Melian
Período composto por insubordinação.
A segunda lista do Indu veio para quebrar tudo. Para quem ainda não viu a primeira, é só conferir, aqui. Achei engraçado ele ter se desculpado com os colegas de fórum pelos textos longos, porque foi uma das melhores coisas sobre a listinha dele. Só perde para o fato de ela ter Dostoiévski, e Shakespeare, e Sartre... tá, cês sabem que quase morri de felicidade foi quando vi Machado na lista! Acho que não preciso me estender na apresentação, porque a lista fala por si. Mas, antes que vocês partam para a apreciação dos cinco livros favoritos do Indu, preciso dizer uma coisa: gostei, muito, do comentário que ele fez sobre uma lista não anular a outra, porque é o que já havíamos comentado: os livros que foram escolhidos da primeira vez, naquele contexto, foram importantes, e fazem parte da história de quem optou por selecioná-los. Gostei, também, de, apesar do momento atual por que passa o país, e o mundo, a gente ainda conseguir ter esperança, o que se pode depreender da fala do Indu de que, quem sabe, em alguns anos, ele faça uma terceira lista?
Ah, uma coisa: como o Indu disse, no texto inicial, que a ordem dos livros não seguia critério de preferência, alterei o trequinho. Por isso, Dom Casmurro, que estava no fim da lista, veio para o início.
Ah, uma coisa: como o Indu disse, no texto inicial, que a ordem dos livros não seguia critério de preferência, alterei o trequinho. Por isso, Dom Casmurro, que estava no fim da lista, veio para o início.

Desculpem-me pelos textos longos, mas acho que os livros pediam certa profundidade. Confesso que a listinha ficou com um clima meio pesado, e, por mais que eu queira, não encontro uma boa justificativa para isso. Talvez seja pelo clima atual, que intensifica a minha tendência a ver o pior lado das coisas. Por contar com poucas fantasias, a lista ficou mais pé no chão, abordando temas mais cotidianos e algumas tensões existentes. Não considerem a ordem apresentada, isso é apenas uma formalidade. Outra coisa: a nova lista não invalida a antiga. Acho importante ressaltar isso porque tenho grande apreço por aqueles livros que listei há alguns anos, e pensar que essa nova lista substitua a antiga, me incomoda um pouco. Não, não existe substituição, mas, sim, uma continuação. São praticamente os meus 10 livros favoritos, e, quem sabe, daqui a alguns anos, meus 15? Sinto, no fundo, uma traição, pela lista não ter Tolkien. Mas acho que falar de Tolkien, aqui, ficou um pouco repetitivo, não de uma forma ruim, só um pouco redundante.
Obrigado.
1. Dom Casmurro - Machado de Assis
Se não tiver outro daqui até o fim, vai este mesmo.
Machado de Assis dispensa apresentações. Dom Casmurro é um daqueles livros que nos fazem ler na escola. E mandar um adolescente, no auge da sua rebeldia, ler algo por obrigação, é uma merda. E pedir para falar sobre a profundidade do Realismo a um cara que estava lendo Crônicas de Nárnia e Harry Potter é desonesto. Eu levei muito tempo para escrever esse trecho sobre Machado e esse livro, porque não sabia exatamente por onde começar, e o que desenvolver. Existe um tópico inteiro dedicado ao escritor, e ainda não é o bastante pra resumi-lo. E acho até bom que seja assim, pois sempre terá algo para falar. Gosto, muito, da Capitu, apesar de me identificar um pouco com Bentinho. A Capitu, desde cedo, mostra atrevimento. Ajuda Bentinho com um plano para salvá-lo da promessa de Dona Glória para fazer do filho padre. Ficamos nos perguntando como seu tempo no seminário e sua amizade com Escobar não ajudou em nada para que, no futuro, Bentinho se tornasse uma pessoa melhor? Característica muito forte da narração Machadiana é de criar instabilidade nos personagens. Como acontece, futuramente, com Bentinho e sua paranoia com a traição. O tom analítico do livro mostra as pretensões do protagonista de não se arrepender. O cara era paranoico, e consegue nos envolver a tal ponto, que começamos a pensar se ele, realmente, não tinha razão. A história de Bentinho tem um quê de irônica e desconfortável. Acredito que essa tonalidade da narrativa seja proposital, pautada numa crítica à burguesia carioca. É triste ver que, apesar de tudo que ele passou, permanece irredutível no seu pensamento e forma de ver as coisas, o que só piora com o avançar da idade. Enfim, é uma leitura ímpar.
2. A Rainha do Castelo de Ar - Stieg Larsson
Do hospital para o tribunal.
Agora temos uma série que gostei muito. Foi um dos primeiros livros que peguei na biblioteca local para ler. E eu adoro ir em bibliotecas, e essa série foi o motivo da criação da minha carteirinha na biblioteca de Guarulhos. A Saga Millenium, da Lisbeth Salander tem um lugar especial no meu coração. Foi uma das últimas que tive paciência para ler. E, mesmo assim, só li o que foi escrito por Larsson. Eu gosto bastante do desenvolvimento que o Larsson dá para a Lisbeth. Os detalhes da ambientação (principalmente nos primeiros livros) são tão cuidadosos que fazem com que tenhamos vontade de viajar até a Suécia. Outra coisa que me atrai, muito, nessa saga são as inspirações: Larsson criou Lisbeth como forma de reparação para uma situação de seu passado. Uma injustiça com a Lisbeth verdadeira o motivou a criar a personagem, como meio de expor a cultura machista e opressiva do Leste Europeu.
O livro começa após o termino d'A menina que brincava com fogo. E eu gosto desses títulos que o Larsson dá. Passam uma impressão delicada da personagem, que, na maior parte das vezes, só mostra seu lado mais agressivo, mesmo que ela demonstre ter um lado fofo, vez ou outra. Aqui termina toda trama envolvendo o passado da jovem Lisbeth, e dá um rumo para seu relacionamento com Mikael. Lisbeth está num hospital, ferida, e se recuperando, enquanto a mídia sensacionalista bombardeia sua vida. Mikael usa de sua influência, e arrisca seu pescoço, na revista Millenium para ajudá-la.
A trama vai do hospital para os tribunais, onde se monta todo um esquema para silenciar, de uma vez por todas, Lisbeth. A audiência, de portas fechadas, vai virando e revirando o passado da menina Lisbeth. Sua família, pai, mãe, e irmã gêmea. Faz-se um tour pelos aspectos psicológicos que moldaram a personagem, e levaram-na a ser quem ela é. Isso, já conhecemos, de fato, ao longo do dois últimos livros. A vulnerabilidade da personagem me incomoda, bastante, e ver como ela trabalha isso é um aprendizado. O livro tem um desfecho bem bacana. Na época, sem a certeza da continuidade da série, havia certo receio de um final injusto para tudo o quê personagens e leitores passaram juntos.
Eu não sou muito fã de espionagem, ou pegada conspiratória (Arquivo X é meu máximo). Mas essa saga consegue equilibrar suspense policial com elementos de espionagem e conspiração governamental de um modo que não soa tão apelativo. Okay, se você considerar que um garota de vinte e pouco anos é uma hacker fodida e tem um passado abafado por uma organização secreta do governo. Até ai tudo, bem, né? Enfim, eu adoro a dinâmica da formação da dupla totalmente improvável.
3. Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski
Mindhunter na Rússia
Difícil ver Dostô e não lembrar desse livro ou de Os Irmãos Karamazov. Mas acho a narração de Os Irmão Karamazov parecida com uma grande e detalhada fofoca, e, apesar de gostar muito de fofoca, esse livro não me atrai como Crime e Castigo, que li duas vezes; uma, morando em Santos, logo que comprei o livro, e me identifiquei mais com a primeira parte. Na segunda vez que o li, eu já morava em Guarulhos, e estava no curso de Marketing (curso que achei horroroso), e me perguntando o que eu estava fazendo lá. A segunda parte do livro foi melhor absorvida durante essa época. Comprei o livro numa feira de rua, em Santos. Era uma versão muito boa, da Editora Abril: capa em tecido vermelho, dividido em duas partes de, aproximadamente, trezentas páginas cada.
Dá para perceber uma violência latente no livro. Isso evidencia-se no protagonista, que discorre sobre crimes para um bem maior; evidencia-se, também, em toda a depravação que ronda os personagens. A primeira parte é propriamente sobre o crime, mesmo que ele só aconteça, efetivamente, por volta da página 100. Para chegarmos a esse ponto, existe toda a construção da visão de Raskólnikov. Mostra-se seu mundo miserável, sua pouca interação com as outras pessoas e o seu gênio indomável. É difícil viver ao lado de Raskólnikov, pois, apesar da sua inteligência, ele é irritante, e facilmente irritável, além de julgar e condenar, rapidamente. Logo, ele é um fodido, que vive na miséria. A essa miséria, ele atribui todos os males, e o fato de o seu potencial para a grandiosidade não ser atingido.
Eu gosto de como ele percebe as coisas a sua volta. É quase um clichê: "o assassino era frio e calculista". Personagens inteligentes me cativam, porque o mundo está cheio de gente burra. É bem elaborada toda a maquinação, minimamente pensada, por Raskólnikov, até chegar às machadadas em si. Se adotarmos a noção de que pessoas más merecem morrer, há um alívio moral ali, ou, pelo menos, eu sentia isso, na primeira vez que li Crime e Castigo. Mas o castigo às pessoas más precisa ser exclusivamente delas, e não se estender às pessoas a sua volta. Porém, não é isso que acontece, né? A irmã da agiota entra em cena viva e sai morta. Senti-me contemplado, porque eu morava sozinho em Santos, sem muitos amigos, e queria matar meu agiota. Brincadeira! Foi, sim, uma época de solidão, poucos amigos e muito trabalho. Foi fácil eu me identificar com o jovem Raskólnikov, seus pensamentos sobre as coisas que o rodeiam.
A segunda parte do livro se concentra no castigo, nos delírios advindos da culpa. Isso começa a ficar tão evidente que Rodion vira um suspeito. Seus amigos próximos e seu amor, Sonia, começam a criar uma certa pressão moral no jovem. Os ensaios da psicologia humana dentro do livro são muito bons. Por pensar muito, e em tudo, Raskólnikov começa a entrar em parafuso. A culpa do homicídio começa a consumi-lo, até que se chega ao desfecho. Da primeira vez que li, meu entendimento ficou nublado, mas da segunda vez, (por já conhecer Dostoiéviski), achei um pouco previsível. Além do apelo religioso, o livro fisga pela certeza do protagonista de que, por mais violento que fosse seu caminho, ele ainda poderia sentir alguma paz ou algum alívio se agarrando a algo maior. Crime e Castigo é simplesmente envolvente.
4. O muro - Jean-Paul Sartre
Existencialismo do morre não morre nas mãos dos fascistas.
É uma coletânea de contos existencialistas de Sartre, com o primeiro deles nomeando o livro. Os contos abordam o existencialismo, uma das minhas correntes filosóficas favoritas. Trazer para a lista O Muro, ao invés de A Idade da Razão, foi uma decisão difícil. São minhas obras favoritas do Sartre, e diferente de O Ser e o Nada, que é mais objetivo, os outros são ficção, e conseguem, a meu ver, moldar e apresentar melhor o objetivo do filósofo. O Muro, Erostrato, A Intimidade, O Quarto e A Infância de um Chefe, abordam, de modo muito similar, os medos inquietantes dos indivíduos num mundo pré-Segunda Guerra. Os contos trazem uma aproximação entre a filosofia e a experiência humana e subjetiva da vida e suas tensões. Vivo num misto de amor e ódio pelo existencialismo. Amo-o por sua interpretação tão singular e subjetiva de nossos sentimentos, ao passo que também consigo odiá-lo por fomentar a corrente pós-moderna que agraciou todas essas bolhas sociais e suas incongruências.
Le Mur (original em francês) espreme a vida e a morte num muro, fonte da divisão de dois estados absolutos. O muro, no conto, é o local para a execução, onde um pelotão de fuzilamento irá abater os personagens. A partir da insensível perspectiva de Pablo, vamos explorando as diversas reações que são desencadeadas frete a uma situação de morte. Eu gosto dessa insensibilidade. Primeiro, a dor da perfuração de cada projétil; depois, o saudosismo dos vícios humanos, que se desdobram em bebedeiras e romances. Tudo isso desemboca na conclusão de que a vida é uma mentira.
Sartre tem uma participação especial na minha vida adulta, quando, de fato, eu me vi como uma pessoa formada, ou pelo menos criei a consciência dessa formação. O valor que damos a ninharias, ou amizades, e tudo isso frente ao que realmente podemos levar conosco. Até que ponto essas coisas são importantes? O conto caiu como um raio no meio dessa reflexão, fez-me entender e sentir as coisas de um modo mais desacreditado.
5. Romeu e Julieta - William Shakespeare
Shakespeare escrevendo sobre família que se odeia, e juventude passional, é a receita da desgraça.
Precisava por Shakespeare na lista, e nada melhor do que um livro que eu leio quase todo ano. Confesso que existem livros do dramaturgo que considero melhores, como Sonhos numa Noite de Verão, ou A Megera Domada, mas o humor machista desse último é intragável. Engraçado que muitos podem não ter lido Romeu e Julieta, mas todo mundo conhece a historia, que virou um verdadeiro patrimônio. E existem várias formas de ser apresentado à história, mas os filmes é a melhor delas. Quem não se lembra de Romeu + Julieta ou de Gnomeu e Julieta? Pois bem, Romeu e Julieta é clássico do clássico, e leitura obrigatória. Se você que está aqui não leu a peça, ainda, corrija isso, e volte aqui depois.
No interior da Itália, existem duas famílias se matando. De um lado, estão os Montecchio; do outro, estão os Capuleto. Entre eles, surge um amor improvável. Seus filhos, Romeu e Julieta, se apaixonam. Essa paixão arrebatadora dura uns quatro dias, e morre tanta gente no meio dessa bagunça, que dificilmente eu chamaria a peça de historia de amor. Mas eu gosto de ver como essas atitudes precipitadas levam a um evento trágico. De um lado, o rapaz de 17 anos, que fica chorando para cima e para baixo por uma tal de Rosalina, que sequer dá as caras na história. Do outro, uma jovem de 13 anos, cujo pretendente é um riquinho da cidade, chamado Páris.
A peça se constitui de 5 atos, que se desenrolam num diálogo poético e bem característico. Sempre vou me arrepiar ao ler as últimas palavras de Romeu:
Braços, permiti-vos o último abraço.
E lábios, vós que sois a porta do hálito com um beijo legítimo selai este contrato com a morte exorbitante.
Impossível não se deixar levar.