No artigo anterior discutimos um pouco sobre as pessoas que desconhecem o universo criado por Tolkien. Posso afirmar que para esta semana eu tinha um tema completamente diferente do que vou começar a desenvolver agora, mas não pude ignorar meus pensamentos ao ler os inúmeros comentários do último artigo. A maior parte das pessoas que participam de comunidades como a Valinor se considera fã da obra de Tolkien. Isto é fato. Uma comunidade de fãs é o que movimenta as discussões acerca das obras e também o comércio em torno dos derivados das obras escritas como filmes, miniaturas, roupas, e toda espécie de colecionáveis que um fã amaria possuir. Um fã vê sentido em tudo isso, se identifica com a obra de tamanha maneira que passa a buscar mais subsídios para expandir seus conhecimentos e admirar ainda mais aquilo que contempla. E isso é completamente compreensível. Obviamente que existem fãs de diversas categorias e intensidades. Há os que apenas admiram os filmes mas que não tem vontade de explorar os livros, como há aqueles que amam os livros, desprezam os filmes e querem que o Peter Jackson queime no inferno. Existem aqueles que conseguem dosar os dois lados e tentam ampliar as perspectivas nas duas frentes. Não podemos nos esquecer, sobretudo dos fãs que fazem jus à origem da palavra “fan”, abreviação de “fanatic” a qual podemos traduzir como “fanático”. Sim, os fanáticos existem em todos os lugares. De Igrejas a comunidades de Star Wars, os fanáticos sempre existirão e grande parte deles tenta espalhar o conhecimento e a paixão pelo seu objeto como algo único e necessário para toda a humanidade. Acreditem, eu já fui assim. E as conseqüências disso podem não ser das melhores.
Mas como sabemos qual é o limite entre a admiração e o fanatismo? É uma questão um pouco complexa pois creio que não aconteça da mesma forma com todo mundo. Porém, uma coisa básica existe em todas as formas de manifestação do fanatismo. O fanático coloca aquele objeto de desejo acima de qualquer coisa e na maioria das vezes acima de si mesmo. Vê nela sua identidade, seu futuro e sua razão de viver. Por isso, digo e repito, eu já fui um fanático. Hoje, após sofrer algumas conseqüências posso dizer que sou um grande fã das obras de Tolkien, mas não são a minha razão de viver. Sei que mesmo que não consiga um bom papel no filme “O Hobbit”, caso eu seja mal sucedido nos testes, tenho a nítida noção de que não será o fim do mundo. E consigo conviver com essa idéia. Há alguns anos atrás, essa idéia nem passaria pela minha cabeça. Eu não queria admirar as obras de Tolkien, eu queria vivenciá-las. Eu pegava a bicicleta aos finais de semana e ia para a zona rural da minha cidade e ficava repetindo falas dos livros e imaginava que lá fosse o Condado. Já pensei em morar numa toca de Hobbit, pra valer. Já forcei meus familiares a assistirem os filmes, e fiquei sem falar com eles uma semana quando todos saíram no meio da Sociedade do Anel dizendo que o filme era chato e longo, com bichinhos esquisitos. Já carreguei o “Um Anel” no pescoço por cerca de dois anos e quando o perdi tive vontade de morrer. Ele me lembrava dos objetivos que eu tinha prometido a mim mesmo. Já fiquei bêbado e conjurei encantamentos élficos para todos meus amigos. E creio que o pior de tudo que fiz nessa fase fanática foi raspar minha cabeça, me pintar de tinta a óleo e ir até São Paulo pintado de cinza, usando uma tanguinha suja e curta para a avant-première de “As Duas Torres” no shopping Frei Caneca. Não digo que foi perigoso pela vergonha ou nada disso, mas porque a tinta a óleo pode ser altamente tóxica e não sai do corpo facilmente. Tive que tomar banho com detergente e mesmo assim existia tinta em alguns lugares onde nunca deveria existir. Tive febre pois fiquei horas a fio pintado e tive reações alérgicas pelo corpo.
Hoje em dia, não faria mais isso. Tenho mais cuidado comigo e compreendo que algumas coisas desta época valeram muito a pena, e outras me expuseram a riscos. Mas somente agora sei diferenciar uma coisa da outra. Para mim, naquela época, tudo estava perfeito.
É realmente muito chato quando alguém despreza algo que temos tanta admiração e carinho. Eu fico chateado quando vou mostrar esse universo pra alguém e a pessoa desconversa. Mas é preciso entender as sutilezas de ser um fã de verdade. Crer na certeza de que não importa o que digam, sua admiração e amor não vão vacilar. Que como foi dito anteriormente, as pessoas são livres para fazer suas próprias escolhas. Nem tudo o que satisfaz os outros, te satisfaz. Então se agarre à sua escolha e sinta-se feliz por fazer parte disso. Saiba que você não é o único a compartilhar uma paixão tão grande por algo assim e existem milhares como você aqui na Valinor. Eu demorei muito para descobrir isso e hoje posso dizer que estou satisfeito. Tenho meus amigos, participo de algumas discussões e estou ansioso pelo Encontro Nacional. Mas não fico mais pregando pra ninguém. O que eu sinto diz respeito a mim, somente. É um tanto clichê, mas hoje prefiro ter qualidade ao invés de quantidade. E que venham as discussões!