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Luís Vaz de Camões

  • Criador do tópico Criador do tópico Anica
  • Data de Criação Data de Criação

Anica

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Ontem foi celebrado o aniversário da morte desse grande escritor português, até Obama fez comentários sobre ele uou. -> http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/efe/2009/06/10/ult1817u9954.jhtm

Para quem não sabe muito dele, a wiki em português tem um artigo até bem bacana sobre o Camões: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Vaz_de_Cam%C3%B5es

Desse artigo tem um fato bem interessante:

Em 1556 partiu para Macau, onde continuou os seus escritos. Viveu numa gruta, hoje com o seu nome, e aí terá escrito boa parte d'Os Lusíadas. Naufragou na foz do rio Mekong, onde conservou de forma heróica o manuscrito da obra, então já adiantada (cf. Lus., X, 128). No desastre teria morrido a sua companheira chinesa Dinamene, celebrada em série de sonetos. É possível que datem igualmente dessa época ou tenham nascido dessa dolorosa experiência as redondilhas "Sôbolos rios".

Reza a lenda que durante o naufrágio ele teve que escolher entre Os Lusíadas e a chinesinha, e bem, a chinesinha rodou :dente:

Mas e aí, alguém já leu Camões? Gostou? Odiou? :timido:
 
Eu li "Os Lusíadas", mas era a versão adaptada, então acho que não conta muito. Eu não gostei muito do livro, talvez porque tenham me obrigado a ler, talvez porque eu não goste muito de histórias mitológicas.
 
Eu li apenas trechos de "Os lusíadas", inclusive tenho o livro, mas prefiro o Camões lírico. Amo "Amor é fogo que arde sem se ver" e "Alma minha gentil que te partiste"... ai ai


Ah, e pra mim não há poema que caia mais como uma luva que o " Ao desconcerto do mundo"...nossa, me identifico totalmente com ele! (AMO!)
 
Já li Os Lusíadas e volta e meio releio. Um dos maiores épicos de todos os tempos, não fica a dever nada aos épicos de outras culturas, além de ser a obra máxima da literatura de língua portuguesa, tanto pelo significado histórico-cultural como pela qualidade da obra por si só.
 
Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

Luís de Camões


***
Esse é mará !
 
Amo esses etbm...
***



Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algu~a cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões




***

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões
 
"Os Lusíadas," para mim, é um dos melhores épicos de todos os tempos. Estou relendo-o numa edição mega-explicativa da Saraiva (da década de 50). Cada vez que leio descubro milhares de coisas que não tinha visto antes. Entre Os Lusíadas e Jerusalém Libertada, fico com os Lusíadas.
 
Lusíadas se lhe iguala à Divina Comédia, ao Beowulf, à Ilíada e à Odisseia, à Eneida, à Teogonia, ao Fausto... É uma honra ter um poeta como Camões em nossa língua :sim:
Todo falante desta língua tinha que ler Camões. Nem que fosse na base do eletrochoque
 
Miséria, prisão e guerras: a fantástica história de Luís de Camões
Rodrigo Casarin
19/02/2019 09h32



Não é de hoje que cavuco por aí histórias de escritores que dariam um bom livro. Miguel de Cervantes, criador de "Dom Quixote", por exemplo, foi gravemente ferido numa guerra e, depois, sequestrado por piratas e encarcerado durante anos. A vida de Domingos Caldas Barbosa foi menos violenta, mas, ainda assim, cheia de perrengues: sobreviveu à miséria, enfrentou preconceitos e transformou em arte as hipocrisias da sociedade portuguesa do século 18. Passeando pela simpática edição que a Nova Fronteira há pouco lançou de "Os Lusíadas", lembrei que Luís de Camões, o nome mais famoso da literatura em língua portuguesa e um dos gigantes de toda a história literária, também é dono de uma trajetória singular.

Já adianto: não é fácil recriar com precisão tudo o que o escritor viveu. Com poucos registros de suas andanças pelo mundo, o que temos é o delinear de uma história muitas vezes pautada mais na especulação e nas probabilidades do que em fatos consumados. O poeta Alexei Bueno não ignora essa questão ao esboçar a biografia do português na introdução da edição já citada. Ainda assim – ou, quem sabe, justamente por conta disso –, o que lemos é empolgante.

Luiz Vaz de Camões nasceu, provavelmente, entre 1524 e 1525, em Lisboa, na época em que Portugal avançava sobre os mares em busca de terras para expandir o seu império. É provável que tenha passado a juventude em Coimbra, onde se dedicou aos estudos – talvez na Universidade local, talvez com um tio que teria se encarregado de sua educação. É depois dessa fase que o caos toma conta de sua vida.

Enquanto Portugal tentava conquistar terras no norte da África, foi enviado para combates em algum canto próximo a Ceuta, na ponta do Estreito de Gibraltar. Engalfinhando-se com mouros, tomou um balaço no olho direito, o que, além de deixá-lo caolho, valeu-lhe também o jocoso e exagerado apelido de "cara-sem-olhos" – ainda restava o esquerdo, pô.



De volta à terra natal, construiu sua fama de baderneiro, tanto que acabou preso por ter ferido um homem no dia de Corpus Christi – detalhes dão conta de que fez o ataque mascarado, junto com outro colega. "As cartas de Camões do mesmo período, que nos chegaram em apógrafos, no-lo mostram numa convivência boêmia com prostitutas e arruaceiros, descrevem variadas cenas de espancamento e comentam sobre ordens de prisão contra vários membros do grupo", conta Bueno.

Camões saiu da cadeia após receber um indulto do rei D. João III, que, em contrapartida, enviou escritor para servir em missões que se desdobravam no Oriente. Pelos indícios, esteve em regiões da Índia e da China. No rio Mekong, que corta o sudeste asiático, uma das passagens mais famosas e controversas de sua biografia: teria salvado a própria vida de um naufrágio utilizando apenas uma das mão para nadar, enquanto mantinha a outra para fora da água para resguardar os manuscritos do épico no qual já trabalhava. Há quem não bote fé nesse feito (com alguma razão, convenhamos), mas a passagem está registrada (ou imaginada) em uma das estrofes da famosa epopeia:

"Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço o Canto que molhado
Vem do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baixos escapado,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa"


Ainda passou por Moçambique até que retornasse a Lisboa, onde deu com a cara na porta ao procurar a família de Vasco da Gama, celebrado em "Os Lusíadas", para tentar se livrar da miséria que o acompanhou ao longo de toda a vida. Conseguiu publicar o seu colosso somente depois disso, em 1572, mesmo ano em que D. Sebastião lhe concedeu a pensão anual de 15 mil réis, uma "quantia de valor medíocre", aponta Bueno. Ainda longe da fama, foi-se no dia 10 de junho de 1580 sem jamais imaginar o quanto seria exaltado mesmo séculos após a sua morte.
 
É um esforço hercúleo levantar toda a história da vida de Camões num período tão distante como o que ele viveu, mas o mais importante é a sua obra que é eterna.
 

Neste ano de 2024 comemoram-se os 500 anos de nascimento do meu xará. O Rezzutti fez um videozinho pincelando o pouco que se sabe da vida e morte dele com um muito de lenda e algumas curiosidades aleatórias envolvendo o poeta.
 
E no último dia 23 o José Francisco Botelho publicou um ótimo texto em comemoração aos 500 anos de Camões. Vale a leitura (como tudo que ele escreve rs). Saiu no Matinal:

(Se puderem, deem um clique aí pra ajudar na estatística do jornal >__< )

Há 500 anos, em 1524 ou talvez 1525, nascia um nosso eterno contemporâneo: o “barbirruivo”, o Cara-sem-olhos, o arruaceiro, o marujo, o soldado, o amante febril, o incomensurável poeta Luís Vaz de Camões. Relê-lo no quinto século de seu nascimento é compreender que a excelência da linguagem cumpre a promessa de certo lugar-comum assaz repetido e às vezes, graças às musas, comprovado: ela realmente desafia o tempo. O adjetivo “contemporâneo”, dois períodos atrás, é mais do que um ornamento retórico – pois Camões “segue atual”, como se diz, no sentido mais crucial para quem viveu ou vive da palavra: ou seja, ele ainda nos ensina a escrever, hoje e na língua de hoje.

Abrindo minha antiga edição de Os Lusíadas (da Nova Fronteira, com um ótimo ensaio de Alexei Bueno), reencontro anotações que fiz numa releitura de 2013, época em que estava traduzindo os Contos da Cantuária. Versos sublinhados e sílabas escandidas na ponta do lápis me fazem recordar que, ao verter Geoffrey Chaucer para o Português brasileiro moderno, recorri inúmeras vezes à obra camoniana, em busca de conselhos sobre ritmo, prosódia, métrica, vocabulário, imagens… Sempre encontrei o que buscava, e sempre saí com a fantástica impressão de que Os Lusíadas é não apenas um monumento do passado, mas uma oficina para o presente. A intensidade e a precisão de seus versos ativam os gérmens da língua, de tal forma que basta abrir ao acaso qualquer um dos Cantos para encontrar um tesouro de possibilidades a serem exploradas.

A julgar pelas pesquisas mais recentes, Camões parece ter nascido em Lisboa, embora outros locais já tenham reclamado a honra de serem seu chão natal (Coimbra, Alenquer, Santarém…). Muito do que se diz ou escreve sobre a vida de Camões, aliás, exige certas fórmulas de dúvida: parece ter nascido em Lisboa; teria estudado em Coimbra; consta que frequentou tanto a corte quanto a boêmia lisboeta… Boa parte de sua vida, como a de Shakespeare, permanece na névoa. Porém, se a biografia de Shakespeare às vezes nos espanta porque nela quase nada parece ter acontecido, a de Camões provoca o efeito contrário: em meio a lendas, incertezas e tradições, parece ter-lhe acontecido coisa demais, mais até do que prometia a força humana.

Sabe-se com certeza que o autor das Rimas e dos Lusíadas era de família da pequena nobreza, de origem galega, e com poucos recursos. A sombra da pobreza e mesmo da fome o perseguiria por toda a vida. Consta que, sendo fidalgo moço e pobre, alistou-se para lutar na África e perdeu um olho em Ceuta, por causa de um pelouro – espécie de projétil metálico das antigas armas de fogo. O ferimento lhe rendeu a alcunha de Cara-sem-olhos, a que ele próprio alude em uma de suas redondilhas. Em 1550, novamente alistou-se, dessa vez para ir à Índia, conforme atesta um documento que o descreve como “escudeiro, de 25 anos, barbirruivo”. A viagem foi adiada por uma arruaça. No dia de Corpus Christi, meteu-se numa briga e feriu com espada um certo Gonçalo Borges, empregado do Paço. Preso no Tronco de Lisboa, Camões foi libertado em 1553, quando enfim partiu ao Oriente, na armada de Fernão Álvares Cabral, filho daquele Pedro que conhecemos bem. Navegou e andou pelo Golfo Pérsico, pela Índia, pela China – onde naufragou na foz do rio Mekong, salvando-se a nado, a si mesmo e aos manuscritos dos Lusíadas, que já começara a escrever. Depois vagou pela África, “tão pobre que comia de amigos”, como registrou Diogo do Couto, que encontrou Camões depauperado em Moçambique. Ainda em solo africano, roubaram-lhe o Parnaso, coletânea lírica que jamais de recuperou.

De volta a Portugal em 1570, sem nada além dos escritos que sobreviveram ao périplo global, buscou a proteção da família de Vasco da Gama, herói de sua epopeia. Os epígonos não lhe deram bola, e Camões desopilou-se acrescentando uns versos amargos ao poema. Conseguiu um privilégio para a impressão dos Lusíadas no ano seguinte, e uma pensão foi conferida por El-Rei. A parca recompensa não impediu que morresse pobre – dois anos após a catástrofe de Alcácer-Quibir, em que desapareceu D. Sebastião, e apenas uma semana antes da anexação de Portugal à coroa espanhola. Foi-se deste mundo talvez sem esperanças de que um dia fosse venerado pela nação que em vida o ignorara; e decerto sem imaginar e que, no futuro distante, estaríamos celebrando seu aniversário no além-mar, nesta terra que seu poema chama apenas de “Santa Cruz”.

Já se disse que, nos Lusíadas, o lírico supera o épico, mas eu discordo. De todos os poetas posteriores a Homero, Camões é, em diversos sentidos, o que me parece mais próximo ao autor da Odisseia. Primeiramente, porque a poesia de Camões apresenta uma espécie de variedade na intensidade, semelhante à do grego antigo. Sua habilidade em manejar ideias contraditórias cria um fluxo poético de teses e antíteses: se, por um lado, dispõe-se a cantar o “ilustre peito lusitano”, por outro apresenta o contraponto à “glória de mandar” e “a vã cobiça”, no discurso do Velho do Restelo e ainda outros trechos da epopeia. Além disso, ao entusiasmo desbravador de seus barões assinalados e ao relato exaltado da história portuguesa, Camões mistura de tempos em tempos uma pungente melancolia que, a depender do leitor, pode predominar sobre o hausto heroico. Esse amargor, belamente expresso em versos, nasce da contemplação da “austera, apagada e vil tristeza” que toma conta da nação – presságios de um declínio que o poeta sentiu profundamente como a tantas outras coisas.

Camões, que dobrou duas vezes o Cabo das Tormentas, foi também um dos grandes poetas do mar e soube lhe conferir a fúria, a doçura e a estranheza das coisas vivas. Assim como ressoam, nos versos de Homero (mesmo em tradução!), as ondulações do thalassa cor de vinho, escutamos em Camões a voz dos oceanos do mundo, com suas “calmas, tormentas e opressões”. A sabedoria marítima de Camões impressionou um comentarista insuspeito: o polímata e naturalista alemão Alexander von Humboldt, que também conhecia bem o mar. Diz von Humboldt em seu Kosmos: “Camões é inimitável quando pinta a permutação perpétua que se opera entre o ar e o mar, as harmonias que reinam entre as formas das nuvens, as suas transformações sucessivas e os diversos estados por que passa a superfície do Oceano. A princípio mostra essa superfície enrugada por uma leve aragem; as vagas mal erguidas cintilam, brincando com o raio de luz que nelas se reflete; depois outra vez os navios, assaltados por uma terrível tempestade, lutam contra todos os elementos desencadeados”.

Von Humboldt elogia Camões por preservar a “verdade dos fenômenos”; mas o autor dos Lusíadas não é um geógrafo, e sim um poeta. Ocorre que, se as navegações portuguesas foram dissipando o mundo imaginário da cartografia antiga – com suas ilhas móveis, cheias de diabos e duendes –, Camões criou uma nova mitologia a partir do mundo real, com seus elementos e seus espantos. Assim, ao descrever o fenômeno elétrico do fogo de São Telmo – espécie de descarga luminosa causada pela ionização do ar –, o poeta criou estes versos que se gravaram na língua com o poder das coisas fantasticamente reais:

Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.

Observem: a repetição da letra “v” no primeiro verso nos dá a impressão de um olhar que pestaneja e de uma chama que crepita. Um dos poderes de Camões era conferir essa impressão de materialidade às palavras, que sobrevive à passagem dos séculos e às transformações do idioma.

A nós que escrevemos, Camões nos ensina a exatidão e a naturalidade. Seus versos – trabalhadíssimos como são – parecem, contudo, anteriores à mão humana: simplesmente existem, como as águas e os céus que tanto cantam. E, uma vez lidos, se impõem como manifestações necessárias, insubstituíveis, de um universo que se estende de dentro para fora da página, e vice-versa. A precisão, a elegância e o colorido de seus adjetivos, que dizem tudo o que têm de dizer sem jamais recaírem no meramente ornamental, não foram superadas em 500 anos de literatura – perto dele chegaram Eça, Machado e só. Vejam por exemplo a aparição de Adamastor, o gigante que personifica o Cabo das Tormentas e que é um dos personagens mais inesquecíveis em toda a literatura de língua portuguesa:

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e vastíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra, e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

(…)

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo”.

E os verbos? Camões os maneja com a mesma excelência, plasmando ações em imagens que ressoam: “Mas o de Luso, arnês, couraça e malha/ Rompe, corta, desfaz, abola e talha”. E os advérbios – sim, até mesmo os advérbios camonianos têm algo a nos ensinar! Melhor que extirpá-los, como sugerem não poucos gurus, é aprender a usá-los com o mestre. Assim, por exemplo:

A muitos manda ver o Estígio Lago,
Em cujo corpo a morte e o ferro entrava.
O Mestre morre ali de Santiago
Que fortissimamente pelejava.

A quase inesgotável potência verbal de Camões faz dele um autor sentencioso no melhor dos sentidos possíveis: é o grande frasista da língua e um dos autores mais citáveis entre os todos os clássicos. O fato de escrever em decassílabos e redondilhas confere a muitos de seus versos a aparência de epigramas cinzelados pelo tempo e não pelo engenho de um único homem. “Um fraco rei faz fraca a forte gente”. “Aparelhamos a alma para a morte”. “Ora pois, porque o amo, é mal tratado,/ Quero querer-lhe mal: será guardado”. A força da sentença camoniana faz triunfar seu intuito de cantar, nos Lusíadas, a descoberta da “máquina do mundo”, na confluência da fábula e da ciência: a golpes de verbo, Camões torna o real fabuloso, como o fogo de São Telmo; e torna o fantástico verossímil, como o gigante Adamastor – um dos poucos casos em que um poeta posterior soube não apenas dilatar, mas até mesmo aprimorar a mitologia dos antigos.

Eu escrevi, há pouco, que a potência verbal de Camões é quase inesgotável. Ocorre que ele próprio demarcou o nec plus ultra de sua criação, nuns versos comoventes do Canto X:

Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.

Aquele que mira o infinito, sendo humano, está condenado a ter a derrota na vitória. Em muitos sentidos, a grandeza de Camões é a crônica de um desastre. Sempre que releio Os Lusíadas, tendo a achar que o Velho dos Restelo se sobrepõe a Vasco da Gama e que toda “glória de mandar” é absolutamente vã: pois o Império cantado por Camões há muito ruiu, como todos os impérios devem ruir um dia. John Milton quis escrever um poema que elogiasse a obediência e condenasse a rebeldia; mas por séculos o Paraíso Perdido foi lido como um romance de aventuras cujo herói é o Diabo. Camões quis cantar as glórias portuguesas (passageiras, como todas as glórias) mas acabou cantando o mundo, e o homem no mundo, e, principalmente, cantou o próprio Canto – que se tornou, ele sim, a glória duradoura de seu povo. Pois os fervores nacionais e as loucuras do tempo sempre acabam por arder e se transformar na cinza dos dias – o que permanece é a imaginação e a linguagem, alma e combustível de outra chama, aquela que permite à voz humana seguir viva, elétrica e luminosa como os fogos de São Telmo, e mais imensa e retumbante que Adamastor.



José Francisco Botelho é jornalista, escritor, poeta e tradutor. De sua mão saíram os Contos de Cantuária, de Chaucer, assim como o Romeu e Julieta, de Shakespeare, entre outros.
 
e sempre saí com a fantástica impressão de que Os Lusíadas é não apenas um monumento do passado, mas uma oficina para o presente. A intensidade e a precisão de seus versos ativam os gérmens da língua, de tal forma que basta abrir ao acaso qualquer um dos Cantos para encontrar um tesouro de possibilidades a serem exploradas.

Já se disse que, nos Lusíadas, o lírico supera o épico, mas eu discordo. De todos os poetas posteriores a Homero, Camões é, em diversos sentidos, o que me parece mais próximo ao autor da Odisseia. Primeiramente, porque a poesia de Camões apresenta uma espécie de variedade na intensidade, semelhante à do grego antigo. Sua habilidade em manejar ideias contraditórias cria um fluxo poético de teses e antíteses: se, por um lado, dispõe-se a cantar o “ilustre peito lusitano”, por outro apresenta o contraponto à “glória de mandar” e “a vã cobiça”, no discurso do Velho do Restelo e ainda outros trechos da epopeia. Além disso, ao entusiasmo desbravador de seus barões assinalados e ao relato exaltado da história portuguesa, Camões mistura de tempos em tempos uma pungente melancolia que, a depender do leitor, pode predominar sobre o hausto heroico. Esse amargor, belamente expresso em versos, nasce da contemplação da “austera, apagada e vil tristeza” que toma conta da nação – presságios de um declínio que o poeta sentiu profundamente como a tantas outras coisas.

perto dele chegaram Eça, Machado e só.
Machado se igualou a ele, mas tudo bem. hahaha

Enfim, texto brilhante! E Os Lusíadas é tão importante para mim que está na minha lista Quarenta livros para ler antes dos quarenta. Em momento nenhum cogitei retirá-lo da lista. É releitura obrigatória. E olha que a dança das cadeiras foi pesada. hahahaha​
 

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