O pessoal do fan site TheOneRing.net divulgou uma antiga mas muito interessante entrevista concedida por Simon Tolkien ao site Mythopoeic Society. Nela, o neto de J. R. R. Tolkien relembra os avós e a época em que seu pai, Christopher Tolkien, começou a reorganizar os textos que compõem hoje O Silmarillion, pouco tempo depois da morte do autor em 1973.
O Silmarillion, de John Ronald Reuel Tolkien, foi publicado postumamente em 1977 e conta a história de Arda, a Terra, desde sua origem até o fim da Terceira Era do Sol. Nesse livro narra-se como o mundo foi criado pelos Valar e também o nascimento de elfos e homens, assim como outras criaturas, boas e más, que, em constante conflito, fizeram a história que culmina nos eventos narrados em O Senhor dos Anéis. É em O Silmarillion que se delineia o contexto histórico e mitológico do mundo criado pelo autor.
Quando você acha que você já viu de tudo, sempre tem uma maluquice nova. Por exemplo, a dos pesquisadores Joseph e Nicholas Hopkinson, do Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde. A dupla acaba de publicar um artigo científico na revista médica “The Medical Journal of Austrália” com o título “O hobbit – uma deficiência inesperada”. Resumo da ópera: a derrota dos personagens malévolos de “O Hobbit” parece ter uma forte associação com… a deficiência de vitamina D.
A dupla de médicos usou uma estratégia simples e elegante: mapeou os personagens do livro, classificando-os como “vitoriosos” e “derrotados” e “bons” ou “maus” (OK, nada sofisticado até aqui) e depois usou informações do texto para classificar os personagens numa escala de 0 a 4 com respeito aos níveis de vitamina D em seu organismo, com base em seu estilo de vida. Os níveis de vitamina D, é bom lembrar, dependem basicamente da exposição à luz solar, e também, em menor medida, de uma dieta rica em peixes gordurosos, gema de ovo, queijo, carne, fígado e certos cogumelos. A falta de vitamina D, lembram eles, causa problemas ósseos e no sistema de defesa do organismo.
Nas palavras impagáveis da dupla descrevendo sua hipótese de trabalho:
“Uma característica marcante da literatura de fantasia é a vitória dos personagens bons e a derrota dos maus. Enquanto o consenso é atribuir isso a convenções narrativas sobre moralidade e a necessidade de finais felizes, nossa hipótese é que uma grande contribuição para a derrota dos malfeitores nesse contexto é sua aversão à luz solar e sua dieta ruim, que poderia levar à deficiência de vitamina D e, portanto, à redução das capacidades marciais.”
Não preciso dizer que a dieta variada e a vida ao ar livre de Bilbo o deixam em boa situação, assim como ocorre no caso dos anões, de Gandalf (apesar de eles serem fumantes, ressalvam os médicos) e de Beorn. Já Gollum, apesar de comer peixxxxe, fica mal nessa fita, e o mesmo vale para os orcs e para Smaug. (A média dos personagens bons é uma “nota” de 3,4, contra apenas 0,2 dos personagens malévolos).
Como é de praxe em publicações médicas, os autores tiveram de fazer uma declaração de conflito de interesse: “Declaramos que não temos conflitos de interesse a respeito deste trabalho, embora Nicholas Hopkinson curta bastante Game of Thrones na televisão e Joseph Hopkinson tenha lido todos os livros”.
Se for perguntado a qualquer fã de J. R. R. Tolkien e de Peter Jackson, qual é a conexão entre o autor inglês e o diretor neozelandês, a resposta será mais ou menos esta: Jackson é o cineasta responsável por adaptar para o cinema O Senhor dos Anéis e O Hobbit, ambas obras de Tolkien. Porém, existem outras conexões entre eles.
Tolkien e o “Tommy”
Com mais de um milhão de mortos, feridos e desaparecidos, a Batalha do Somme é considerada uma das maiores tragédias da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Uma experiência que o jovem oficial J. R. R. Tolkien nunca esqueceu, pois lá lutou contra o Exército Imperial Alemão e perdeu alguns de seus amigos mais íntimos. E é da Batalha do Somme que nos é revelada uma curiosidade, pois ainda outro jovem esteve naquele momento na França: o avô do diretor neozelandês Peter Jackson, o inglês William John Jackson.
W.J. Jackson-1915 e J.R.R. Tolkien-1916
A genealogista e historiadora Christine Clement (do site Ancestry.com.au) encontrou em sua pesquisa William John Jackson entre os combatentes do Exército Britânico na Batalha do Somme, no segundo Batalhão dos “South Wales Borderers”. Em 24 de Julho de 1916 chegou ao Somme um oficial de comunicações, o jovem segundo tenente John Ronald Reuel Tolkien. Sua unidade, o primeiro Batalhão dos “Lancashire Fusiliers” substituiu a unidade de William J. Jackson. “[William] fez um trabalho de reconhecimento por lá. O seu batalhão foi rendido pelos Lancashire Fusiliers de Tolkien”, disse Clement. A probabilidade, portanto, de os dois terem se cruzado no acampamento britânico não é pequena, e é uma incrível coincidência que os dois estivessem na França naquele verão de 1916.
Em uma carta de 1941, endereçada a seu filho Michael, que servia no Exército Britânico durante a Segunda Guerra Mundial, Tolkien revela sua simpatia pelos soldados comuns, os homens desconhecidos vindos do interior da Grã-Bretanha ou dos mais longínquos rincões do vasto Império de Sua Majestade. “[…] E somos parecidos apenas por compartilharmos uma profunda simpatia e compaixão pelo ‘tommy’ [nome dado ao soldado raso britânico], especialmente pelo soldado simples dos condados agrícolas”¹. As centenas de milhares de “tommys”, grupo do qual William Jackson era apenas mais um, foram a base para a criação do fiel hobbit Samwise Gamgi.
Os “tommys” britânicos durante a I GM – 1916
Dois destinos: o autor e o avô do diretor
O que talvez não seja apenas uma coincidência é o que reuniu essas duas linhas décadas mais tarde. A obra de Tolkien é fortemente influenciada por suas experiências horríveis nas trincheiras da chamada Grande Guerra. Em particular, as descrições das experiências de Frodo e Sam nos Pântanos Mortos ou em Mordor nos dão uma ideia do que o próprio Tolkien tenha experimentado no primeiro grande conflito mundial. “Os Pântanos Mortos e as proximidades do Morannon devem algo ao norte da França depois da Batalha do Somme”², revela Tolkien em uma carta.
Peter Jackson, no entanto, interessou-se pelas experiências de guerra de seu avô (que ele nunca chegou a conhecer) e pelos eventos da Primeira Guerra Mundial desde a infância. Esse interesse tornou-se uma paixão: Jackson começou com miniaturas³ (confira algumas aqui) a recriar famosas batalhas da Grande Guerra e a coletar e colecionar artefatos deste período, especialmente os relacionados à aviação de guerra. Quando o romance O Senhor dos Anéis caiu em suas mãos, ele ficou fascinado com as mesmas descrições de batalhas e imaginou que daria um bom filme se algum dia alguém decidisse filmar a história contada por Tolkien. Porém, o fato de que tanto as horríveis experiências de Tolkien na guerra, assim como as de seu avô, aconteceram no mesmo lugar, ao mesmo tempo, ele não tinha ideia. “Ele sabe sobre o seu avô ter sido condecorado, mas não que Tolkien também estivesse lá”, disse Christine Clement.
Peter Jackson num Spitfire da IIGM
William John Jackson lutou nas principais batalhas da Primeira Guerra Mundial e, assim como Tolkien, sobreviveu a ela e foi condecorado com a Medalha de Distinção e Conduta por seus esforços na Frente Ocidental. Tolkien, por sua vez, contraiu febre de trincheira no mesmo ano de 1916 e foi afastado dos campos de batalha. Hospitalizado, começa a escrever as primeiras linhas de A Queda de Gondolin, mais tarde texto importante de O Silmarillion, o pontapé inicial de sua mitologia, da qual O Senhor dos Anéis é apenas uma parte. Com a saúde debilitada em decorrência do desgaste físico durante a guerra, W. J. Jackson morreu na Inglaterra em 1940, aos 51 anos, no momento em que a Grã-Bretanha era bombardeada pela Alemanha de Hitler (outro combatente do Somme), em preparação para uma invasão que nunca chegou a acontecer. Pouco tempo depois, em 1942, o Professor Tolkien serviu seu país como Supervisor de Ataques Aéreos, e faz referência a essa função em algumas cartas.
William John Jackson deixou cinco filhos, incluindo William “Bill” Arthur Jackson, a quem o filho, Peter Jackson, dedicou seu filme A Sociedade do Anel (2001). Enquanto Tolkien escrevia O Senhor dos Anéis, o pai de Peter Jackson também lutava pelo Exército Britânico durante a Segunda Guerra Mundial, assim como também lutaram no segundo conflito mundial os filhos do autor J. R. R. Tolkien, Michael e Christopher Tolkien.
William “Bill” Arthur Jackson na Sicília, Itália, durante a Segunda Guerra
O bisneto de Tolkien e o neto de William J. Jackson
J. R. R. Tolkien morreu em 2 de Setembro 1973, com a idade de 81 anos, deixando ao mundo uma mitologia única e que serviram de base para os épicos filmes de Peter Jackson sobre a Terra-média. Durante as filmagens da última parte da trilogia, O Retorno do Rei, o bisneto de Tolkien e neto de Michael Tolkien, Royd Allan Reuel Tolkien, participou como um ranger gondoriano nas filmagens do cerco à Osgiliath. Fã de Peter Jackson desde quando o neozelandês ainda dirigia filmes de terror trash, Royd Tolkien é sempre recebido de braços abertos pelo diretor quando vai à Nova Zelândia. O bisneto de Tolkien esteve em novembro de 2012 na premiere mundial de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, em Wellington, e visitou os sets do filme. E, ao ir à Nova Zelândia, reuniu mais uma vez sobre o mesmo chão um Tolkien e um Jackson.
Royd Tolkien na premiere de “O Hobbit” e nas filmagens de “OSdA”Royd Tolkien com Graham McTavish (Dwalin) e Aidan Turner (Kili), 2012
Notas:
1: Tolkien, John Ronald Reuel, As Cartas de J.R.R. Tolkien – organização de Humphrey Carpenter, com assistência de Christopher Tolkien; tradução de Gabriel Oliva Brum. – Curitiba: Arte e Letra Editora, 2006, p. 57
2: Idem, p.289
3: A paixão de Peter Jackson por miniaturas e recriar combates foi muito útil durante a produção da trilogia O Senhor dos Anéis, em que miniaturas foram usadas para criar os cenários da Terra-média e miniaturas de soldados de plástico ajudaram a reproduzir exércitos em pré-visualizações de cenas.
Referências:
Tolkien, John Ronald Reuel, As Cartas de J.R.R. Tolkien – organização de Humphrey Carpenter, com assistência de Christopher Tolkien; tradução de Gabriel Oliva Brum. – Curitiba: Arte e Letra Editora, 2006
“Tudo o que me lembro sobre o início de O Hobbit é de sentar para corrigir provas para o Certificado Escolar no cansaço interminável daquela tarefa anual imposta sobre acadêmicos sem dinheiro e com filhos. Em uma folha em branco rabisquei: ‘Numa toca no chão vivia um hobbit’. Não sabia e não sei por quê.”
J.R.R. Tolkien, Carta 163
Assim começa uma das mais empolgantes histórias já vistas no mundo. O Hobbit foi o um sucesso de vendas, e abriu a caminho para a publicação de outras obras famosas de Tolkien, como O Senhor dos Anéis. O livro foi traduzido para mais de 35 línguas, de Armênio a Ucraniano, passando por Catalão, Esperanto e Chinês.
Tolkien começou a escrever O Hobbit por volta de 1930, e o lia para seus filhos à noite. Não eram raras as paródias do livro escritas pelas quatro crianças da casa. É evidente que John, Michael, Christopher e a pequena Priscilla tiveram um papel fundamental na composição da história.
O papel em que Tolkien rascunhou a primeira frase não sobreviveu. O fragmento mais antigo de O Hobbit que sobreviveu foi um manuscrito de seis páginas (três folhas). É um pedaço da festa inesperada. Não tem “começo” nem “fim”, indicando que fazia parte de um manuscrito maior, que se perdeu.
É um texto muito próximo do Uma Festa Inesperada que conhecemos hoje. Mas muitos dos nomes eram diferentes. Que tal ler uma história em que o anão Gandalf e seus companheiros tentam recuperar um tesouro do terrível dragão Pryftan, ajudados pelo mago Bladorthin, que tem um mapa feito pelo avô de Gandalf, Fimbulfambi?
Uma das páginas do manuscrito contém um adendo interessante: o mapa de Fimbulfambi, a primeira versão do que viria a ser o Mapa de Thrór. Confiram abaixo:
O mapa de Fimbulfambi – a primeira versão do mapa de Thrór
Tolkien, na mesma época, fez uma cópia datilografada do manuscrito, mas que cobria uma parte maior: começava na famosa frase ‘Numa toca no chão vivia um hobbit’, mas termina logo depois do mago Bladorthin revelar a localização da porta secreta.
Tolkien não avançou mais na escrita por um longo tempo. Quando resolveu retomá-la, recomeçou exatamente do mesmo ponto onde a cópia datilografada termina. A intrigante abertura foi se transformando numa história completa. O Professor produziu nessa época 155 páginas manuscritas. Embora ele fizesse várias pequenas pausas, para produzir rascunhos e planejar o que estava por vir, foi uma escrita constante de um modo geral. Ele costumava escrever nos intervalos entre os semestres de Oxford.
Essa segunda fase da composição cobre a história que vai até mais ou menos o atual capítulo XIV (Fogo e Água). É praticamente a história que conhecemos hoje, embora haja algumas diferenças na nomenclatura, – o mago Bladorthin só passou a se chamar Gandalf no fim do processo de composição dessa fase – embora haja algumas diferenças no enredo. Por exemplo, em um dos rascunhos Bilbo entra secretamente na Montanha Solitária e mata Smaug.
Depois de outra longa pausa, Tolkien retoma a história, do ponto onde a havia abandonado, e a termina. Essa última seção, que vai do meio do capítulo XIV até o fim do livro, foi certamente escrita entre dezembro de 1932 e janeiro de 1933.
Esse não é o livro que conhecemos hoje. Tolkien fez cópias datilografadas e várias revisões posteriormente. Mas foi basicamente essa história que chegou às mãos de um editor em Londres, que a transformou em um sucesso literário. Mas essa é outra história.
De acordo com o Los Angeles Times, a Fox Searchlight em parceria com Peter Chernin da Chernin Entertainment, produzirá uma cinebiografia do autor J. R. R. Tolkien.
O projeto recebeu o título provisório de “Tolkien” apenas, e irá mostrar a vida do autor, particularmente seus anos de formação no Pembroke College e como um soldado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando viu alguns de seus amigos morrerem no front, além de como este acontecimento influenciou seu trabalho, de acordo com uma pessoa ligada ao projeto.
O irlandês David Gleeson, um fã de Tolkien e estudioso do criador da Terra-média, está atualmente trabalhando no roteiro e vai examinar a história da vida de Tolkien e como essas experiências o levaram a dar forma à sua obra, já que os anos entre a publicação de O Hobbit (1937) e O Senhor dos Anéis (1954-55) devem também constar no roteiro.
Não houve até agora nenhuma cinebiografia de Tolkien, apesar de várias tentativas e desenvolvimento de projetos nos últimos anos terem estacionado, incluindo a produção de “Mirkwood”, uma visão fictícia sobre seu trabalho como intérprete de códigos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esse projeto tem sido alvo de obstáculos promovidos pelo espólio de Tolkien, gerenciado por seus herdeiros e que geralmente são muito protetores quando se trata do legado e nome do autor de O Senhor dos Anéis, O Hobbit e O Silmarillion. Portanto, ainda não se sabe se a família Tolkien está ou não cooperando com o projeto.
Os cineastas envolvidos no projeto de “Tolkien” possuem um tema popular em suas mãos, já que filmes baseados na produção literária de J. R. R. Tolkien, como a trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson, arrecadou quase US $ 4 bilhões pelo mundo. E o novo filme de Jackson, O Hobbit: A Desolação de Smaug deverá acrescentar significativamente alguns números a esse total.
Muitas vezes a experiência pessoal de um autor o influencia no momento de criar seus mundos e personagens, mas quanto da experiência pessoal de J. R. R. Tolkien há em seus escritos? Nem sempre é fácil dizer e, ao tentar, corre-se o risco de fazer afirmações levianas demais. Porém, quando o próprio autor nos dá as pistas, a história é outra.
Quem já leu a biografia de Tolkien, seja a escrita por Humphrey Carpenter ou a de Michael White, ou já leu As Cartas de J.R.R. Tolkien, deve conhecer um episódio importante em sua vida: a viagem que fez à Suíça durante sua juventude.
Território ocupado por parte significativa dos Alpes, uma das cadeias de montanhas mais famosas do mundo, a Suíça foi o destino que um grupo de amigos ingleses, liderados pela família Brookes-Smith, escolheu para passar alguns dias entre os meses de julho e agosto de 1911. Entre eles, o jovem John Ronald Reuel Tolkien.
Assim como Bilbo Bolseiro foi marcado pela experiência de atravessar pela primeira vez as Montanhas Nevoentas (também conhecidas como Montanhas Sombrias por leitores do Brasil, numa tradução de Misty Mountains contestada por muitos), também Tolkien o foi, ao visitar pela primeira vez, aos 19 anos, as neves eternas das alterosas e impressionantes montanhas dos Alpes e caminhar por suas passagens estreitas e perigosas. A experiência o influenciaria ao escrever partes de O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
Num artigo publicado recentemente pelo fan site The One Ring, em que seu autor relata a vivência de visitar os lugares por onde Tolkien passou na Suíça, foi revelada uma fotografia em que aparecem quinze pessoas posando para a câmera.
Foto rara e que se encontra no livro Tolkien’s Gedling: The Birth of a Legend, de Andrew H. Morton e John Hayes, e que originalmente vem de um livro de memórias de Colin Brookes-Smith, ela mostra Tolkien e seus quatorze companheiros durante a aventura nos Alpes suíços.
Da direita para a esquerda: Doris Brookes-Smith, Tony Robson, Colin Brookes-Smith, Phyllis Brookes-Smith, Reverendo C. Hunt, um amigo não identificado de J.R.R. Tolkien, Jane Neave (tia de Tolkien), Hilary Tolkien (irmão mais novo de Tolkien, de camisa branca), uma mulher não identificada, o próprio Tolkien (com um lenço ou cachecol branco ao pescoço), Jeanne Swalen (babá suíça), Muriel Hunt, Dorothy Le Couteur (uma inspetora de escola), Helen Preston (uma amiga de Jane Neave), e o guia suíço.
Um grupo de quinze pessoas! O mesmo número de integrantes do grupo de Thorin Escudo de Carvalho, que no livro O Hobbit organiza uma demanda de 13 anões, um hobbit e um mago para recuperar o reino (e o tesouro) de seus ancestrais que foi tomado pelo Dragão Smaug. Ao ler Tolkien relatando sua experiência nos Alpes, o leitor imediatamente reconhece as passagens em que Bilbo, Gandalf e os Anões se aventuram pelas Montanhas Nevoentas:
[Foi] “… (com um grupo misto de cerca do mesmo tamanho da companhia em O Hobbit) que viajei a pé com uma mochila pesada por boa parte da Suíça e por sobre muitas passagens elevadas. Foi ao nos aproximarmos da Aletsch que fomos quase destruídos por grandes pedras desprendidas ao sol que rolaram uma encosta nevada abaixo. Uma rocha enorme de fato passou entre mim e o próximo na frente. Isso e a ‘batalha dos trovões’ – uma noite ruim em que nos perdemos e dormimos em um estábulo – aparecem e O Hobbit”. – As Cartas de J.R.R. Tolkien, p.294.
Quando o filho de Tolkien, Michael, visitou a Suíça, o autor escreveu-lhe uma carta, datada de 1967, felicitando-o e novamente reconhecendo sua aventura nos Alpes como influência marcante em seus textos. Segue o relato com mais detalhes:
“Estou …. muito feliz por você ter conhecido a Suíça e a própria parte que antigamente eu melhor conhecia e que teve o efeito mais profundo sobre mim. A viagem do hobbit (de Bilbo) de Valfenda ao outro lado das Montanhas Nevoentas, incluindo a descida pela encosta nevada e de pedras escorregadias até o bosque de pinheiros, é baseada em minhas aventuras de 1911 […]. Nossas andanças, principalmente a pé, em um grupo de 12 [nota: há uma pequena contradição aqui quanto ao número de membros do grupo em relação à fotografia acima] agora não estão claras em seqüência, mas deixam muitas imagens vívidas tão claras como se tivessem ocorrido ontem (isto é, tão claras quanto se tornam as lembranças remotas de um velho). Fomos a pé carregando grandes mochilas praticamente todo o caminho de Interlaken, principalmente por caminhos montanhosos, até Lauterbrunnen e assim até Mürren e, por fim, até a ponta do Lauterbrunnenthal […]. Dormíamos de maneira rústica – os homens – , frequentemente em celeiros de feno ou estábulos evitando estradas e jamais fazendo reservas em hotéis e, após um magro café da manhã, alimentávamos-nos ao ar livre […]. Deixei a vista de Jungfrau com profundo pesar: neve eterna, entalhada, ao que parecia, em uma luz do sol eterna, e o Silberhorn pontiagudo contra o azul escuro: o Pico de Prata (Celebdil) de meus sonhos”. – As Cartas de J.R.R. Tolkien, p. 370-371
Ao ver imagens de Lauterbrunnen, localidade citada acima por Tolkien, nota-se outra referência de sua viagem à Suíça em seus escritos: o vale de Valfenda, A Última Casa Amiga a Leste do Mar, refúgio da tradição e sabedoria na Terra-média, e onde se encontra parte do povo élfico e Elrond Meio-Elfo. Lugar importante nas sagas de Bilbo e Frodo Bolseiro.
O vale de Valfenda, por Tolkien, e o vale de Lauterbrunnen
Tolkien também cita o Silberhorn, a influência para Celebdil, o pico das escadas infinitas que ligam os salões mais profundos de Kazad-dûm ao topo da Torre de Durin, em que Gandalf persegue o Balrog de Moria até sua extremidade superior, e lá ambos encontram seu fim, mas onde Gandalf é mandado de volta, mais poderoso e como O Branco.
A viagem de Tolkien à Suíça em 1911 foi tão marcante em sua vida, a ponto de identificá-la em passagens de seus livros e paisagens da Terra-média, que o autor sentia uma profunda saudade e vontade de revisitá-la. Em outra carta, datada de 1947, Tolkien a finaliza desejando boa viagem à Suíça a seu editor, Sir Stanley Unwin.
“Desejo ao senhor e a Rayner [o filho de Stanley Unwin] uma boa viagem, negócios bem-sucedidos e depois ótimos dias entre as Montanhas. Como desejo ver as neves e as grandes alturas novamente!” – As Cartas de J.R.R. Tolkien, p. 121
Se o leitor ainda não conhecia esta passagem das Cartas, mas lhe parece já ter lido algo assim antes, você não está enganado. A citação acima é muito parecida com o que Bilbo Bolseiro diz a Gandalf no capítulo “Uma Festa Muito Esperada”, em O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. “Quero ver montanhas de novo, Gandalf – montanhas […].”
Parece que não só as aventuras do jovem J. R. R. Tolkien tornaram-se as aventuras de Bilbo Bolseiro, como também alguns de seus anseios e desejos mais íntimos foram colocados como parte importante da personalidade e destino do hobbit, já que, de volta a Valfenda, em O Senhor dos Anéis, e ao contrário de Tolkien, Bilbo teve a chance de novamente contemplar as Montanhas pela última vez, antes de sua última viagem rumo às Terras Imortais.
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Dica: Para aqueles que desejam percorrer os caminhos que Tolkien fez pela Suíça, a partir de outubro deste ano uma empresa passou a oferecer esse serviço. Consulte: A Middle Earth tour at the source—The Swiss Alps.
Referências:
Tolkien, John Ronald Reuel, As Cartas de J.R.R. Tolkien – organização de Humphrey Carpenter, com assistência de Christopher Tolkien; tradução de Gabriel Oliva Brum. – Curitiba: Arte e Letra Editora, 2006, pp. 121, 294, 370-371.
Tolkien, J. R. R.O Senhor dos Anéis: primeira parte: a sociedade do anel. Tradução de Lenita Rímoli Esteves, Almiro Pisetta; revisão técnica e consultoria Ronald Eduard Kyrmse: coordenação Luís Carlos Borges. – 2ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 33.
O turista que vai à Birmingham, Inglaterra, visitar Perrott’s Folly, a torre que supostamente influenciou J. R. R. Tolkien a criar o Pináculo de Orthanc – a torre construída por Númenóreanos e que é refúgio de Saruman, o Branco – pode ficar desapontado ao descobrir que esta curiosa torre não está aberta à visitação. Isso pode mudar, pelo menos por tempo determinado.
No próximo 26 de outubro, Perrott’s Folly estará aberta ao público, pois abrigará uma exposição de arte. Espera-se que boa parte do público que a visitará, no entanto, esteja mais curioso quanto à construção do que exatamente com a exposição, levando-se em conta sua suposta conexão com o criador da Terra-média.
A conexão Perrott’s Folly – Tolkien
A torre foi construída em Edgbaston, próximo à Birmingham, em 1758, em um magnífico parque de caça medieval, por John Perrott, um proprietário de terras local. Nunca se soube exatamente a real serventia dessa construção, mas o mais provável é que servisse de alojamento para hospedar os amigos abastados de Perrott, em época de caça, além de servir como símbolo de ostentação. No entanto, como todo lugar que já é mítico ou lendário, Perrott’s Folly também têm suas histórias não oficiais.
Conta-se que John Perrott usava a torre para observar o túmulo de sua falecida esposa, que ficava 24 quilômetros dali. Porém, antes de sua mulher morrer, Perrott usaria a torre para espioná-la, pois supostamente dava suas escapadelas com seu amante, o guarda-caça da região. Para ornamentar ainda mais as histórias que cercam a excêntrica torre, supostamente pode-se observar símbolos maçônicos no salão superior, e há até quem jure que o lugar têm passagens secretas e câmaras subterrâneas. Para visitar suas sete salas (uma por andar) é preciso percorrer 139 íngremes e sinuosos degraus. Em dias de ventos fortes e tempestades, a torre oscila perigosamente.
Chaminé do sistema hidráulico de Edgbaston
É esta estranha e um tanto sinistra torre que é creditada com sendo a fonte de inspiração de Tolkien na criação da torre Orthanc, de O Senhor dos Anéis. O autor viveu ali perto quando ainda era um menino. Para muitos fãs do autor, seria impossível que a sinistra sombra de Perrott’s Folly não tivesse exercido influência alguma sobre o jovem Tolkien, que mais tarde usou suas lembranças em seu famoso romance. Outro detalhe que colabora com essa história é que do alto de Perrott’s Folly, à curta distância, pode-se observar outra sinistra torre: a gótica e ornamentada torre da chaminé do sistema hidráulico de Edgbaston. O menino Tolkien passava por ela pelo menos duas vezes por dia, na ida e volta da escola, e viu muitas vezes a fumaça sair do alto da gótica torre. Estariam aí as origens das sinistras torres que povoam a Terra-média, nas histórias de J. R. R. Tolkien.
Caridade e Memória
No final do século XIX a torre foi adquirida pela Universidade de Birmingham e tornou-se um observatório astronômico. Funcionou até 1979, quando foi fechada em estado deplorável de conservação – e ainda se encontra assim. Em 2005 ela passou por reparos na estrutura para evitar que ruísse por completo, e no início de 2013 Perrott’s Folly foi “comprada” por uma instituição de caridade, a Trident Reach the People (que auxilia desabrigados e sem-tetos), por apenas 1 Libra Esterlina, um valor simbólico e para encorajar alguém a assumir a construção georgiana de 30 metros de altura e de mais de 250 anos.
O jovem J.R.R. Tolkien
O responsável pela instituição, Ben Bradley, é um aficionado por Tolkien, e pretende levantar 1 milhão de Libras para restaurar completamente o edifício e abri-lo permanentemente ao público. Apesar do estado de má conservação em que se encontra, a torre é aberta de tempos em tempos para abrigar exposições temporárias, de trabalhos geralmente feitos pelos atendidos pela Trident Reach the People, como a mostra de arte que acontecerá neste mês. Na torre também foi celebrado o centenário de J. R. R. Tolkien.
Bradley espera que o afluxo de turistas que visitam o local, procurando os lugares de inspiração de Tolkien e que fazem parte de sua história, aumente nos próximos anos e que possa ajudar, assim como os patrocínios e doações, a revitalizar a torre do século XVIII e o terreno a sua volta, que será usado como quartel-geral do voluntariado local, pois é uma região carente de programas de assistência social.
A esperança é que o dinheiro ajude a cumprir o seu sonho de transformar também os andares superiores e inferiores em espaço de exposições, mostrando o melhor do patrimônio local e preservar a ligação óbvia com Tolkien, o autor influenciado pela sombra de Perrott’s Folly e que mais tarde deitou sua própria sombra sobre o mundo da literatura contemporânea de fantasia desde que publicou O Senhor dos Anéis.
Qual é o significado e a importância da obra de Tolkien? Como a profunda fé cristã do autor moldou sua obra? Eu sei, eu sei, perguntinhas nada modestas, mas um pequeno porém corajoso grupo de especialistas em Tolkien, incluindo este Cisne que vos fala, tentam respondê-las em “O Evangelho da Terra-média – Leituras Teológico-Literárias da Obra de J.R.R. Tolkien” (organização do professor Carlos Ribeiro Caldas Filho), livro que está sendo lançado nesta sexta, 15/06, em São Paulo. Tenho orgulho de dizer que sou o autor do capítulo sobre filologia.
A obra de 206 págs. é um lançamento da Editora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e custa R$ 35. É claro que todos os valinoreanos estão mais do que convidados – confiram o convite oficial. Vai haver um breve bate-papo com os autores durante o lançamento. O local é a Livraria da Vila do Shopping Higienópolis e o horário, a partir das 18h30. Espero vocês por lá!