E se quase tudo que que você leu no O Silmarillion fosse diferente? É isso que você pode ler abaixo, em um texto de J. R. R. Tolkien datado de 1951 e incluído na seção Mitos Transformados do The History of Middle-earth X . O Sol surge junto com a Terra (e não é fruto das Duas Árvores), Arda se refere a todo o Sistema Solar e há citações sobre os “Filhos de Deus”. Os comentários em itálico e as notas são de Christopher Tolkien.
II
Este é um texto de natureza mais problemática, um manuscrito a tinta que se divide em duas partes, ambas claramente associadas: uma discussão, com propostas para a “regeneração” da mitologia; e uma narrativa abandonada. Nenhuma das duas possui título ou cabeçalho.A Criação do Sol e da Lua deve ocorrer muito antes da chegada dos Elfos; e não pode acontecer após a morte das Duas Árvores – se isso de alguma forma aconteceu em conexão com a permanência temporária dos Noldor em Valinor. O tempo disponível é curto demais. Tampouco poderiam existir florestas e flores etc. na terra, se não houve luz desde a derrubada das Lâmpadas! (1)
Mas como poderiam, apesar de tudo, os Eldar serem chamados de “Povo da Estrela”?
Uma vez que se supõe que os Eldar são mais sábios e tem um conhecimento mais verdadeiro da história e natureza da Terra do que os Homens (ou os Elfos Selvagens), suas lendas deveriam ter uma relação mais próxima com o conhecimento agora possuído, pelo menos da forma do Sistema Solar (= Reino de Arda) (2); embora ele não precise, é claro, seguir qualquer teoria “científica” de sua criação ou desenvolvimento.
Portanto parece claro que a mitologia cosmogônica deve representar Arda como ela é, mais ou menos: uma ilha no vazio “entre as inumeráveis estrelas”. O Sol deve ser contemporâneo com a Terra, embora seu tamanho relativo não precise ser considerado, enquanto que a revolução aparente do Sol sobre a terra será aceita. *
(* [nota marginal] É ou seria de qualquer forma um “fato da vida” para qualquer inteligência que escolhesse a Terra como um lugar de vida e trabalho. [Não há indicação de onde isto deveria ir, mas nenhum outro lugar na página parece adequado.])
As Estrelas, portanto, em geral serão partes distintas e mais remotas do Grande Conto de Eä, que não dizem respeito aos Valar de Arda. Contudo, mesmo se não explicitamente, será uma premissa implícita que o Reino de Arda é de importância central, selecionado entre toda a imensurável vastidão de Eä como cenário para o drama principal do conflito de Melkor com Ilúvatar e os Filhos de Eru. Melkor é o supremo espírito de Orgulho e Revolta, não apenas o principal Vala da Terra, que se voltou para o mal (3).
Varda, conseqüentemente, como um dos grandes Valar de Arda, não pode ser dita ter “acendido” as estrelas, como um ato subcriativo original – pelo menos não as estrelas em geral (4).
A História, parece, deve seguir uma linha como esta. A entrada dos Valar em Eä no começo do Tempo. A escolha do Reino de Arda como seu principal local de moradia (? pelos maiores e mais nobres dos Ainur (5), a quem Ilúvatar tinha intenção de encarregar do cuidado do Eruhíni). Manwë e seus companheiros evitam Melkor e começam a ordenação de Arda, mas Melkor procura por eles e afinal encontra Arda (6), e disputa o reinado com Manwë.
Este período irá, grosseiramente, corresponder às supostas épocas primevas antes da Terra se tornar habitável. Um tempo de fogo e cataclismos. Melkor desordenou o Sol de forma que em certos períodos ele era quente demais, e em outros frio demais. Se isto foi devido ao estado do Sol ou alterações na órbita da Terra, não é necessário ser definido precisamente: ambos são possíveis.
Mas após uma batalha Melkor é expulso da própria Terra. (A Primeira Batalha?). Ele percebe que pode adentrar apenas com grande secritude. Neste tempo ele começa a se voltar principalmente para o frio e a escuridão. Seu primeiro desejo (e arma) foi fogo e calor. Foi no controle da chama que Tulkas (? originalmente Valar do Sol) o derrotou na Primeira Batalha. Então Melkor vinha principalmente à noite e especialmente ao Norte e no inverno. (Foi após a Primeira Batalha que Varda fixou certas estrelas como sinais ameaçadores para os habitantes de Arda verem).
Para se opor a isto os Valar fizeram a Lua. De matéria terrena ou do Sol? Ela deve ser uma luz subsidiária para mitigar a noite * (como Melkor a havia feito), e também um “veículo de observação e proteção” para circundar o mundo (7). Mas Melkor reuniu no Vazio espíritos de frio etc. e repentinamente a atacou, expulsando o Valar Tirion (8). A Lua ficou, depois disso, por muito tempo sem condutor e sem rumo e foi chamada Rana (neutro) (9).
(* [nota marginal] Mas não para eliminá-la. Era necessário ter uma alternação, “porque em Eä de acordo com o Conto nada pode perdurar eternamente sem cansaço e corrupção”).
[Se Tulkas veio do Sol, então Tulkas foi a forma que este Vala adotou na Terra, sendo em origem Auron (masculino). Mas o Sol é feminino; e é melhor que o Vala seja Áren, uma dama que Melkor pretendeu tornar sua esposa (ou violou) (10); ela se elevou em uma chama de fúria e tormento e seu espírito foi liberado de Eä, mas Melkor foi enegrecido e queimado, e sua forma depois disso foi escura, e ele se associou à escuridão. (O próprio Sol era neutro Anar ou Úr, comparar com Rana, Ithil.)]
O Sol permaneceu um Fogo Solitário, maculado por Melkor, mas após a morte das Duas Árvores Tilion retornou à Lua, que permaneceu portanto um inimigo de Melkor e seus servos e criaturas da noite – e portanto mais tarde amada pelos Elfos etc.
Após a captura da Lua Melkor começou novamente a ser mais corajoso. Ele estabelece moradas permanentes no Norte, profundamente abaixo da terra. Dessas moradas ele procede à secreta corrupção que perverte os trabalhos dos Valar (especialmente de Aulë e Yavanna).
Os Valar ficam cada vez mais fatigados. Finalmente descobrindo Melkor e onde ele habitava procuram expulsá-lo novamente, mas Utumno se prova forte demais.
Varda preservara um pouco da Luz Primordial (sua principal preocupação original no Grande Conto). As Duas Árvores são criadas. Os Valar fazem seus locais de repouso e moradia em Valinor, no Oeste.
Um dos objetivos das Árvores (como mais tarde das Jóias) era a cura dos ferimentos de Melkor, mas isto poderia facilmente ter um aspecto egoísta: a permanência da história – não indo adiante com o Conto. Este efeito elas tiveram nos Valar. Eles se tornaram mais e mais enamorados de Valinor, e iam para lá mais freqüentemente e ficavam mais tempo. A Terra-média foi deixada com poucos cuidados, e muito pouco protegida contra Melkor.
Ao final dos Dias de Felicidade, os Valar encontraram a mesa virada. Eles foram expulsos da Terra-média por Melkor e seus espíritos malignos e monstros; e apenas podiam ir para a Terra-média secreta e brevemente (principalmente Oromë e Yavanna).
Este período deve ser breve. Ambos os lados sabem que a chegada dos Filhos de Deus é iminente. Melkor deseja dominá-los imediatamente com medo e escuridão e escravizá-los. Ele escurece o mundo [adicionado na margem: por 7 anos?] eliminando toda a visão do céu tanto quanto pode, e no extremo sul (é dito) isto não foi efetivo. Desde o extremo Norte (onde [eram] densas) até o meio (Endor) (11) grandes nuvens surgiram. A Lua e as estrelas estão invisíveis. O dia é apenas um pálido crepúsculo quando muito. A única luz [está] em Valinor.
Varda se eleva em poder com Manwë dos Ventos e lutam contra a Nuvem da Não-Visão. Mas tão rápido quanto ela se parte Melkor fecha a cobertura novamente – ao menos sobre a Terra-média. Então vem o Grande Vento de Manwë, e a cobertura é aberta. As estrelas brilham claras mesmo no Norte (Valakirka) e após a longa escuridão parecem terrivelmente brilhantes.
É na escuridão logo antes disso que os Elfos acordam. As primeiras coisas que eles vêem na escuridão são as estrelas. Mas Melkor traz negrumes do Leste e as estrelas desaparecem no oeste. Por isso eles pensaram desde o início da luz e beleza no Oeste.
A Chegada de Oromë.
A Terceira Batalha e o aprisionamento de Melkor. Os Eldar vão para Valinor. As nuvens lentamente se dispersam após a captura de Melkor, embora Utumno ainda as expila. É mais escuro a leste, mais distante do sopro de Manwë.
A Marcha dos Eldar é através de grandes Chuvas?
Homens despertam em uma Ilha em meio às inundações e portanto saúdam o Sol que parece vir do Leste. Apenas quando o mundo está mais seco eles deixam a Ilha e se espalham.
São apenas os Homens que encontraram Elfos e ouvem os rumores sobre o Oeste que vão naquela direção. Pois os Elfos disseram: “Se você se delicia no Sol, deve andar no caminho que ele faz”.
A chegada dos Home portanto seria bem antes (12).
Isto será melhor; pois meros 400 anos são bastante inadequados para produzir a variedade e os avanços (por exemplo dos Edain) ao tempo de Felagund (13).
Homens devem acordar enquanto Melkor ainda está em Arda? – devido à sua Queda (14). Portanto em algum momento durante a Grande Marcha.
O texto acaba aqui. Agora se segue e a narrativa associada, idêntica em aparência à discussão anterior (ambos estão escritos na mesma caligrafia bastante incomum).
Após os Valar, que antes eram os Ainur da Grande Música, terem entrado em Eä, aqueles que eram os mais nobres entre eles e compreendiam mais a mente de Ilúvatar procuraram em meio as imensuráveis regiões do Início por aquele lugar onde deveriam estabelecer o Reino de Arda no tempo que viria. E quando eles escolheram aquele ponto e região onde deveria ela deveria existir, começaram os trabalhos que eram necessários. Existiam outros, incontáveis para nosso pensamento mas cada um conhecido e numerado na mente de Ilúvatar, cujos trabalhos ficavam em outros locais e em outras regiões e histórias do Grande Conto, entre estrelas remotas e mundos além do alcance do pensamento mais distante. Mas destes outros não sabemos nada e não podemos saber, embora os Valar de Arda, talvez, lembrem-se de todos eles.
Líder dos Valar de Arda era aquele a quem os Elfos mais tarde chamaram Manwë, o Abençoado: o Rei Mais Antigo, uma vez que ele foi o primeiro de todos os reis em [Arda>] Eä. Irmão dele era Melkor, o poderoso, e ele havia, como fora contado, caído no orgulho e no desejo de seu próprio domínio. Portanto os Valar o evitaram, e começaram a construção e ordenamento de Arda sem ele. Por essa razão é dito que apesar de agora existir grande mal em Arda e muitas coisas dentro dela estarem em discórdia, de forma que o bem para um parece ser o mal para outro, as fundações deste mundo são boas, e se voltam naturalmente para o bem, curando a si mesma com o poder que foi colocada nela em sua criação; e o mal em Arda falharia e desapareceria se não fosse renovado de fora: isto é : aquele que vem de vontades e ser [sic] outros que não a própria Arda.
E como é bem sabido, o primeiro dentre estes é Melkor. Apesar de serem imensuráveis as regiões de Eä, ainda assim no Início, quando ele poderia ter sido Mestre de tudo que fora feito – pois muitos dos Ainur da Música estavam dispostos a segui-lo e servi-lo, se ele os chamasse – mesmo assim ele não estava satisfeito. E ele procurou por Arda e Manwë, seu irmão, desejando seu reinado, embora pequeno ele pudesse parecer ao seu desejo e ao seu poder; pois ele sabia que àquele reino Ilúvatar designou a maior realeza em Eä, e sob o reino daquele trono surgiriam os Filhos de Deus. E em seu pensamento ele se enganava, pois o mentiroso deve mentir para si mesmo, ele acreditava que sobre os Filhos ele deveria ter poder absoluto e ser deles o único senhor e mestre, de maneira como ele não poderia ser para espíritos de sua própria estirpe, mesmo os subservientes a ele. Pois eles sabiam que o Um É, e devem aquiescer com a rebelião de Melkor por sua própria escolha; enquanto que ele planejava esconder dos Filhos este conhecimento e ser para sempre uma sombra entre eles e a luz.
Melkor não concebia a si mesmo como uma sombra. Pois em seu início ele amava e desejava a luz, e a forma que ele assumiu era excessivamente brilhante; e ele disse em seu coração: “Em tal brilho como o que eu sou os Filhos dificilmente suportarão olhar; portanto o conhecimento de algo mais ou além ou mesmo forçar suas pequenas menter a entender isso não seria bom para deles”. Mas o brilho menor que fica perto de um maior se torna uma escuridão. E Melkor estava ciumento, portanto, de todos os outros brilhos, e desejava tomar toda a luz em si mesmo. Por isso Ilúvatar, na entrada dos Valar em Eä, adicionou um tema à Grande Música que não estava no primeiro Cantar, e chamou um dos Ainur a ele. Este era o Espírito que mais tarde se tornou Varda (e tomando forma feminina veio a ser a esposa de Manwë). A Varda Ilúvatar disse: “Eu te darei um presente de despedida. Deverás levar a Eä uma luz que é sagrada, vindo nova de Mim, não maculada pelo pensamento e desejo de Melkor, e contigo ela deverá entrar em Eä, e ser em Eä, mas não de Eä”. Por esta razão Varda é o mais sagrado e mais reverenciado de todos os Valar, e aqueles que dizem o nome da a luz de Varda dão nome ao amor que Eru tem por Eä, e ficam temerosos, menos apenas do que de nomear o Um. Apesar de tudo este presente de Ilúvatar aos Valar tem seu próprio perigo, assim como todos os seu presentes gratuitos: que no final nada mais é do que dizer que eles têm uma parte no Grande Conto, de forma que este possa ser completo; pois sendo sem perigo eles seriam também sem poder e o ato de dar seria vazio.
Quando então finalmente Melkor descobriu a morada de Manwë e seus amigos e foi para lá com grande rapidez, como um fogo ardente. E vendo que grandes trabalhos já haviam sido realizados em o seu conselho, ele se enfureceu, e desejou desfazer tudo que fora feito ou alterar de acordo com sua própria mente.
Mas isto Manwë não iria permitir, e portanto houve guerra em Arda. Mas, como está escrito em outro lugar, àquele tempo Melkor foi derrotado com a ajuda de Tulkas (que não estava entre aqueles que começaram a construção de Eä) e foi expulso novamente para o Vazio que circunda Arda. Esta foi chamada a Primeira Batalha; e embora Manwë tenha a vitória, grande dano foi feito ao trabalho dos Valar; e o pior dos feitos da fúria de Melkor podia ser visto no Sol. O Sol foi feito para ser o coração de Arda, e os Valar tinham o propósito de que ele deveria dar luz a todo aquele Reino, incessantemente e sem cansaço ou diminuição, e que de sua luz o mundo deveria receber bem estar e vida e crescimento. Por isso Varda colocou lá o mais ardente e belo de todos aqueles espíritos que haviam entrado com ela em Eä, e que era chamada Ar(i) (15), e Varda deixou sob seus cuidados uma porção do presente de Ilúvatar de forma que o Sol pudesse ser permanente e ser abençoado e dar bênçãos. O Sol, os mestres de conhecimento nos dizem, era no princípio chamado As (que pode ser interpretado da melhor forma possível como Calor, ao qual são assemelhados Luz e Conforto), e que o espírito portanto foi chamado Azië (ou mais tarde Arië).
Mas Melkor, como já foi dito, ansiava por toda a luz, desejando-a ciumentamente para si mesmo. Além disso ele logo percebeu que em As havia uma luz que havia sido oculta dele, a qual tinha um poder, e sobre o qual ele não havia pensado. Portanto, imediatamente cheio de desejo e ira, ele foi até Âs [escrito acima: Asa], e falou a Árië, dizendo: “Eu te escolhi, e deverás ser minha esposa, assim como Varda é para Manwë, e juntos iremos empunhar todo o poder e comando. Então o reino de Arda será meu de fato como de direito, e serás a parceira em minha glória”.
Mas Árië rejeitou Melkor e o refutou, dizendo: “Não fales de direito, coisa que há muito esquecestes. Nem para ti nem apenas por ti Eä foi feita; e não serás Rei de Arda. Cuidado, portanto; pois há no coração de As uma luz na qual não tens parte, e um fogo que não te servirás. Não ponhas tua mão nele. Pois embora teu poder possa destruí-lo, ele irá te queimar e teu brilho será transformado em escuridão”.
Melkor não deu ouvidos ao alerta dela, e falou em sua fúria: “O presente que é negado eu tomo!” e ele violentou Árië, desejando tanto humilhá-la quanto tomar para si os poderes dela. Então o espírito de Árië se elevou como uma chama de tormento e fúria, e partiu para sempre de Arda*, e o Sol foi destituído da Luz de Varda, e foi manchado pelo ataque de Melkor. E ficando por longo tempo sem comando ele queimava com calor excessivo ou ficava frio demais, tão sério era o dano feito a Arda e a forma do mundo foi desfigurada e atrasada, até que com grande esforço os Valar estabeleceram uma nova ordem+. Mas assim como Arie previu, Melkor foi queimado e seu brilho escureceu, e ele não brilhava mais, e a luz doía excessivamente nele, e ele a odiava.
Apesar de tudo Melkor não deixaria Arda em paz; e acima de tudo ele invejava aos Valar suas moradas na Terra, e desejava ferir seus trabalhos lá, ou transformá-los em nada, se pudesse. Portanto ele retornou para a Terra, mas por medo do poder dos Valar e de Tulkas acima de tudo ele, desta vez chegou em segredo. E em seu ódio do Sol ele foi para o Norte à noite no inverno. Inicialmente ele partia quando o longo dia do verão chegava; mas após algum tempo, se tornando corajoso novamente, e desejando um local de moradia seu, ele começou a escavação subterrânea de sua grande fortaleza no extremo Norte, que mais tarde foi chamada Utumno (ou Udun).
(* [nota marginal] De fato alguns dizem que ela foi liberta de Eä.)
(+ [nota marginal] Também alguns dos Sábios disseram que a ordenação de Arda, no que se refere ao local e curso de suas partes, foi desorganizada por Melkor, de forma que a Terra algumas vezes chegava perto demais do Sol, e em outras ficava distante demais.)
Então os Valar, quando ficaram cientes através dos sinais malignos que foram vistos sobre a Terra de que Melkor secretamente retornara, procuram por ele em vão, embora Tulcas e Oromë tenham vagado por toda a Terra-média até o extremo Leste. Quando eles perceberam que Melkor agora usava a escuridão e a noite para seus propósitos, assim como ele anteriormente empunhava a chama, eles se entristeceram, pois era parte de seu planejamento que deveria haver mudanças e alterações na Terra, sem dia perpétuo nem noite sem fim *. Pois através da Noite os Filhos de Arda deverão conhecer o Dia, e descobrir e amar a Luz; e mesmo a Noite deveria a seu próprio modo ser boa e abençoada, sendo um tempo de repouso, e de introspecção, e também uma visão de coisas elevadas e belas que estão além de Arda, mas são ocultas pelo esplendor de Anar. Mas Melkor a transformaria em um tempo de perigos invisíveis, de medo sem forma, uma vigília insegura; ou um sonho assombrado, levando através desespero à sombra da Morte.
(* [nota de rodapé ao texto] Pois isto era demandado pela natureza de Eä e a Grande História de que nada pudesse permanecer imutável no tempo, e coisas que o fizessem, ou parecessem fazê-lo, ou buscassem fazê-lo, se tornariam um cansaço, e não seriam mais amadas (ou, no melhor caso, negligenciadas).)
Por isso Manwë se aconselhou com Varda, e eles chamaram o auxílio de Aulë. E eles resolveram alterar o comportamento de Arda e da Terra, e em seus pensamentos eles conceberam Ithil, a Lua. De que forma e com quais esforços eles criaram este grande artefato de seus pensamentos, quem poderá dizer: pois quais dentre os Filhos viram os Valar no ápice de seus poderes ou ouviu seus conselhos na flor de suas juventudes? Quem observou seus esforços enquanto trabalhavam, quem viu a novidade do novo?
Alguns dizem que foi da própria Terra (16) que Isil foi feita, e assim Ambar (17) foi diminuída; outros dizem que a Lua foi feita de coisas iguais à da Terra e das quais é feita a própria Eä no Conto (18).
Agora quanto a Luz estava totalmente completa ela foi colocada acima de Ambar, e direcionada para ir sempre ao redor e retornar, trazendo luz a locais escuros dos quais o Sol partira. Mas era uma luz menor, de forma que o luar não era o mesmo que a luz do sol, e mesmo assim havia mudança de luz sobre a Terra; além disso continuava também a noite sob as estrelas, pois a Lua e o Sol em certos tempos estavam ambos ausentes.
Pelo menos é isto que veio a ser pela profecia dita por Ilúvatar….. o mal de Melkor deveria em sua própria malícia trazer coisas mais belas do que o planejado por ele… Pois alguns afirmam que a Lua estava inicialmente em chamas, mas foi mais tarde tornada [?forte] e vida..: mais tarde, mas enquanto Arda estava sem direção e continuava nos tumultos de Melkor.
Tal é conhecido dos Sábios, que Tilion – [sic] e que Melkor se encheu de uma nova fúria com o nascer da Lua. Portanto por algum tempo ele novamente deixou Ambar e foi para a Noite Exterior, e reuniu para si alguns daqueles espíritos que responderam seu chamado.
Uma página de notas rápidas e disconexas obviamente precedeu este texto, mas deve pertencer mais ou menos ao mesmo tempo: idéias encontradas na discussão e sinopse precedendo a narrativa também são encontradas aqui, tais como “grande escuridão de sombra” criada por Melkor que obstruiu o Sol. Nestas notas continuava perguntando a si mesmo se ele deveria “manter o antiga história mitológica da criação do Sol e da Lua, ou alterar o pano de fundo para uma versão ‘terra redonda'”, e observando que neste caso a Lua seria um trabalho de Melkor para propiciar um ‘refúgio seguro’ – dessa forma retornando à idéia da origem da Lua encontrada anos antes no texto C* do Ainulindalë ($31). Dúvidas e ausência de uma direção certa estão fortemente presentes, enquanto ele lutava com os intratáveis problemas colocados pela presença no Sol nocéu sob o qual os Elfos acordaram, e que estava iluminado apenas pelas estrelas (19).
Há certas características no atual texto que claramente o associam com o Comentário sobre o
Athrabeth (ver notas 2 e 3 abaixo), entre eles o uso do nome Arda para significar o Sistema Solar; mas enquanto que a Terra é chamada de Imbar nos Comentários ela tem aqui o nome mais antigo de Ambar (ver nota 17). Não há dúvidas, acho eu, que o presente texto é o mais antigo dos dois. Por outro lado, nenhuma outra apresentação mais completa ou finalizada das novas concepções em geral, a “nova mitologia”, existe; parece razoável que enquanto estava comprometido em mente com o abandono do antigo mito da origem do Sol e da Lua meu pai deixou em suspenso a formulação e expressão do novo. Pode ser que, embora eu não tenha evidência sobre a questão para um ou outro lado, que ele tenha vindo a perceber a partir de tal escrita experimental como este texto que a antiga estrutura era por demais compreensiva, por demais interconectada em todas as suas partes, de fato suas raízes profundas demais, para suportar tal cirurgia devastadora.
NOTAS
1. No AAm $15 “aconteceu um grande crescimento de árvores e ervas, e bestas e pássaros vieram” à luz das Lâmpadas: aquela foi a Primavera de Arda. Mas depois da destruição das Lâmpadas Yavanna “adormeceu muitas coisas belas que surgiram durante a Primavera, tanto árvore e erva e besta e pássaro, de forma que não envelheceriam mais e aguardariam por um tempo de acordar que ainda estava por vir” ($30).
2. Sobre o conhecimento astronômico ser presumido entre os Alto-elfos veja Nota 2 do Comentário sobre o Athrabeth – onde, como aqui, Arda é igualada ao Sistema Solar – e o Texto I do Mitos Transformados.
3. A idéia deste parágrafo é paralelada na Nota 2 do Comentário sobre o Athrabeth, e a sentença final é bastante similar ao que é dito no próprio Comentário (“Melkor não era apenas um Mal local na Terra…”).
4. No AAm $24 é dito que após a Queda das Lâmpadas a “Terra-média ficou num crepúsculo sob as estrelas que Varda fizera nas eras esquecidas de seus trabalhos em Eä”, e em $34 Varda olho de cima de Taniquetil e “contemplou a escuridão da Terra sob as estrelas inumeráveis, fracas e distantes”, antes de começar a fazer estrelas novas e mais brilhantes; desta forma também é no Quenta Silmarillion ($19): “Então Varda fez novas estrelas e mais brilhantes devido à chegada dos Primogênitos. E por esta razão ele cujo nome vindo das profundezas do tempo e dos trabalhos de Eä era Tintalle, a Acendedora, que mais tarde foi chamada pelos Elfos Elentári, a Rainha das Estrelas”. Mas se ela talvez ainda pudesse ser chamada Elentári, ela não mais poderia ser chamada Tintalle (contudo, ver nota 3).
Na edição posterior do texto final D do Ainulindalë ($36) as palavras relativas a Varda “ela foi quem construiu as Estrelas” foi alterado para “ela foi quem construiu as Grandes Estrelas”; é possível que isso tenha sido feito à luz das idéias apresentadas aqui.
5. Compare a Nota 2 de Comentário sobre o Athrabeth, com a note 13 e com este trecho.
6. Isto é, claro, bastante diferente da forma da lenda no Ainulindalë ($23): “Mas Melkor, também, estava lá desde o início, e ele interferiu em tudo que foi feito”; enquanto que no texto C* Melkor entrou em Arda antes dos demais Ainur.
7. A lenda em no Ainulindalë C* de que o próprio Melkor fez a Luz de forma que ele “pudesse observar de lá tudo que acontecesse embaixo” ($31) foi abandonada.
8. No AAm ($172) e no QS ($75) Tilion não era um Vala, mas “um jovem caçador da companhia de Oromë”. Em AAm $179 aparece a história de que Morgoth atacou Tilion, “enviando espíritos de sombra contra ele”, mas sem sucesso.
9. Sobre os nomes do Sol e da Lua ver QS $75 e o comentário (HoME V) e a revisão posterior daquele trecho; e também AAm $171 e comentário.
10. No AAm ($179) é dito que “Arien Morgoth temia com grande medo, e não ousava se aproximar dela”.
11. Sobre o nome Endor ver AAm $38.
12. Ver Athrabeth Finrod ah Andreth, nota 16.
13. “ao tempo de Felagund”: isto é, ao tempo em que Finrod Felagund encontrou os Homens, o primeiro dos Alto-elfos a fazê-lo.
14. “Homens devem acordar enquanto Melkor ainda está em Arda?”: “Arda” deve ser um erro para “Terra-média” (isto é, ante de seu aprisionamento em Aman).
15. Um s a lápis está sobre o r de Ar(i).
16. Acima de Terra meu pai escreveu Ambar, então o riscou, e escreveu “Mar = Casa”. Veja a próxima nota.
17. Na Nota 2 do Comentário sobre o Athrabeth (e veja nota 12 daquele trecho) aparece Imbar, traduzido “a Habitação”, =Terra, “a principal parte de Arda” (= o Sistema Solar).
18. A partir deste ponto o manuscrito se torna bastante irregular, ilegível em alguns locais, e logo se encerra.
19. Em outras notas rápidas (escritas ao mesmo tempo em que o texto II e constituindo uma parte do manuscrito) meu pai escreveu que Varda deu a luz sagrada recebida como um presente de Ilúvatar não apenas ao Sol e às Duas Árvores mas também para a “importante Estrela”. O significadodisso nãoé explicado em parte alguma. Abaixo disso ele escreveu Signifer e muitos nomes Élficos experimentais, como Taengyl, Tengyl, Tannacoli ou Tankol, Tainacolli; e também uma raiz verbal tana “mostrar, indicar”; tanna “sinal”; e kolla “usar, vestir, especialmente uma vestimenta ou capa”, com a nota “Sindikoll-o é masculinizado”.