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Aftersun (2022)

  • Criador do tópico Criador do tópico Haran
  • Data de Criação Data de Criação

Haran

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Aftersun - 2022 - Wiki - IMDB - Rotten - Trailer
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Basicamente a premissa do filme é uma mulher adulta relembrando uma viagem que fez com o pai na infância. Baseado nas memórias da diretora estreante... Vi super por acaso na Netflix, meramente por ser um filme curto que mataria o tempo antes de dormir, e me surpreendi demais. O filme é bem paradão, o que dá a sensação inicial de ser mais um de muitos filmes de baixo orçamento que, em nome do intimismo e da "boa cinematografia", pouco dizem e pouco marcam... Mas putz, o filme entrega muito a medida em que se desenvolve, filmaço.

O filme, apesar de se tratar superficialmente da relação da diretora com o pai, trazendo idiossincrasias próprias da biografia de ambos, consegue atingir temáticas bem universais: como nossos pais ao mesmo tempo são próximos e distantes, são íntimos mas escondem demônios, como na vida adulta conseguimos entendê-los mas ao mesmo tempo permanecem insondáveis, etc. E isso transcende até mesmo o tema da paternidade/"filhandade", se trata basicamente da contraposição entre afeição externa e pesar interno, entre intimidade e insondabilidade.

O ator que faz o pai concorreu ao Oscar de melhor ator, merecidamente. Tanto em termos de atuação quanto de linguagem simbólica/cinematográfica, o filme é feito com maestria, deixando muito aberto e meramente sugerido para ser completado pela subjetividade do espectador, mas não aberto o bastante para deixar escapar o que é espiritualmente essencial ou ser exageradamente vago. Enfim, super recomendado, provavelmente é um filme que figurará eventualmente em um top 10 de minha parte.
 
O bom do filme é que ele parece descrever inúmeras experiências distintas. O jeito mais direto de entender o filme é interpretar que o pai morre após essa viagem, por depressão, até porque parece que foi isso que aconteceu com a experiência da diretora Charlotte Wells. Mas não é a única interpretação possível: de minha parte, interpretei o personagem do pai mais como alguém que, apesar de sofrer e estar em certo sentido "deprimido", não (necessariamente) morreria, mas meramente se afastaria da sua filha, pelas circunstâncias naturais da filha morar longe e por estar a ponto de ficar crescida, perdendo a intimidade oriunda da proximidade e de uma visão infantil e idealizada com o pai. Terminado esse espaço mais lúdico e fantasioso da relação pai-filha, ele retorna à rave de seus demônios pessoais... mas sem necessariamente morrer: mesmo que ambos estejam vivos, com os dois adultos aquele espaço não mais existiria, pois agora veriam de forma mais clara aquilo que realmente são. E essa visão, apesar de maior entendimento, confere menos proximidade, na medida em que agora cada um tem seus próprios espinhos e é sensível aos do outro.

Algumas falas parecem bater com isso, como, por exemplo, quando o pai pede que a filha sempre seja aberta com ele nos anos que viriam (não parece uma fala de alguém que planeja morrer, mas de quem quer adiar o inevitável), ou quando a filha fala sobre estarem debaixo do mesmo sol, ainda que distantes. Até quando a própria filha confessa sentir uma melancolia, parece apontar que essa melancolia como uma característica mais generalizada da vida e não necessariamente uma patologia. Sem falar que boa parte do filme é gasta com uma história de coming of age da filha que está na passagem da infância para a adolescência... e que, portanto, está se afastando naturalmente do pai (vide a cena, por exemplo, em que a filha se sente desconfortável com o pai aplicando, nela, um protetor solar). Quer dizer, a "last dance" pode também ocorrer via circunstâncias mais naturais.
 
Última edição:
O bom do filme é que ele parece descrever inúmeras experiências distintas. O jeito mais óbvio de entender o filme é interpretar que o pai morre após essa viagem, por depressão, até porque parece que foi isso que aconteceu com a experiência da diretora Charlotte Wells. Mas não é uma interpretação obrigatória: de minha parte, interpretei meramente como alguém que, apesar de sofrer e estar em certo sentido "deprimido", não (necessariamente) morreria, mas meramente se afastaria da sua filha pelas circunstâncias naturais da filha morar longe e por estar a ponto de ficar crescida, perdendo a intimidade oriunda da proximidade e de uma visão infantil e idealizada com o pai. Perdendo esse espaço mais lúdico e fantasioso da relação pai-filha, ele retorna à rave de seus demônios pessoais, mas sem necessariamente morrer: mesmo com ambos eventualmente vivos, com os dois adultos esse espaço não mais existiria, pois agora se veriam de forma mais próxima daquilo que realmente são. E essa visão, apesar de maior entendimento, confere menos proximidade. Ou, em outras palavras, agora cada um tem seus próprios espinhos e é sensível aos do outro. Algumas falas parecem bater com isso, como, por exemplo, quando ele pede que a filha sempre seja aberta com ele (não parece uma fala de alguém que planeja morrer, mas de quem quer adiar o inevitável), ou quando a filha fala sobre estarem debaixo do mesmo sol, ainda que distantes. Até quando a própria filha confessa sentir uma melancolia, parece apontar que essa melancolia como uma característica mais generalizada da vida e não necessariamente uma patologia. Quer dizer, a "last dance" pode também ocorrer via circunstâncias mais naturais.

eu acho que filme bom é justamente o que permite isso, várias leituras :yep:

eu senti que foi algo mais definitivo, talvez até por - como já comentado - minha experiência pessoal. tem também um subtexto ali das coisas que você só percebe depois que também é mãe/pai e que não podem ser conversadas, ditas ou questionadas quando a pessoa não está mais viva para te responder. não é uma questão de pegar o telefone e perguntar/conversar, mesmo depois de anos de distanciamento. é uma impossibilidade real. e aí você fica com a memória e tenta reconstruir disso o que poderiam ser as respostas, mas nunca terá como saber o que significavam de fato algumas ações, falas e silêncios. a confrontação não é mais uma possibilidade, entende?

é um pouco do que eu senti também ao ver o all of us strangers, que por coincidência também tem o paul mescal, mas não no papel principal. no filme o protagonista consegue dialogar com os pais que morreram quando ele ainda era criança (não é spoiler, a gente começa o filme sabendo que ele é órfão). nesse caso o diálogo é mais sobre ele ser homossexual, e tentar entender como seus pais receberiam a informação - ele não tem como saber, a descoberta da orientação sexual veio depois do acidente que matou os pais. então é de novo a angústia do diálogo impossível.

um rompimento, um distanciamento também permite essa leitura? sim. mas eu acho que ali há muito mais uma tentativa de alcançar esse ponto em que algumas fichas começam a cair e você não tem mais a possibilidade de falar sobre isso com a pessoa que é parte relevante das tais fichas que caíram. no caso de aftersun, talvez justamente o descaralhamento de descobrir que você botou uma criança no mundo quando você não tem as ferramentas para estar circulando bem nesse mundo, nem para cuidar e proteger essa criança como gostaria (ali eu fico com a ideia que é pela depressão, mas também acho que é algo que pode ressoar diferente para cada pessoa).
 
também é mãe/pai e que não podem ser conversadas, ditas ou questionadas quando a pessoa não está mais viva para te responder. não é uma questão de pegar o telefone e perguntar/conversar, mesmo depois de anos de distanciamento. é uma impossibilidade real.

É uma leitura válida, sem dúvida. Mas também pode haver uma impossibilidade real de cunho mais psicológico do que físico... Retomo o assunto porque recentemente re-assisti A Árvore da Vida, de Terrence Mallick. Tem muitas semelhanças com Aftersun: ambos envolvem um adulto numa situação melancólica que relembra a infância e que, na vida adulta, entende mais o pai até porque passa por dificuldades parecidas com as dele, mas sem que isso implique em uma aproximação com o pai ou um entendimento satisfatório da figura paterna. Os dois filmes são pesadamente autobiográficos (e originado disso sugerem, mas não cravam, um suicídio fora de cena). E, coincidentemente, em A Árvore da Vida, há uma cena em que o filho faz justamente uma ligação para o pai, falando algo como "Eu não deveria ter falado aquilo. Sei que você fez o que pôde". Quer dizer, este filho tem a possibilidade de falar com o pai, ambos têm espinhos parecidos, mas não são capazes de atingir um grande entendimento ou reconciliação um com o outro: essa mera frase mostra que o filho ainda retém sentimentos ambíguos e assuntos não resolvidos, apesar da possibilidade de poder ligar e falar com o pai. No filme, a reconciliação fica apenas para o pós-vida, uma mera esperança.

Uma diferença entre os filmes é que A Árvore da Vida atinge níveis mais cosmo-teológicos, e trabalha mais com arquétipos e temáticas cristãs: o pai é a natureza, basicamente o mal, e a mãe é a graça, basicamente o bem - ainda que fique claro que o pai também tenha o bem em si, e a mãe também sofra com o mal. O filho enxerga em si mais o mal do pai, enquanto enxerga o bem no irmão falecido. Já em Aftersun bem e mal estão mesclados na figura do pai, ou poderia dizer que o pai é o bem que esconde um grande mal. Quer dizer, essas ambiguidades e tons de cinza típicos da humanidade, ainda que presentes, estão menos evidentes em Árvore da Vida (o mal que a mãe sofre parece ser sempre vindo de fora dela, por exemplo). De início seria tentado a dizer que, por causa disso, A Árvore da Vida acaba sendo mais maniqueísta e, portanto, menos realista... mas os modelos de paternidade e de maternidade ali presentes, de fato mais maniqueístas ou dualistas, eram bem generalizados até os anos 90 (pelo menos). E, como Aftersun, muitas cenas trazem tal realidade que, arrisco dizer, só quem viveu aquilo poderia ter escrito (quer dizer, o filme não deixa de trazer também certo realismo oriundo de seu viés autobiográfico). Enfim, são filmes que conversam bastante e se complementam.

Diria que O Som do Metal é outro filme que complementa Aftersun. A relação com os pais nesse filme não é importante, mas sim a situação do protagonista como uma figura quebrada, assim como os filhos adultos de Aftersun e A Árvore da Vida, e a problemática posta é como lidar com essa quebra: isso é, lidar com uma possível "last dance", dessa vez não com o pai, mas sim com a companheira e com uma vida antiga. Inclusive tem momentos estilisticamente similares entre Aftersun e O Som do Metal: por exemplo, ambos têm em sua cena mais catártica uma música, tocada in universe, que retrata a consciência aguda, por parte do protagonista, da perda que ele sofreu, e sinto que por causa disso os dois filmes têm efeitos psicoemocionais um tanto quanto parecidos. E, enquanto Árvore da Vida e Aftersun lidam com certo mal-estar, mas não apontam uma solução, ficando-se meramente com a esperança ou o pesar, O Som do Metal parece encaminhar alguma resposta nesse sentido, a nível individual.

Acrescentaria um quarto e último filme nessa sequência: Mr. Nobody. Novamente, um adulto que relembra sua infância e juventude, e em especial a figura de seus pais... mas aqui é o homem mais velho do mundo e com lembranças embaralhadas. O filme trabalha com a mesma problemática dos três filmes, trazendo tanto o viés científico-natural e arquetípico de Árvore da Vida, quanto um pouco do viés interior-psicológico de Aftersun. Além disso, toma a solução meramente sugerida de O Som do Metal, não só explicitando-a, mas elevando-a ao mesmo nível cósmico de A Árvore da Vida (e inclusive trazendo também uma certa vibe pós-apocalíptica no final). E o faz com um estilão fantástico particularíssimo, só vendo pra saber. Entretanto, é um filme menos catártico e mais conceitual que os outros três.
 
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Valinor 2023

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