um compêndio de com diversos ensaios acadêmicos sobre a vida e obra de
Tolkien. Em seu volume 4, lançado recentemente, temos um artigo que
deve interessar a todos nós: Tolkienian Linguistics: The First Fifty Years, escrito por Carl F. Hostetter, contando a história da lingüística tolkieniana de 1954 até 2007.
Uma pequena apresentação sobre Hostetter: nascido em 1965, ele passou a ter interesse nas línguas de Tolkien ainda na high school
(p. 31), mas começou a acompanhar o cenário acadêmico tolkieniano no
início da década de 1980 (p. 36). Começou como co-editor do jornal
Vinyar Tengwar em 1989, aos 24 anos, e assumiu como único editor a
partir do volume 10. Ele trabalha como cientista da computação no
Goddard Space Flight Center da NASA.
Hostetter apresenta a história da lingüística tolkieniana como uma
série de estágios e interlúdios, sendo o primeiro estágio o de
“leitores e correspondentes”. O primeiro volume d’O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel,
foi publicado na Inglaterra em 1954, e já em setembro de 1955 Tolkien
recebia cartas de fãs o questionando sobre funções das línguas élficas
e da Fala Negra de Mordor. Ele nota que, embora as explicações de
Tolkien não fossem muito fáceis de decifrar, um leitor “com uma mente
lingüística” podia decifrar as tengwar. (p. 1) Esse foi o estágio onde a lingüística tolkieniana se manteve até os anos 1960, onde uma versão pirata d’O Senhor dos Anéis foi publicada nos Estados Unidos e a sua popularidade foi às alturas.
O primeiro interlúdio é um tanto cômico, e não é tão alienígena nos
nossos dias também. Aparentemente havia um certo número de pessoas que
buscavam significados alegóricos nos nomes criados por Tolkien, gerando
conexões entre as línguas do Professor e as línguas reais para
descobrir o que a história “realmente significava” (p. 3). Na nota 6
Hostetter nos aponta a um exemplo particularmente absurdo, onde Robert
Giddings e Elisabeth Holland chegaram à conclusão de que Ash nazg (Um Anel) vinha de Ashpenaz,
“o mestre de eunucos babilônio no Livro de Daniel, um belo comentário
sobre os Espectros do Anel, que parecem ter perdido sua virilidade
junto com sua força de vontade.” (J.R.R. Tolkien: The Shores of Middle-earth, 1981, p. 159)
O segundo estágio listado por Hostetter é de longe o que mais inspira: “jornais e livros” mostra o surgimento dos jornais Parma Eldalamberon em 1971 (pela Mythopoeic Linguistic Fellowship, um grupo especial dentro da Mythopoeic Society) editado por Paula Marmor; e Tolkien Language Notes, publicado por Jim Allan em 1974. Ambas publicações se uniram para lançar um livro que revolucionaria o campo, chamado An Introduction to Elvish, de Jim Allan, com contribuições de Marmor, Laurence J. Krieg, Christopher Gilson e Bill Welden.
Hostetter tem claramente uma reverência por esse trabalho acima de
qualquer outro, e não poderia ser diferente, pois ele é realmente
espetacular. Embora tenha sido lançado em 1978, um ano após a
publicação d’O Silmarillion, An Introduction to Elvish
foi terminado um ano antes, o que limitava severamente a quantidade de
material disponível para análise pelo grupo (que consistia em O Senhor dos Anéis e The Road Goes Ever On
praticamente). Outro fator notável é como ficam claras as condições
primitivas sob as quais o trabalho foi feito: é fácil esquecer que não
haviam computadores disponíveis na época, sendo o trabalho feito todo
na máquina de datilografia. Mesmo assim, é espetacular como a
apresentação é clara, a informação é apresentada com um rigor acadêmico
esplêndido, além de uma certa quantidade da informação ainda ser válida
hoje. Uma olhada rápida por esse livro foi o suficiente para me deixar
constrangido com a quantidade minúscula de informação que eu poderia
produzir com todos os recursos avançados que possuo, mas não o faço.
Digno de nota são os nomes Christopher Gilson e Bill Welden. Gilson é hoje o editor do jornal Parma Eldalamberon (PE),
que ainda está na ativa após 36 anos! Bill Welden também teve um artigo
publicado na primeira edição do jornal; como Gilson, ele continua ativo
e ocasionalmente ainda se comunica através da lista Elfling, fora seu
trabalho como co-editor dos diversos textos novos de Tolkien que
aparecem no PE e no Vinyar Tengwar (VT) até hoje.
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O segundo interlúdio é o livro The Languages of Tolkien’s Middle-earth, de Ruth S. Noel, lançado em 1980. Ele parece ser a antítese de An Introduction to Elvish.
Segundo Hostetter, por ter sido publicado por uma editora maior do que
a de Allan, o livro de Noel “foi na era pré-internet o meio mais
acessível através do qual entusiastas da lingüística tolkieniana
poderiam saber que havia outros com os mesmos interesses por aí, e
então nutrir o mesmo. Mas ninguém deveria se apoiar neste livro para
informação sobre as línguas élficas.” (p. 8-9)
O terceiro estágio viu o surgimento do jornal Quettar, da Tolkien Society inglesa, que segundo Hostetter (p. 9):
"[O jornal Quettar] tornou-se por um tempo o herdeiro de facto do primeiro estágio da lingüística tolkieniana que culminou com An Introduction to Elvish e das práticas acadêmicas estabelecidas por ele e pelo Parma Eldalamberon: para
nomear, citação de evidências, atenção aos detalhes fonológicos,
justificativa para alegações fonológicas e morfológicas através de
exemplos de evidências atestadas, e assim por diante. Um foco
particular durante os primeiros anos nas tengwar, especialmente nos modos fonêmicos delas, logo trouxeram a eles a honra de publicar a primeira tabela numerais tengwar escrita por Tolkien conhecida pelo público, que foi transcrita e enviada ao editor por Christopher Tolkien."
Hostetter nota que na época, com a publicação d’O Silmarillion, Contos Inacabados e As Cartas de J.R.R. Tolkien entre 1977 e 1981 traziam informações lingüísticas que se encaixavam no Quenya e Sindarin apresentados n’O Senhor dos Anéis,
o que levava todos a crer que as línguas tolkienianas surgiram prontas
na cabeça do autor, embora alguns indicativos como a revisão de omentielmo para omentielvo na 2ª edição do livro indicassem que as línguas evoluíram durante a vida de Tolkien.
Isso mudou com a publicação do ensaio A Secret Vice em 1983. Lá, três versões distintas do poema Oilima Markirya
(A Última Arca) foram apresentadas, exibindo claramente que as versões
dos anos 1930 eram bem diferentes da versão de 1970. Alguns, diz
Hostetter, acreditavam que as versões em Qenya eram imcompatíveis com a
em Quenya. Ambos os exemplos ficaram conhecidos como “Quenya pré-SdA” e “Quenya do SdA“. Sobre isso, diz Hostetter (p. 11):
"Implícita nesta divisão está a posição de que o “Quenya d’O Senhor dos Anéis” era todo uma peça, que o Quenya havia alcançado uma forma fixa, final, à época que Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis e não sofreu alterações substanciais mais tarde; e ainda mais a posição de que o “Qenya pré-Senhor dos Anéis”
era ainda experimental e imperfeito em comparação, e essencialmente não
tinha … importância para as funções ou compreensão do Quenya tardio."
Depois, Hostetter diz que essa noção não era compartilhada por
todos, já que “em matéria de lingüística, diferenças não são
necessariamente incompatibilidades” (p. 11). Aqueles que compartilhavam
a primeira visão eram chamados de “Concepcionistas”, por não crerem que
as versões mais antigas das línguas Tolkienianas eram compatíveis com
as mais tardias. Os últimos foram chamados de “Unificadores”, por
crerem que as versões mais antigas não eram necessariamente
incompatíveis com as versões mais tardias, e poderiam revelar
informações sobre as línguas de Tolkien. O Parma Eldalamberon apoiava a causa “unificadora”, enquanto o jornal Quettar apoiava os “concepcionistas”.
A divisão tornou-se maior através dos anos 1980, diz Hostetter, com a publicação dos volumes I e II de The Book of Lost Tales em 1983 e 1984, com um vocabulário extenso do Qenya e do Goldogrin, e The Lost Road em 1987, com as Etimologias. Ele cita o jornal Quettar 33 dizendo que a gramática do Qenya era irreconciliável com a do Quenya d’O Senhor dos Anéis, e que as Etimologias deveriam ser garimpadas para novo vocabulário. Enquanto isso, no Parma Eldalamberon 7 foi publicado um poema chamado Im Naitho, unindo o vocabulário encontrado no Gnomish Lexicon de 1917, Etimologias de 1937 e o Sindarin d’O Senhor dos Anéis, com a gramática do Sindarin.
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Em 1990, ambos os lados pareceram chegar a um consenso de que, só
porque uma palavra ou função gramatical não apareceram no material
tardio, não significa que ela tenha sido necessariamente descartada.
“[A] inexistência de evidência logicamente não sendo equivalente a
prova de inexistência.” (p. 13)
Em 1988, o novato Jorge Quiñónez propôs à Mythopoeic Society que
reabrisse seu grupo de interesse especial lingüístico, formando a
Elvish Linguistic Society. No lançamento do jornal Vinyar Tengwar, os seguinte membros fundadores foram listados: Arden Smith, que era especializado nas tengwar; Christopher Gilson e Bill Welden; Tom Loback, com interesse em nomenclatura; Patrick Wynne, que contribuía para os jornais Mythlore e Beyond Bree
a cinco anos; e Paul Nolan Hyde, que estava desenvolvendo um banco de
dados de palavras élficas, além de escrever há seis anos para a Mythlore.
O terceiro interlúdio foi um pouco melhor do que os outros: viu o surgimento do curso Basic Quenya, por Nancy Martsch no jornal Beyond Bree.
Hostetter nota que Martsch tinha uma política rígida sobre as fontes
que utilizava: aceitava apenas as formas que apareceram em publicações
enquanto Tolkien ainda estava vivo, tornando suas fontes tão limitadas
quanto An Introduction to Elvish, mas por opção. Em março de
1989, como parte do curso, foi publicado pela primeira vez a Carta
Plotz, uma explicação enviada por Tolkien a Dick Plotz (primeiro
presidente da Tolkien Society of America) de como funcionava o sistema
de casos do Quenya.
Por outro lado, Paul Nolan Hyde começou a compilar todas as palavras
élficas encontradas em todas as publicações de Tolkien para criar um
grande banco de dados, que foi publicado privadamente sob o nome Tolkien Working Glossary (1989) e, no mesmo ano, também foi publicado o Working Reverse Dictionary, que invertia a ordem das letras das palavras élficas, tornando a comparação de palavras muito fácil (periannath era invertido para htannairep, por exemplo, facilitando encontrar palavras com a desinência coletiva do Sindarin -ath). Outras contribuições notáveis de Hyde foram as publicações do texto completo do poema Narqelion e um facsimile de uma tabela antiga das Runas de Gondolin, no jornal Mythlore 56 e 69 respectivamente, enviados a Hyde pelo próprio Christopher Tolkien.
Antes do quarto estágio, mais dois interlúdios. O primeiro é uma
apresentação da entrada do autor do artigo, Carl Hostetter, no cenário.
Nada mais justo, já que ele tem um papel central na comunidade hoje,
mesmo sendo o membro “mais recente” da Elvish Linguistic Fellowship.
Ele diz que o seu interesse era puramente analítico, e sentia-se
confortável em deixar de lado a discussão “concepcionistas vs.
unificadores”. Ele fala em nota (p. 36):
"Certamente, a princípio eu não tinha intenção de
escrever artigos ou qualquer expectativa de que eu poderia contribuir
com algo novo para os estudos acadêmicos. Eu lembro que inicialmente, e
particularmente enquanto me familiarizava com a parte acadêmica de An Introduction to Elvish, Parma Eldalamberon
e Quettar, eu sentia que praticamente tudo que poderia ser feito em
termos de análise, dedução e conclusão da evidência disponível, havia
sido feito: tudo que havia a fazer, parecia a mim (quão errado eu
estava!) era simplesmente coletar, ordenar, indexar e anotar todo o
material publicado."
Hostetter também conta como Christopher Tolkien, após muito trocar
correspondências com Christopher Gilson e ele, enviou em 1992 as
fotocópias do Gnomish Lexicon de 1917 para publicação no Parma Eldalamberon. O acordo entre eles é que o PE publique os escritos de Tolkien de forma cronológica, enquanto o Vinyar Tengwar “publica textos menores, fragmentários, deslocados e/ou textos mais ou menos independentes em contexto” (p. 38).
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O quinto interlúdio conta o lançamento por Julian Bradfield, editor do jornal Quettar, da lista de discussão pela internet TolkLang,
em novembro de 1990. Como as discussões entre os estudiosos acontecia
pelas publicações, essa lista tomou gradualmente o lugar das
publicações, e finalmente culminou com a suspensão do jornal Quettar, em março de 1995.
Finalmente, o quarto e último estágio foi chamado por Hostetter como
“Acadêmicos e Falantes; ou, Élfico e Neo-Élfico”. Aqui é quando as
coisas começam a ficar feias: Hostetter não consegue tocar no assunto
Helge Fauskanger e David Salo sem assumir uma postura agressiva, e dá
para sentir: os seus parágrafos ficam longos, suas frases
intermináveis. É possível visualizar o rosto dele avermelhando e as
artérias do pescoço saltando, embora eu nunca tenha visto uma foto do
homem. Diz Hostetter sobre a maneira com que ele vê o estudo das
línguas élficas desde a primeira tentativa de Anthony Appleyard em 1992
na TolkLang de sistematizar as línguas élficas (p. 18):
"Primeiro, há a preocupação de rotular e dar uma (única)
função a todas as flexões gramaticais atestadas (ou supostas)….
Segundo, há uma preocupação concomitante em “preencher os espaços” na
gramática (reais ou supostos ….)…. Terceiro, uma preocupação com evitar
(supostas) “incompatibilidades” e “ambigüidades” em formas e funções.
Quarto, há uma vontade pronta de rejeitar ou até rotular como erros
autorais formas que não se encaixam nas noções preconceitualizadas de
fonologia e gramática…. Quinto, há uma promoção da “completude”,
“extensão” e uso das línguas de Tolkien através da criação de novas
formas de materiais existentes, combinado com, seis, pronta rejeição,
como “obsoletas”, de palavras e formações atestadas apenas nos
materiais mais antigos em favor de formas diferentes em textos tardios,
tendo significados iguais ou similares. Isto é acompanhado por, sete ….
a incorporação de formas, de qualquer estágio conceitual (embora muito
freqüentemente do início dos anos 1930), consideradas “necessárias” ou
“úteis”."
Sim, eu ainda reduzi o tamanho do parágrafo.
Continuando com a história, é anunciado em maio de 1997 na TolkLang
o site Ardalambion, de Helge Fauskanger, com a intenção de prover
“descrições padronizadas atualizadas das línguas de Tolkien”. Hostetter
discute como, em sua opinião, a Ardalambion tem um grande obstáculo de
que “Tolkien, ele mesmo, nunca se decidiu por uma única forma
‘padrão’ de suas línguas” (p. 19). Essa verdadeira “Malhação de Judas”
continua até a página 21, onde Hostetter finalmente tem algo bom a
dizer sobre a Ardalambion:
"Para ter certeza, a Ardalambion é, apesar de
suas deficiências metodológicas, um trabalho impressionante, refletindo
um imenso aprendizado, trabalho e paixão pelas línguas de Tolkien. Em
seu escopo, detalhe e apresentação, é sem sombra de dúvidas de longe a
melhor e mais compreensiva introdução às línguas de Tolkien disponível
hoje, em qualquer formato. Mas considerando-se suas deficiências, deve
ser utilizado apenas como uma introdução, não um substituto
para o estudo e citação dos trabalhos do próprio Tolkien, os quais em
vários locais ela falha em refletir de forma exata."
Como uma nota paralela, gostaria de dizer que concordo com o
Hostetter nesta questão. Contudo, acho uma imensa falta de tato por
parte dele com seus leitores iniciar o assunto com um
ímpeto digno de Fëanor vs. Fingolfin, para apenas no fim tecer um
elogio, por mais sincero que ele seja (não é o primeiro: Hostetter
indica em seu site o Curso de Quenya como a melhor introdução à
lingüística tolkieniana disponível). O Helge não é nenhum santo também,
mas o Tu Quoque é inaceitável.
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Mais uma página passa com Hostetter falando um pouco mais sobre os
problemas da Ardalambion e os resultados disso no campo da lingüística
tolkieniana; principalmente a falta de citação de fontes e a não
utilização de qualquer símbologia, como o asterisco [*], para denotar
uma forma especulada, ao contrário de uma forma atestada, etc., prática
que era utilizada por jornais como o Parma Eldalamberon e Quettar,
apesar das suas diferenças ideológicas. Até que, em algum ponto da
página 22, ele menciona a formação em setembro de 1998 por David Salo
da lista de discussão Elfling. Essa lista, segundo Hostetter, tornou-se
o ponto de encontro dos praticantes do Neo-Élfico, como começou a ser
chamado o ramo que tem o foco principal na composição de novos textos e
na criação de uma gramática e vocabulário unificados para tal.
Hostetter fala que, apesar do que ele faz parecer com suas ações,
ele não condena a prática do Neo-Élfico, citando um exemplo próprio: no
VT32 (1993) ele e Patrick Wynne tentaram traduzir o Pai Nosso para o Quenya; no VT43
(2002) eles publicaram seis versões criadas por Tolkien para o Pai
Nosso, nenhuma das quais se assemelhava à tradução publicada pelos
dois. Também ele diz não ter nada contra a escolha a dedo de quais
fontes utilizar ou não para a criação de composições “pós-Tolkien”, mas
ele vê isso como uma forma de expressão artística, não uma forma de
estudo acadêmico. (p. 40)
Na página 25, Hostetter pausa novamente em sua doutrinação acadêmica
para contar da criação da lista Lambengolmor, em maio de 2002, como um
fórum para discussão puramente acadêmica das línguas de Tolkien. Hoje a
lista tem 900 membros e aproximadamente 1.000 mensagens, todas
rigorosamente lidas antes de serem aprovadas para inclusão. Notando
também que alguns ensaios maiores, que não caberiam bem em formato de
e-mail, precisavam de um espaço dedicado, haja vista os jornais Parma Eldalamberon e Vinyar Tengwar agora trabalhavam apenas com a publicação de material inédito de Tolkien, Hostetter criou o jornal online Tengwestië em dezembro de 2003. Os trabalhos divulgados no Tengwestië vem sendo principalmente sobre o gnômico e o Noldorin das Etimologias.
No sexto e último interlúdio, Hostetter fala de uma verdadeira lenda em forma de livro: A Gateway of Sindarin,
de David Salo, sobre o qual muito se conversava e pouco se sabia, até
que no final de 2004 foi lançado. De forma geral, o livro foi uma
decepção para muitos, como o criador do Curso de Sindarin, Thorsten
Renk. Lembro-me claramente que as principais reclamações eram do
exagerado vocabulário técnico para um conteúdo desnecessariamente
simplificado.
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O pior é que Salo altera as formas dadas pelo próprio Tolkien, para
que elas se acomodem às suas teses. O exemplo mais gritante é a frase caro den i innas lin bo Ceven “seja feita sua vontade na Terra”, na tradução para Sindarin do Pai Nosso feita por Tolkien e publicada no Vinyar Tengwar 44. Citando Hostetter (p. 27):
"Salo dá (p. 231): caro den i innas lín bo Geven; isto é, Salo alterou a palavra Ceven para Geven. Nem esta alteração é apenas um inocente erro tipográfico: Salo escreve (231) que seu bo Geven “na Terra” “na verdade parece ser escrito bo Ceven no texto, mas já que a preposição [bo ‘na’] parece ter terminado originalmente em uma vogal … uma mutação suave c > g deve ser esperada aqui.” O que é tão marcante aqui é a vontade de Salo de alterar o que Tolkien escreveu, ou seja, a informação real para o Sindarin, apenas para fazê-la encaixar-se nas suas teorias."
Hostetter indica como Salo poderia ter procedido, já que Ceven em letra maiúscula indica um nome próprio (logo abaixo há Menel
“Céu” também), o que poderia indicar um comportamento diferente para
tais substantivos em situações onde poderiam sofrer mutação.
Em sua conclusão, Hostetter lembra que em 2005 ocorreu a Omentielva Minya
(Quenya, “Primeiro Encontro”) na cidade de Estocolmo, na Suécia,
marcando os 50 anos do ramo da lingüística tolkieniana. Este ano,
aliás, acontecerá a Omentielva Tatya na Antuérpia, Bélgica,
novamente com a organização do já venerável Bill Welden e Anders
Stenström. O autor nota que, apesar das diferenças ideológicas, o ramo
está cada vez mais forte e atrai cada vez mais interessados.
Hostetter lembra que muito material publicado há décadas ainda não
foi propriamente revisto. As Etimologias ainda receberam algumas
análises no jornal Tengwestië, mas elas se limitaram a alguns
poucos assuntos relacionados ao Noldorin: já o Quenya não possui
qualquer análise. O alemão Thorsten Renk fez alguns ensaios sobre o
Qenya Lexicon em seu site, Parma Tyelpelassiva, mas neste campo ele
parece estar solitário. Há muito trabalho a ser feito e, segundo
Hostetter, a cada publicação, o cenário lingüístico tolkieniano cresce
em complexidade.
Em conclusão, The First Fifty Years é um relato maravilhoso
sobre uma época com a qual poucos estudiosos atuais tiveram contato.
Infelizmente, devido à afiliação de Hostetter com Gilson e Welden, as
vezes sentimos uma certa parcialidade à causa “unificadora”, e ao
chegar na sua época, o autor é incapaz de manter um mínimo de
imparcialidade, o que torna a leitura ofensiva em certo momento. Mesmo
assim, vale pela primeira metade e, também, pelas notas, que são mais
divertidas do que o próprio texto, já que Hostetter parece “abaixar a
guarda” quando as escreveu.