir a Morit, que nessa altura já se ria a gargalhada com o aspecto sonolento e cómico do seu alegre companheiro. Deixou de resistir, arrastou-se até á parte de trás da carroça e deitou-se numa abertura que se encontrava entre as malas e os sacos.