As Profecias da Terra-Média

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Escrito por Cassiano Ricardo Dalberto

As profecias têm um papel importante nas histórias
da Terra-Média. De fato, alguns argumentam que Tolkien tencionava a
Terra-Média como tendo um destino pré-determinado ou linha do tempo,
uma vez que aparentemente todas as profecias mencionadas tornam-se
verdade de alguma forma. Bem, há falsas profecias nas histórias, mas
elas são raras. Ou, se não são falsas, no mínimo não realizadas.
 
 
 
A questão sobre se há poder nas profecias ou poder
detrás delas é virtualmente impossível de se resolver satisfatoriamente
a todos. Muitos acreditam que a história desdobra-se de acordo com a
Música dos Ainur (o que não é verdade, uma vez que foi Ilúvatar quem
deu à Música esse sentido através da sua Visão). Desconsiderando-se o
que vem em seguida à Música ou à Visão, o Tempo certamente desvela
muito enquanto os Ainur e Ilúvatar criam seus temas. Mas O Silmarillion
nos conta que cada Era revela novas maravilhas aos Valar sobre as quais
eles não conheciam nada, e que não haviam sido previstas na Música ou
na Visão.

De fato, muito da história que é prevista não vem a
ocorrer na Música ou na Visão. Depois que Ilúvatar pára a música, ele
fala aos Ainur. "E muitas outras palavras disse Ilúvatar aos Ainur naquele momento", Tolkien escreve no "Ainunlindalë". "E,
em virtude da lembrança de suas palavras e do conhecimento que cada um
tinha da música que ele próprio criara, os Ainur sabem muito do que
foi, do que é e do que será, e deixam de ver poucas coisas. Mas algumas
coisas há que eles não conseguem ver, nem sozinhos nem reunidos em
conselho: pois a ninguém a não ser a si mesmo Ilúvatar revelou tudo o
que tem guardado; e em cada Era surgem novidades que não haviam sido
previstas, pois não derivam do passado."

Ilúvatar então
mostrou muito na Visão que os Ainur não haviam cantado, e mesmo quando
os Ainur entraram em Eä, Ilúvatar revelou novidades. Sua liberdade de
alterar Eä ao que o Tempo desdobra-se deixa Ilúvatar como o último
árbitro da presciência. Assim, ele pode (se ele assim escolher)
invalidar a presciência que um Ainu individualmente possa ter produzido
de partes da Música ou da Visão. Mas Ilúvatar nega algo que havia sido
previsto? Essa é uma questão interessante, ainda que ainda não possa
ser respondida.

Nós sabemos de muitas ocasiões em que Ilúvatar
intervém. Por exemplo, quando Aulë cria os Anões, Ilúvatar fala a ele e
no final das contas aceita os Anões como seus Filhos adotivos. Ilúvatar
dá a eles verdadeira vida e pensamento independente. Não há, é claro,
texto algum que diga que a impaciência de Aulë e a criação dos Anões
havia sido predita ou prevista na Música ou na Visão. Mas Aulë
construiu os Anões em segredo. Ele poderia trabalhar com afinco e em
segredo se os resto dos Ainur soubessem através do pré-conhecimento
advindo do Ainunlindalë. Portanto, a criação dos Anões por Aulë, e a
intervenção de Ilúvatar, são fortemente possíveis de serem
acontecimentos novos, desconhecidos dos Valar.

Quando
Ar-Pharazôn invadiu Aman para se apropriar da imortalidade, conta-se
que os Valar dispensaram sua guarda. Ilúvatar então interveio e alterou
o mundo, removendo Aman de Arda e transformando o que restou em um
mundo redondo. Os Valar poderiam saber que os Numenoreanos iriam se
rebelar contra sua autoridade? Eu não acredito nisso. Estando armados
de tal pré-conhecimento, eles teriam condenado efetivamente uma
multidão de numenoreanos a se tornarem maus.

Tolkien escreveu
que Manwë não podia, não iria compelir Melkor ao arrependimento, ou
usar contra Melkor os artifícios que ele próprio usara. No
Ósanwë-kenta, Tolkien explica que "Se Manwë tivesse quebrado esta
[sua] promessa [de libertar Melkor do aprisionamento no tempo
determinado] para seus próprios propósitos, ainda que "bons", ele teria
dado um passo em direção aos caminhos de Melkor. Este é um passo
perigoso. Naquela hora e ato, ele poderia ter deixado de ser o
vice-regente do Uno, tornando-se somente um rei que toma vantagem sobre
um rival que ele conquistou pela força."

Manwë igualmente
controlou a compulsão com a qual Sauron estava preocupado. Sauron
recebeu a ordem de se apresentar a Manwë para o julgamento, mas quando
Sauron falhou em mostrar-se, os Valar não o capturaram. A primeira
guerra para aprisionar Melkor foi iniciada em virtude dos Filhos. A
segunda guerra, ao final da Primeira Era, foi lançada por um propósito
similar. Não era a intenção de Manwë compelir Melkor ou forçar o Tempo
para um certo caminho.

Então, ao pronunciar o destino, como
quando os Valar expulsaram os Noldor de Aman e impuseram-lhes uma
condenação, na verdade uma maldição, não foi um ato em que os Valar
compeliram a escolhas específicas ou alteraram as atitudes dos Filhos.
Quando os Valar amaldiçoaram os Noldor, eles não poderiam compeli-los a
praticar o mal adiante (e de fato praticaram), mas de preferência
deveriam libertar os Filhos de quaisquer graça que sua convivência com
os Valar os tivesse concedido. Os Valar removeram suas influências
sobre os corações dos Noldor, que trilhavam um caminho (assim
deduziram) que os levaria apenas à autodestruição.

Pengolodh escreveu no Ósankë-kenta, "Eu
digo que isto não é assim. Tais coisas podem parecer-se, mas se em
gênero elas são totalmente diferentes, elas devem ser distintas.
Previdência, que é a previsão, e prognóstico, que é a opinião tomada
pelo raciocínio sobre a presente evidência, podem ser idênticas em sua
predição, mas são completamente diferentes em modo, e deveriam ser
distinguidas por mestres de tradição, mesmo se a língua habitual, tanto
de Elfos como de Homens, lhes dê o mesmo nome como áreas da sabedoria".

O Ósanwë-kenta diz que "Os
Valar entraram em Eä e no Tempo de livre vontade, e eles agora estão no
Tempo, enquanto este durar. Eles não podem perceber nada fora do Tempo,
salvo pela memória de sua existência antes dele começar: eles podem
recordar a Canção e a Visão�?.

A primeira nota acrescida ao
comentário sobre o "Athrabeth Finrod ah Andreth" diz respeito à
liberdade de Ilúvatar em oposição às limitações dos Valar:


"Os Eldar acreditavam que Eru era e é livre em todos os estágios. Esta
liberdade foi mostrada na Música por Sua introdução, após o surgimento
das dissonâncias de Melkor, de dois novos temas, representando a
chegada de elfos e homens, que não estavam no Seu primeiro comunicado.
Portanto Ele pode, no estágio cinco, introduzir diretamente coisas que
não estavam na Música e que assim não são realizadas através dos Valar.
Não obstante, isto continua em geral verdadeiro no que diz respeito a
Eä como concluído através da intervenção deles."

A
intervenção dos Valar na criação (ou sub-criação) de Eä, bem como sua
memória da Música e da Visão, os provêm com o conhecimento intrincado
de Eä e do Tempo em que eles projetaram o que se daria. Eles também
podiam prever acontecimentos ainda não revelados, mas apenas caso
Ilúvatar transmitisse tal conhecimentos a eles. A sua própria
intervenção deu a eles pré-conhecimento, mas não previsão. Ilúvatar
falou aos Ainur quando lhes mostrou a Visão, e disse-lhes muito que não
estava incluído nela.

Desse modo, o livre-arbítrio não colide
com as ações e intenções dos Valar, exceto Melkor, que desejava
compelir todas as criaturas viventes à sua obediência. Ele desejava que
fosse adorado pelos Filhos assim Ilúvatar deveria ter sido. Ele queria
ser obedecido pelos Ainur como Ilúvatar deveria ter sido. Melkor tentou
engajar-se no tipo de corrupção que iria eliminar ou reduzir o
livre-arbítrio. Tolkien tentou explicar esse resumo do dom de Ilúvatar
a todas as criaturas encarnadas pensantes nos ensaios a respeito da
origem dos Orcs.

No seu último ensaio sobre os Orcs, Tolkien escreveu:
verdade, claro, que Morgoth mantinha os orcs em horrenda escravidão;
pois em sua corrupção, eles haviam perdido quase toda a possibilidade
de resistir à dominação de sua vontade. De fato, tão grande era a sua
pressão sobre eles que, antes de Angband cair, se direcionasse seu
pensamento na direção deles, eles ficariam conscientes de seu "olho"
onde quer que estivessem; e quando Morgoth finalmente foi removido de
Arda, os orcs que sobreviveram no oeste se dispersaram, sem liderança e
quase sem sagacidade, e estiveram por um longo tempo sem controle ou
propósito."

A compulsão de Melkor por outras vontades deve
ser reduzida a mera influência, como na influência que ele parece ter
manifestado nas escolhas feitas pelos filhos de Húrin. Quando Melkor
aprisionou Húrin sobre as Thangorodrin, ele disse, "No entanto
posso chegar a você e a toda sua casa amaldiçoada, e serão quebrados
pela minha vontade, mesmo que sejam todos feitos de aço… Olhe! A
sombra de meu pensamento pesará sobre eles aonde quer que vão, e meu
ódio há de persegui-los até os confins do mundo�?.

Desde
que Túrin foi criado em Doriath sob a proteção de Melian, é improvável
que Melkor pudesse ter tido muita influência sobre a vida de Túrin. Mas
Saeros, em seu orgulho, abriu a si mesmo ao mal. Melkor deve apenas ter
necessitado de deduzir que onde quer que Túrin fosse, ele iria
encontrar alguém que tivesse alguma mácula sobre si. Nesse encontro, a
escolha de Túrin seria pré-influenciada para suspeitar do que é certo.
Tão pequena semente deve falhar em florescer uma centena de vezes, mas
conseguir usufruto ao menos uma. O conto dos filhos de Húrin poderia
estar repleto de casos em que eles eram tentados a escolher errado, mas
não o fazem.

No final, apenas as escolhas que levaram ao
destino que Melkor desejou para eles compreendem os elementos-chave do
Conto dos filhos de Húrin. Isso é o mais próximo que Tolkien chega de
impor qualquer coisa como predestinação sobre seus personagens. E ainda
que Húrin tenha revelado a localização geral de Gondolin aos espiões de
Melkor, este apesar de tudo deveria contar com o engano e aproveitar-se
das circunstâncias para alcançar seu objetivo. Ele não poderia
simplesmente decretar que Húrin trairia Turgon. Tal traição teria
acontecido antes e com menos complicações.

A maldição de
Melkor, assim como a maldição dos valar sobre os noldor rebelados, não
era, então, profecia, e certamente não impôs limitação ao
livre-arbítrio. Essas eram as ações de grandes poderes, possuidores de
grande conhecimento e compreensão, e capazes de considerável
discernimento acerca das motivações e prováveis escolhas das criaturas
com as quais lidavam.

Profecias verdadeiras acontecem algumas
vezes, mas isso é ofuscado pela previsão. Se pudermos distinguí-los,
devemos concluir que previsão apenas confirma intuitivamente que algo
deve ou irá ocorrer. Por exemplo, quando a Comitiva do Anel está
decidindo qual rumo tomar em Eregion, Aragorn alerta Gandalf sobre a
escolha do caminho através de Moria. Aragorn não tem uma idéia clara do
motivo para ele se sentir compelido a alertar Gandalf sobre aquele
caminho. E Gandalf certamente não pressente tal perdição. Mas a
premonição de Aragorn prova-se certa: eles encontram o Balrog e Gandalf
é afastado de seus companheiros.

Por outro lado, Elrond prediz alguns acontecimentos concernentes a jornada de Frodo: "Consigo
prever muito pouco do seu caminho, e como sua tarefa deve ser
desempenhada eu não sei. A Sombra agora já chegou aos pés das
Montanhas, e avança até a região próxima ao rio Cinzento; sob a Sombra
tudo fica escuro aos meus olhos. Você vai se deparar com muitos
inimigos, alguns declarados, alguns disfarçados; e poderá encontrar
amigos em seu caminho, quando menor esperar."

Quem pode
duvidar de que Boromir deve ser um inimigo não-declarado, e Faramir um
amigo inesperado? Mas a predição de Elrond é enganada pela Sombra,
quase como se ele estivesse literalmente vendo a jornada de Frodo
enquanto ela se desenrola. Por que deveria a Sombra (presumivelmente a
influência ou vontades de Sauron e Saruman) impedir a visão de Elrond?
A nota seis no Ósanwë-kenta nos oferece uma sugestão:


"Pengolodh aqui elabora (embora não seja necessário ao seu argumento)
esta questão de previsão. Nenhuma mente, ele afirma, conhece o que nela
não está. Tudo o que fora experimentado está nela, apesar de que no
caso dos Encarnados, dependendo dos instrumentos do hröa, algumas
coisas podem ser esquecidas, não estando imediatamente disponíveis para
recordação. Mas nenhuma parte do futuro lá está, pois a mente não pode
vê-lo nem tê-lo visto: isto é, uma mente situada no tempo. Tal mente
pode aprender sobre o futuro apenas a partir de outra mente que o tenha
visto. Mas isto significa apenas diretamente de Eru, ou por intermédio
de alguma mente que tenha visto em Eru alguma parte de Seu propósito
(assim como os Ainur, que agora são os Valar em Eä). Só assim um
Encarnado pode conhecer algo do futuro: por instrução derivada dos
Valar, ou por uma revelação vinda diretamente de Eru. Mas qualquer
mente, seja dos Valar ou dos Encarnados, pode deduzir pela razão o que
pode ou irá ocorrer. Isto não é previsão, mesmo que possa parecer claro
em termos e, de fato, mesmo mais preciso do que vislumbres de previsão.
Nem mesmo se isto é formado por visões vistas em sonho, um meio segundo
o qual a previsão é freqüentemente revelada à mente."

A
previsão do Elrond não pode ser uma dedução baseada em seu
conhecimento. Ele não sabia quem poderia ou iria trair Frodo, bem como
quem poderia ou iria aparecer em seu caminho. Elrond não sabia nem
mesmo por qual caminho Frodo seguiria até Mordor. Ainda que pudesse ser
argumentado que Elrond e Gandalf haviam despedido um bom tempo
discutindo sobre o caminho que a Comitiva do Anel poderia seguir, e
quem vivia naquela estrada. A remoção de Gandalf em Moria dá um limite
à sua influência sobre o pensamento de Elrond.

Então, deve ter
sido enviado um sutil conselho a Elrond pelos Valar, ou talvez pelo
próprio Ilúvatar. Da mesma forma, os sonhos que Faramir e Boromir
tiveram alertaram-nos para procurar Valfenda, isso não pode ser produto
de seus pensamentos. Eles simplesmente não tinham conhecimento
suficiente para deduzirem sobre tais possíveis acontecimentos. Eles
devem ter ouvido algo sobre Imladris quando crianças e esquecido-se
disso; eles sem dúvida sabiam que a espada de Elendil havia sido
quebrada. Mas eles não poderiam saber que um Pequeno tinha um símbolo
de grande poder, ou que um conselho seria desvelado em Imladris quando
seria decidido sobre uma grande perdição.

Outros exemplos de
previsão entre Elfos e Homens incluem as profecias de Malbeth, o
Vidente (acerca do nome de Arvedui e a jornada de Aragorn pelas Sendas
dos Mortos), a predição de Glorfindel de que o Senhor dos Nazgûl não
cairia pelas mãos de um homem, e a predição de Isildur de que a guerra
contra Sauron não terminaria rapidamente.

As deduções
intuitivas dos Lossoth (de que o barco élfico enviado para resgatar
Arvedui não era seguro) e os Druedain (que Númenor não sentia mais
segurança sob seus pés, e que uma mudança viria previamente à batalha
dos Campos de Pelennor) parecem estar mais proximamente alinhadas com a
idéia de previsão, embora esses (primitivos) povos tenham estado mais
intimamente direcionados a conselhos sutis dados por Ilúvatar (ou os
Valar).

E sobre as palavras de Elrond acerca do Condado, e seu
desejo de enviar Merry e Pippin de volta como mensageiros? Tolkien não
revela quanto Elrond sabe (ou descobre) das atividades de Saruman em
Eriador. Mas Gandalf e Aragorn estavam cientes do crescente interesse
no Condado. Gandalf pediu a Aragorn que aumentasse a guarda no Condado.
Então, se Gandalf e Aragorn sabiam que alguém estava atento para algo,
Elrond deve ter sabido, também, o que estava acontecendo. E a revelação
de Gandalf acerca da traição de Saruman teria ajudado Elrond a concluir
que o Condado não era mais um lugar seguro de influências externas. Sua
preocupação é muito vaga, embora prove-se bem fundamentada.

A
advertência de Celeborn a Aragorn é outro exemplo da previsão élfica, e
também é um pouco mais avançada que a previsão de Elrond. Celeborn
explica a situação e sobre as terras para a Comitiva do Anel, dado o
curso que eles haviam escolhido. E ele lhes dá mais tempo para pensar
melhor sobre as escolhas que irão fazer ao dá-los barcos, então eles
podem prosseguir para o sul pelo Anduin. Mas no final, ele aponta, eles
devem escolher se irão para o leste ou ao oeste. E ele relembra Boromir
que os velhos contos de avós podem guardar mais do que os Sábios acerca
de determinados assuntos. Talvez a advertência de Celeborn para não
passarem por Fangorn tenha sido um vislumbre de verdadeira previsão,
onde os Valar ou Ilúvatar podiam estar sugerindo de forma vaga que os
problemas estavam crescendo.

A inabilidade de Elrond para ver
com clareza o que irá acontecer nas terras onde a Sombra cresce implica
em uma limitada capacidade de previsão. Isto é, se Ilúvatar o estivesse
enviando visões, então por que seriam curtas? Malbeth parecia estar
muito bem informado nos problemas de Estado e catástrofe. Sua previsão
é quase como pré-conhecimento, e isso significa que ele estava
recebendo suas visões de Ilúvatar, ou talvez de Manwë.

Mas
Tolkien diz que Ilúvatar intervém apenas após a morte de Gandalf. É
nesse ponto que o plano dos Valar para derrotar Sauron falha. Por dois
mil anos, então, os Valar estiveram conduzindo o espetáculo. O quanto
eles sabem do que está por vir, e o quanto eles estão deduzindo? E eles
devem estar deduzindo algumas coisas. De outra forma, por que iria
Gandalf ser pego desprevenido pela traição de Saruman e a aparição do
Balrog? A incerteza do plano dos Valar implica fortemente que eles não
poderiam prever o final do conflito. A intervenção de Ilúvatar implica
fortemente que ele queria que o conflito terminasse de uma determinada
forma.

Ao falar sobre a recusa dos Valar em intervir diretamente em Beleriand antes do término da Primeira Era, Tolkien sugere que "a
última intervenção com força física pelos Valar, que resultou na queda
das Thangorodrim, pode então ser vista como não de fato relutante ou
indevidamente postergada, mas precisamente ao seu tempo. A intervenção
veio antes da aniquilação dos Eldar e dos Edain. Morgoth, apesar de
logicamente triunfante, havia negligenciado a maior parte da
Terra-Média durante a Guerra; e de fato ele havia sido enfraquecido: em
poder e prestígio (ele havia perdido e falhado em recuperar uma das
Silmarils), e acima de tudo, em mente … A guerra foi bem-sucedida, e
a ruína limitou-se à pequena (porém bela) região de Beleriand."

Os Valar não foram, assim, sempre atuantes baseados no
pré-conhecimento, ou previsão, mas ao menos em algumas ocasiões –
especialmente depois que muito Tempo já havia passado – baseados em
suas próprias deliberações. Eles estavam a calcular quando e o quanto
deveriam intervir diretamente na História. Seu conhecimento do que
estava por vir era incompleto, e tornando-se ainda mais incompleto com
o passar de cada era. No fim, eles equivocaram-se (na verdade, eles
calcularam mal mais de uma vez, mas Ilúvatar precisou intervir
diretamente ao menos em duas ocasiões para preservar a ordem natural).

O que parece ser profecia em muitas ocasiões, assim, resulta da
imposição, quando é o produto de uma vontade maléfica como as de Melkor
ou Sauron; ou da previsão, o cálculo do que deve ou pode vir a
suceder-se baseado no conhecimento sobre os acontecimentos e pessoas;
ou do pré-conhecimento, que é derivado da Música, da Visão, ou
Ilúvatar; ou de Ilúvatar propriamente dito. Apenas deste é a verdadeira
predição profética, mas profecia não é simplesmente predição. Profecia
em seu sentido mais completo é revelação. Caso os Valar revelem algo a
Elfos ou Homens, eles estão transmitindo conhecimento profético ou
previsão.

As limitações da previsão podem explicar por que Tom
Bombadil não pôde oferecer aos Hobbits, muitos conselhos acerca de seu
caminho. Ele não acreditava que os Nazgûl fossem incomodá-los durante
um longo tempo (ele estava, na verdade, errado). Os Nazgûl estavam
vigiando Bri quando Frodo e seus companheiros chegaram. Tom estava
aparentemente contando com seu conhecimento sobre a região e as
criaturas que conhecia. Sua experiência com os Nazgûl era limitada, e
então, ele não era muito bom para predizer o que eles poderiam vir a
fazer. E ele disse tanto quanto podia aos Hobbits.

A incerteza
das predições de Tom é compável com a incerteza das revelações do
Espelho de Galadriel. Sua pequena bacia cheia dágua claramente revela
acontecimentos, então as visões de Frodo e Sam percebem nele são
profecias verdadeiras. Mas Galadriel os alerta que não é fácil
descernir em que ocasiões as revelações são sobre o passado, o
presente, ou o futuro. E ela também aponta que nem tudo "predito" pelo
espelho vêm a acontecer. Então, qual a fonte das visões do espelho?
Estará a magia de Galadriel captando pensamentos aleatórios de Ainur
que dormem? Ou estaria Ilúvatar distribuindo visões como
biscoitos-da-sorte?

Internamente ao Conto do Tempo, profecias
desempenham um papel variado que informa e ilumina, mas isso não
domina. Em mãos erradas isso é tanto uma ferramenta de imposição,
quanto evidência de imposição. Mas em boas mãos são um sinal do
contínuo interesse e intervenção de Ilúvatar, que sozinho sabe como
tudo irá arrumar-se. Mas, apesar de tudo, ele permite a todos os Filhos
de seu pensamento, tanto Ainur quando Encarnados, que tomem suas
próprias decisões.

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