Fúria da cidade
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Análise | Fallout 76 é uma trágica experimentação de multiplayer que deu errado
Quando Todd Howard subiu ao palco da apresentação da Bethesda na E3 2018 e começou a falar sobre Fallout 76, muito se questionou sobre a confusão que foi apresentada sobre a sequência de uma das franquias mais famosas da desenvolvedores. Ele teria um mundo aberto? Com multiplayer online? Em servidores? As pessoas poderiam invadir cada um as bases dos outros? É possível jogar novas bombas nucleares pela cidade?
A verdade é que o cabeça da Bethesda estava sendo completamente honesto naquela apresentação: Fallout 76 é toda essa bagunça que foi prometida no evento. A história (ou melhor, o enredo mal contado aqui) gira em torno da Vault 76, conhecida como um abrigo histórico que deu certo, dentre tantos problemas mostrados em outros jogos da série.
Dessa forma, o jogador é apresentado a West Virgínia, muito bem ambientada, como uma marca já de toda produção da Bethesda relacionada a Fallout. Se tem uma coisa que eles sabem fazer é recriar cidades dentro de jogos.
Importante já deixar de cara o tom desta análise: Fallout 76 é um jogo falho em nível que estraga completamente a experiência. Uma tentativa do novo (o que merece ser reconhecido), mas que passa longe de ter dado certo. A Bethesda falhou tanto aqui que aparenta não ter testado nada do que propôs antes de lançar o game. O que torna tudo ainda mais curioso tendo em vista que houve dias de beta para o título.
Fallout 76 é um jogo com tantas falhas, erros, bugs e mecânicas ultrapassadas, para não dizer preguiçosas, que fica até difícil acreditar que este game foi feito com o esmero típico da Bethesda. Quem acompanhou os documentários sobre a desenvolvedora feitos pelo canal Noclip no YouTube, percebeu o quanto Fallout 76 parecia estar sendo feito com muito, mas muito carinho. Será que foi paixão demais que fez esta ideia não funcionar?
A premissa do multiplayer
Vale tirar o chapéu para o Bethesda pela coragem de tirar todos os personagens não jogáveis (NPCs) do título. Isso quer dizer que, em Falltou 76, não há sequer um personagem não-humano que vai lhe ajudar, acompanhar ou mesmo receber e oferecer missões, armas e trocas de equipamentos.
A ideia é que até 32 jogadores possam entrar em um servidor (número que varia de acordo com o servidor) e se virem entre si para criar grupos, fazer amizades e até mesmo se matarem como quiserem.
De cara, isso já faz da West Virgínia de Fallout 76 um dos locais mais pedantes do mundo dos games. Primeiro, porque é preciso conversar com robôs sem voz e carisma, diferente dos impressionantes Cl4p Tr4p ou gL4Dos de Borderlands e Portal, respectivamente. Ser guiado por esses robôs faz com que você tenha a impressão de que está somente passando entre máquinas de venda, resgatando a próxima missão a ser feita.
Quando se está em equipe, todas missões ficam listadas no lado direito de forma confusa (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Não há nada de épico, de emocionante, de instigante. Apenas um menu de missões, cujos destinos são mostrados no mapa e que, de tão mal explicados, causam o sentimento de se estar apenas andando de um ponto a outro e a outro e a outro infinitamente.
Outra forma pela qual Fallout 76 apresenta a sua história sem os NPCs é pelos terminais espalhados pelo mapa que você pode consultar. Aqui, há aqueles computadores retrô com tela de fósforo verde, totalmente datados e sem nenhuma personalidade repletos de textos e mais textos sobre o passado daquele mundo.
Quem quiser se aprofundar na narrativa de Fallout 76 vai precisar de boas horas de leitura de um texto que se apresenta de forma preguiçosa e relativamente mal escrito.
Em suma, retirar todos os NPCs para deixar a interação na mão de jogadores reais foi um golpe mortal para a narrativa e ritmo de Fallout 76. Logo, seria bom que esse sacrifício compensasse na jogabilidade, não é mesmo?
Infelizmente, não é o que acontece. West Virginia é um lugar muito grande, com uma excelente ambientação que, mais uma vez, é um dos pontos altos deste desenvolvimento. O problema é que esse universo abriga apenas até 32 jogadores de uma vez, sendo que em nenhum teste desta análise se verificou mais de 15 pessoas jogando ao mesmo tempo.
Resultado: West Virginia é uma enorme cidade fantasma. Um parque de diversões para o qual seus pais o levaram com a promessa de vários amiguinhos com quem brincar, porém a realidade é um belo aterro de solidão.
Toda história do jogo é contada por computadores antigos (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Fallout 76 é um game que precisa de interação entre os jogadores, mas não estimula que eles interajam entre si. Não houve momento real na produção desta análise em que foi realmente preciso buscar ajuda para conseguir realizar uma missão.
Mesmo em momentos que se joga em grupo, a interação não é obrigatória. Por exemplo, quando você entra em um evento público (como proteger uma base de hordas de inimigos), não é preciso que vocês façam parte de um mesmo time para que os prêmios e experiência sejam conquistados. A bem da verdade, não é preciso nem mesmo colaborar para a matança para ser bonificado. Ou seja, caso você esteja passando pelo local despercebido de que um evento está acontecendo por ali, pode calhar de subir de nível sem nem mesmo entender o porquê.
Até mesmo quando se monta um time com outra pessoa, o jogo simplesmente compartilha as quests que cada um tem que fazer, apresentando uma confusa lista que dificulta ambos jogadores a entenderem realmente o que vão fazer como um time.
Dito isso, a consequência do foco em multiplayer minou toda a essência de Fallout 76, transformando-o em um universo gigante, chato, sem carisma e com quase nada de interessante para se fazer. A falta de personagens que contem a própria história obriga o jogador a ficar o tempo todo olhando em registros, ou seja, observando o passado. West Virginia se torna, assim, um grande museu dos ataques nucleares aos Estados Unidos.
Último respiro do Creation
Colocar toda a culpa do fracasso de Fallout 76 sobre os ombros do arriscado modo multiplayer que não deu nada certo é também uma análise rasa. Os problemas deste título vão além da experimentação trágica.
Isso porque nada é prazeroso de se fazer neste game. Fallout 76 é feito no Creation Engine, o mesmo feito para a produção do mundo de Skyrim. Isso quer dizer que o motor gráfico tem ao menos 7 anos de existência.
O Creation Engine também foi o responsável pela jogabilidade e limitações de Fallout 4, jogo muito criticado pelas mecânicas confusas. Assim, Fallout 76 recai sobre os mesmos erros e mecânicas já muito datadas de Skyrim e seus sequentes jogos com esta engine.
Veja bem, isso não quer dizer que o último game da série Elder Scrolls seja ruim, longe disso. Só que, lançado em 2011, é de se perceber que 7 anos é bastante tempo para uma engine que foi pouco utilizada desde então.
Outro ponto sobre o Creation Engine é que grande parte das principais ferramentas dele são voltadas para a exploração de NPCs. Com ela, foram lançados os kits da Radiant, mecanismo dos motor gráfico voltado a criar reações melhores e mais árvores de diálogos entre os NPCs e os jogadores. Assim, retirar os NPCs da jogada faz com que pelo menos metade das principais qualidades do Creation Engine sejam deixadas de lado. Em resumo: a Bethesda capou um motor gráfico que já é datado.
Atirar é realmente difícil em Fallout 76 (Foto: Wagner Wakka/Canltech)
O que sobrou, então? O que o Creation tem de pior. Movimentar-se, pegar itens, construir a sua base, interagir com os robôs, andar e, principalmente, utilizar itens; tudo neste jogo é truncado e muito difícil.
A jogabilidade de Fallout 76 é tão travada que a impressão que se tem é de estar jogando Skyrim em um universo pós-apocalíptico. Em uma visão mais otimista, pode-se dizer que este game poderia facilmente ser vendido como um DLC com foco em multiplayer de Fallout 4.
O jogo oferece muito poucas ferramentas fáceis de atalho para encontrar e utilizar itens, equipar, mostrar as características do seu personagem. Como um jogo online, isso fica ainda pior, já que entrar em menus e até verificar terminais não significa pausar o jogo. Ou seja, não é raro que você passe pelos inimigos escondido para verificar uma informação em um computador e comece a tomar porrada no meio da sua leitura, interrompa tudo e perca totalmente a imersão da história.
Fuçar no equipamento pelo Pip-boy, embora traga efeitos visuais muito interessantes, infelizmente é algo difícil de se entender e que exige, por vezes, muito passos para a realização de ações simples como comer, beber ou escolher uma arma.
Fallout 76 também introduz uma mecânica de cartas, que podem ser usadas para melhorar o seu personagem em alguns atributos como força, inteligência, resistência, carisma entre outros. Cada carta equipada para cada atributo dá ao personagem, por exemplo, mais velocidade, ou exige menos para recuperar a vida. Contudo, além de o sistema ser extremamente confuso e pouco explicativo, nada do que é equipado ali devolve um bom feedback ao jogador, de forma que tais cartas parecem não fazer diferença efetiva na gameplay.
Resumindo, em um jogo no qual não é fácil atirar ou bater em alguém, não vai ser mais 10% de mira que vai consertar este problema.
Ambientação bem-feita
Aqui vale um destaque para o game. West Virginia é um lugar bonito, com algumas constituições bastante interessantes. Contudo, a falta de “recheio” deste universo o torna insosso rapidamente, oferecendo apenas um local bem-feito sem muito com que interagir.
Jogo é bonito, mas traz cores saturadas que tornam o ambiente esquisito (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Outro ponto interessante é a possibilidade de se jogar uma bomba nuclear no servidor. Anunciado por Todd Howard como a grande revolução de Fallout 76, esta novidade realmente traz um toque diferente para o jogo.
Em níveis bem avançados, os jogadores podem pegar armaduras que resistem bem à radiação. Com isso, podem ir atrás de uma quest dentro de um silo nuclear e acionar um míssil para qualquer lugar do mapa.
A proposta é que, em uma batalha ferrenha de um time contra outro, esta fosse a grande mecânica de desequilíbrio. Contudo, virou apenas mais um brinquedo deste grande parque de diversões.
Quando uma bomba dessas é jogada em uma determinada área do mapa, aquela região se torna salubre apenas para quem tem alto nível e uma boa proteção contra radiação. Isso quer dizer que os jogadores mais experientes podem entrar na nuvem destruição e brincar em um jogo completamente diferente e com criaturas muito, mas muito mais fortes e modificadas pela radiação.
Esta é uma característica muito interessante de Fallout 76, mas que não vale, nem de perto, todo o sacrifício de horas e horas em um mundo completamente chato e mal feito do game. Entretanto, é um ponto muito bem criado pelo time para presentear aqueles que sobreviveram até aqui.
Em termos de ambientação, o game também não oferece uma boa sensação de dia e noite, sendo que, sem luz do sol, o jogo se mantém ainda muito claro e com visão bem ao longe. De dia, a visão se torna ainda mais estranha, já que há um alto nível e saturação de cores, o que torna o gráfico bastante estranho.
Erros técnicos
Para fechar o mar de desencantos com este título, é importante falar sobre os problemas de desempenho que ele tem. O que falta de NPCs sobra em bugs em Fallout 76. Em uma hora de gameplay é possível perceber mais de 30 ações estranhas e falhas de movimentação, mecânicas, física e afins.
Junto disso, não é raro ouvir barulhos de tiros sem que você tenha nem a vaga ideia de onde eles vêm. Como o jogo tem ambientação 3D sonora, o movimento mais comum de se fazer é virar o personagem para onde você acredita que está vindo o tiro.
O problema é que há tantos bugs que nem sempre quando você olha pela primeira vez o inimigo está lá. Ele consegue atirar em você, mas você não o vê. Só quando movimenta a câmera umas três vezes na mesma direção é que ele aparece como em teletransporte na sua frente e permite que você o mate.
Embora não seja regra, esta cena aconteceu mais de uma dezena de vezes durante a produção desta análise. O suficiente para resultar em mortes das quais não tive nem chance de me defender.
Soma-se a esses problemas técnicos o fato de que a Bethesda lançou uma patch de atualização de mais de 50 GB para arrumar os problemas do game. Isso quer dizer que ela acabou com a estratégia do pré-download para atualizar os arquivos que, mesmo assim, ainda carregam muitos e muitos problemas. Isso mostra o desespero e a falta de organização da empresa com o game.
Espere a próxima vault
Fallout 76 é uma bomba nuclear jogada na própria Bethesda. O jogo tem potencial e mostra uma empreitada interessante da desenvolvedora em criar seu título 100% multiplayer. Contudo, a execução em termos de narrativa, gameplay e interação não foram somente ruins, mas beirando o trágico.
Sistema de cartas aumenta as habilidades, mas funciona de forma confusa (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Algumas pessoas da indústria e até mesmo jornalistas apontam que a Bethesda ainda pode salvar este game, como a Hello Games conseguiu recuperar No Man’s Sky. O caso de Fallout 76 é ainda mais complicado, pois não há menos conteúdo do que o prometido, mas tudo que foi entregue simplesmente não funciona.
Ou seja, não é só questão de adicionar mais conteúdo, mas de realmente mudar toda a essência do foi proposto para Fallout 76. Assim, parece-me mais conveniente jogar o projeto fora e começar algo do zero, com nome inédito e um produto que possa tirar este amargo gosto que ficou na história da Bethesda.
Com um estúdio com esta tradição, responsável por um dos jogos mais reverenciados do mundo, líderes também em downloads para smartphones com Fallout Shelter, é até vergonhoso o que foi entregue nesta continuação.
A vontade que fica é de sentar com os desenvolvedores e questionar: “Eu sei que vocês sabem fazer jogos. Vocês têm capacidade. O que aconteceu aqui?”. É realmente incrível, da pior forma possível, o resultado de Fallout 76. Um game difícil de ser recomendado até àqueles que gostam do estilo e da franquia.
Fallout 76 foi lançado em 14 de novembro para PlayStation 4, Xbox One e PC. No Canaltech, ele foi analisado com uma cópia para PlayStation 4 gentilmente cedida pela Bethesda.
Quando Todd Howard subiu ao palco da apresentação da Bethesda na E3 2018 e começou a falar sobre Fallout 76, muito se questionou sobre a confusão que foi apresentada sobre a sequência de uma das franquias mais famosas da desenvolvedores. Ele teria um mundo aberto? Com multiplayer online? Em servidores? As pessoas poderiam invadir cada um as bases dos outros? É possível jogar novas bombas nucleares pela cidade?
A verdade é que o cabeça da Bethesda estava sendo completamente honesto naquela apresentação: Fallout 76 é toda essa bagunça que foi prometida no evento. A história (ou melhor, o enredo mal contado aqui) gira em torno da Vault 76, conhecida como um abrigo histórico que deu certo, dentre tantos problemas mostrados em outros jogos da série.
Dessa forma, o jogador é apresentado a West Virgínia, muito bem ambientada, como uma marca já de toda produção da Bethesda relacionada a Fallout. Se tem uma coisa que eles sabem fazer é recriar cidades dentro de jogos.
Importante já deixar de cara o tom desta análise: Fallout 76 é um jogo falho em nível que estraga completamente a experiência. Uma tentativa do novo (o que merece ser reconhecido), mas que passa longe de ter dado certo. A Bethesda falhou tanto aqui que aparenta não ter testado nada do que propôs antes de lançar o game. O que torna tudo ainda mais curioso tendo em vista que houve dias de beta para o título.
Fallout 76 é um jogo com tantas falhas, erros, bugs e mecânicas ultrapassadas, para não dizer preguiçosas, que fica até difícil acreditar que este game foi feito com o esmero típico da Bethesda. Quem acompanhou os documentários sobre a desenvolvedora feitos pelo canal Noclip no YouTube, percebeu o quanto Fallout 76 parecia estar sendo feito com muito, mas muito carinho. Será que foi paixão demais que fez esta ideia não funcionar?
A premissa do multiplayer
Vale tirar o chapéu para o Bethesda pela coragem de tirar todos os personagens não jogáveis (NPCs) do título. Isso quer dizer que, em Falltou 76, não há sequer um personagem não-humano que vai lhe ajudar, acompanhar ou mesmo receber e oferecer missões, armas e trocas de equipamentos.
A ideia é que até 32 jogadores possam entrar em um servidor (número que varia de acordo com o servidor) e se virem entre si para criar grupos, fazer amizades e até mesmo se matarem como quiserem.
De cara, isso já faz da West Virgínia de Fallout 76 um dos locais mais pedantes do mundo dos games. Primeiro, porque é preciso conversar com robôs sem voz e carisma, diferente dos impressionantes Cl4p Tr4p ou gL4Dos de Borderlands e Portal, respectivamente. Ser guiado por esses robôs faz com que você tenha a impressão de que está somente passando entre máquinas de venda, resgatando a próxima missão a ser feita.
Quando se está em equipe, todas missões ficam listadas no lado direito de forma confusa (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Não há nada de épico, de emocionante, de instigante. Apenas um menu de missões, cujos destinos são mostrados no mapa e que, de tão mal explicados, causam o sentimento de se estar apenas andando de um ponto a outro e a outro e a outro infinitamente.
Outra forma pela qual Fallout 76 apresenta a sua história sem os NPCs é pelos terminais espalhados pelo mapa que você pode consultar. Aqui, há aqueles computadores retrô com tela de fósforo verde, totalmente datados e sem nenhuma personalidade repletos de textos e mais textos sobre o passado daquele mundo.
Quem quiser se aprofundar na narrativa de Fallout 76 vai precisar de boas horas de leitura de um texto que se apresenta de forma preguiçosa e relativamente mal escrito.
Em suma, retirar todos os NPCs para deixar a interação na mão de jogadores reais foi um golpe mortal para a narrativa e ritmo de Fallout 76. Logo, seria bom que esse sacrifício compensasse na jogabilidade, não é mesmo?
Infelizmente, não é o que acontece. West Virginia é um lugar muito grande, com uma excelente ambientação que, mais uma vez, é um dos pontos altos deste desenvolvimento. O problema é que esse universo abriga apenas até 32 jogadores de uma vez, sendo que em nenhum teste desta análise se verificou mais de 15 pessoas jogando ao mesmo tempo.
Resultado: West Virginia é uma enorme cidade fantasma. Um parque de diversões para o qual seus pais o levaram com a promessa de vários amiguinhos com quem brincar, porém a realidade é um belo aterro de solidão.
Toda história do jogo é contada por computadores antigos (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Fallout 76 é um game que precisa de interação entre os jogadores, mas não estimula que eles interajam entre si. Não houve momento real na produção desta análise em que foi realmente preciso buscar ajuda para conseguir realizar uma missão.
Mesmo em momentos que se joga em grupo, a interação não é obrigatória. Por exemplo, quando você entra em um evento público (como proteger uma base de hordas de inimigos), não é preciso que vocês façam parte de um mesmo time para que os prêmios e experiência sejam conquistados. A bem da verdade, não é preciso nem mesmo colaborar para a matança para ser bonificado. Ou seja, caso você esteja passando pelo local despercebido de que um evento está acontecendo por ali, pode calhar de subir de nível sem nem mesmo entender o porquê.
Até mesmo quando se monta um time com outra pessoa, o jogo simplesmente compartilha as quests que cada um tem que fazer, apresentando uma confusa lista que dificulta ambos jogadores a entenderem realmente o que vão fazer como um time.
Dito isso, a consequência do foco em multiplayer minou toda a essência de Fallout 76, transformando-o em um universo gigante, chato, sem carisma e com quase nada de interessante para se fazer. A falta de personagens que contem a própria história obriga o jogador a ficar o tempo todo olhando em registros, ou seja, observando o passado. West Virginia se torna, assim, um grande museu dos ataques nucleares aos Estados Unidos.
Último respiro do Creation
Colocar toda a culpa do fracasso de Fallout 76 sobre os ombros do arriscado modo multiplayer que não deu nada certo é também uma análise rasa. Os problemas deste título vão além da experimentação trágica.
Isso porque nada é prazeroso de se fazer neste game. Fallout 76 é feito no Creation Engine, o mesmo feito para a produção do mundo de Skyrim. Isso quer dizer que o motor gráfico tem ao menos 7 anos de existência.
O Creation Engine também foi o responsável pela jogabilidade e limitações de Fallout 4, jogo muito criticado pelas mecânicas confusas. Assim, Fallout 76 recai sobre os mesmos erros e mecânicas já muito datadas de Skyrim e seus sequentes jogos com esta engine.
Veja bem, isso não quer dizer que o último game da série Elder Scrolls seja ruim, longe disso. Só que, lançado em 2011, é de se perceber que 7 anos é bastante tempo para uma engine que foi pouco utilizada desde então.
Outro ponto sobre o Creation Engine é que grande parte das principais ferramentas dele são voltadas para a exploração de NPCs. Com ela, foram lançados os kits da Radiant, mecanismo dos motor gráfico voltado a criar reações melhores e mais árvores de diálogos entre os NPCs e os jogadores. Assim, retirar os NPCs da jogada faz com que pelo menos metade das principais qualidades do Creation Engine sejam deixadas de lado. Em resumo: a Bethesda capou um motor gráfico que já é datado.
Atirar é realmente difícil em Fallout 76 (Foto: Wagner Wakka/Canltech)
O que sobrou, então? O que o Creation tem de pior. Movimentar-se, pegar itens, construir a sua base, interagir com os robôs, andar e, principalmente, utilizar itens; tudo neste jogo é truncado e muito difícil.
A jogabilidade de Fallout 76 é tão travada que a impressão que se tem é de estar jogando Skyrim em um universo pós-apocalíptico. Em uma visão mais otimista, pode-se dizer que este game poderia facilmente ser vendido como um DLC com foco em multiplayer de Fallout 4.
O jogo oferece muito poucas ferramentas fáceis de atalho para encontrar e utilizar itens, equipar, mostrar as características do seu personagem. Como um jogo online, isso fica ainda pior, já que entrar em menus e até verificar terminais não significa pausar o jogo. Ou seja, não é raro que você passe pelos inimigos escondido para verificar uma informação em um computador e comece a tomar porrada no meio da sua leitura, interrompa tudo e perca totalmente a imersão da história.
Fuçar no equipamento pelo Pip-boy, embora traga efeitos visuais muito interessantes, infelizmente é algo difícil de se entender e que exige, por vezes, muito passos para a realização de ações simples como comer, beber ou escolher uma arma.
Fallout 76 também introduz uma mecânica de cartas, que podem ser usadas para melhorar o seu personagem em alguns atributos como força, inteligência, resistência, carisma entre outros. Cada carta equipada para cada atributo dá ao personagem, por exemplo, mais velocidade, ou exige menos para recuperar a vida. Contudo, além de o sistema ser extremamente confuso e pouco explicativo, nada do que é equipado ali devolve um bom feedback ao jogador, de forma que tais cartas parecem não fazer diferença efetiva na gameplay.
Resumindo, em um jogo no qual não é fácil atirar ou bater em alguém, não vai ser mais 10% de mira que vai consertar este problema.
Ambientação bem-feita
Aqui vale um destaque para o game. West Virginia é um lugar bonito, com algumas constituições bastante interessantes. Contudo, a falta de “recheio” deste universo o torna insosso rapidamente, oferecendo apenas um local bem-feito sem muito com que interagir.
Jogo é bonito, mas traz cores saturadas que tornam o ambiente esquisito (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Outro ponto interessante é a possibilidade de se jogar uma bomba nuclear no servidor. Anunciado por Todd Howard como a grande revolução de Fallout 76, esta novidade realmente traz um toque diferente para o jogo.
Em níveis bem avançados, os jogadores podem pegar armaduras que resistem bem à radiação. Com isso, podem ir atrás de uma quest dentro de um silo nuclear e acionar um míssil para qualquer lugar do mapa.
A proposta é que, em uma batalha ferrenha de um time contra outro, esta fosse a grande mecânica de desequilíbrio. Contudo, virou apenas mais um brinquedo deste grande parque de diversões.
Quando uma bomba dessas é jogada em uma determinada área do mapa, aquela região se torna salubre apenas para quem tem alto nível e uma boa proteção contra radiação. Isso quer dizer que os jogadores mais experientes podem entrar na nuvem destruição e brincar em um jogo completamente diferente e com criaturas muito, mas muito mais fortes e modificadas pela radiação.
Esta é uma característica muito interessante de Fallout 76, mas que não vale, nem de perto, todo o sacrifício de horas e horas em um mundo completamente chato e mal feito do game. Entretanto, é um ponto muito bem criado pelo time para presentear aqueles que sobreviveram até aqui.
Em termos de ambientação, o game também não oferece uma boa sensação de dia e noite, sendo que, sem luz do sol, o jogo se mantém ainda muito claro e com visão bem ao longe. De dia, a visão se torna ainda mais estranha, já que há um alto nível e saturação de cores, o que torna o gráfico bastante estranho.
Erros técnicos
Para fechar o mar de desencantos com este título, é importante falar sobre os problemas de desempenho que ele tem. O que falta de NPCs sobra em bugs em Fallout 76. Em uma hora de gameplay é possível perceber mais de 30 ações estranhas e falhas de movimentação, mecânicas, física e afins.
Junto disso, não é raro ouvir barulhos de tiros sem que você tenha nem a vaga ideia de onde eles vêm. Como o jogo tem ambientação 3D sonora, o movimento mais comum de se fazer é virar o personagem para onde você acredita que está vindo o tiro.
O problema é que há tantos bugs que nem sempre quando você olha pela primeira vez o inimigo está lá. Ele consegue atirar em você, mas você não o vê. Só quando movimenta a câmera umas três vezes na mesma direção é que ele aparece como em teletransporte na sua frente e permite que você o mate.
Embora não seja regra, esta cena aconteceu mais de uma dezena de vezes durante a produção desta análise. O suficiente para resultar em mortes das quais não tive nem chance de me defender.
Soma-se a esses problemas técnicos o fato de que a Bethesda lançou uma patch de atualização de mais de 50 GB para arrumar os problemas do game. Isso quer dizer que ela acabou com a estratégia do pré-download para atualizar os arquivos que, mesmo assim, ainda carregam muitos e muitos problemas. Isso mostra o desespero e a falta de organização da empresa com o game.
Espere a próxima vault
Fallout 76 é uma bomba nuclear jogada na própria Bethesda. O jogo tem potencial e mostra uma empreitada interessante da desenvolvedora em criar seu título 100% multiplayer. Contudo, a execução em termos de narrativa, gameplay e interação não foram somente ruins, mas beirando o trágico.
Sistema de cartas aumenta as habilidades, mas funciona de forma confusa (Foto: Wagner Wakka/Canaltech)
Algumas pessoas da indústria e até mesmo jornalistas apontam que a Bethesda ainda pode salvar este game, como a Hello Games conseguiu recuperar No Man’s Sky. O caso de Fallout 76 é ainda mais complicado, pois não há menos conteúdo do que o prometido, mas tudo que foi entregue simplesmente não funciona.
Ou seja, não é só questão de adicionar mais conteúdo, mas de realmente mudar toda a essência do foi proposto para Fallout 76. Assim, parece-me mais conveniente jogar o projeto fora e começar algo do zero, com nome inédito e um produto que possa tirar este amargo gosto que ficou na história da Bethesda.
Com um estúdio com esta tradição, responsável por um dos jogos mais reverenciados do mundo, líderes também em downloads para smartphones com Fallout Shelter, é até vergonhoso o que foi entregue nesta continuação.
A vontade que fica é de sentar com os desenvolvedores e questionar: “Eu sei que vocês sabem fazer jogos. Vocês têm capacidade. O que aconteceu aqui?”. É realmente incrível, da pior forma possível, o resultado de Fallout 76. Um game difícil de ser recomendado até àqueles que gostam do estilo e da franquia.
Fallout 76 foi lançado em 14 de novembro para PlayStation 4, Xbox One e PC. No Canaltech, ele foi analisado com uma cópia para PlayStation 4 gentilmente cedida pela Bethesda.