Malba Tahan
Usuário
Bom dia/boa noite a todos,
vou compartilhar um artigo que achei por aí e achei bastante curioso.
http://polei.ro/?p=794
Não tenho condições de concordar com o texto, pois li apenas a trilogia de Tolkien, mesmo assim, pergunto: vocês concordam com o texto de modo geral? Isto é, que o os méritos de Tolkien estão muito mais em ser pioneiro no gênero (e daí sua grande importância história) do que na qualidade do texto?
OBS: apesar do título do artigo, acho que todos estão de acordo que é muito mais uma comparação das obras específicas citadas do que o conjunto de ambos.
Desculpem-me se o tópico estiver na sala incorreta, esse foi a que pareceu mais coerente mesmo.
Abraços.
vou compartilhar um artigo que achei por aí e achei bastante curioso.
http://polei.ro/?p=794
[h=2]Por que George R. R. Martin é melhor que J. R. R. Tolkien[/h]Eu terminei de ler Guerra dos Tronos ontem, não por coincidência um dia depois do meu Kindle novo chegar. Meu Kindle 2 morreu lá pelos três quartos do livro, e eu tentei retomar a leitura pela versão brasileira, sem sucesso. Era uma tarefa de paciência ter que pausar a leitura a cada Correrrio para associar ao seu respectivo Riverrun, ligar cada King’s Landing ao seu Porto Real, e eu não estava muito disposto a me estressar com meu entretenimento. Só depois de meu Kindle chegar que eu devorei o resto do livro em duas noites. Como de costume, eu ia escrever sobre o livro aqui no Poleiro, mas a perspectiva não me empolgava nem um pouco. O que dizer de um livro que praticamente todo mundo já conhece? A maioria dos meus amigos interessados na série já estão livros à frente, e bater em cavalo morto seria um exercício fútil e desnecessário. E foi pensando em alguma maneira de abordar o conteúdo do livro de uma maneira interessante que eu acabei cruzando olhares com meus volumes de Senhor dos Anéis, na estante, pegando poeira. O Senhor dos Anéis é um marco na literatura de fantasia medieval, certamente um dos livros mais importantes do século XX, mas, como discuti na microrresenha sobre Ulysses, ando meio cético quanto ao valor de uma obra enquanto marco histórico: ela tem que ser agradável e relevante ao mundo atual, e não celebrada por ter sido interessante algum dia, uma hipocrisia tão absurda quanto fazer luto pelo Wando no Facebook. E Senhor dos Anéis é um exemplo clássico de um livro que perdeu a relevância no mundo atual, porque seu ponto forte – suas idéias inovadoras e seu extenso mundo imaginário – há muito já se incorporaram na cultura mundial, enquanto suas características literárias são sabidamente abaixo da média, uma narrativa lenta e lodosa com manias dispensáveis. Resumindo: ao terminar de ler Guerra dos Tronos, descobri que não gosto mais de Senhor dos Anéis, ou pelo menos não dos livros. E vou tentar explicar o porquê. [h=2]Terra-Média é um deserto comparado a Westeros.[/h] Um exercício mental rápido: vamos lembrar por quantos lugares habitados Frodo e sua comitiva passa no primeiro livro do Senhor dos Anéis? Temos o Condado, uma fazenda, a casa de um hippie, Bri (Bree?), Valfenda, Moria, Lórien e… só? E quantas pessoas havia em cada uma dessas cidades? A residência dos Hobbits tem algumas centenas de habitantes, Bri é um vilarejo pequeno, e só quem mora em Valfenda e Lórien são os elfos que perderam o trem das onze. Não há quase ninguém morando na Terra-Média. A Comitiva anda centenas de quilômetros e não encontra ninguém andando na mesma direção. Sim, há um grupo de elfos que encontra os hobbits a caminho de Valfenda, e sim, Glorfindel salva o Frodo dos Espectros, mas… Sério, somente 5 pessoas? O mundo de Senhor dos Anéis é tão vazio que não nos surpreendemos quando uma pessoa importante para o roteiro cruza com os personagens por acaso – afinal, não há muitas mais pessoas no mundo do que elas, ou ao menos não parece haver. Compare isso com Westeros, onde cada cidade pulsa vibrantemente com seus moradores, e cada descrição é cheia de sons e cores e barulhos da vida das centenas de milhares de pessoas que habitam os Sete Reinos. Quando Frodo olha pela janela de Valfenda após se recuperar, ele vê uma cidade quieta, vazia, contemplativa. Quando Bran olha pela janela, ele vê soldados treinando, vê camponeses fazendo seus afazeres, tropas se movimentando, crianças brincando, e muito mais. Uma cidade como King’s Landing se espalha por todas as direções, com bairros pobres onde se serve o “brown”, contrastando com o luxo e a ostentação do castelos ostentosos, imponentes, como o Red Keep. E cada uma das muitas pessoas que os personagens encontram no caminho contam uma história de uma vila que pegou fogo, uma pilhagem de bandidos, uma safra que não deu certo, exércitos em marcha. Isso só contando o continente principal da história, porque há muito acontecendo em outros continentes do mundo de George R. R. Martin. Ouvimos bastante sobre a terra dos bárbaros Dothraki, mas sabemos que existem outras terras exóticas além do nosso alcance, como a misteriosa Asshai. Que outras terras há na Terra-Média? Temos Númenor, que foi arruinada, e temos Valinor, o asilo de elfos aposentados. E o que acontece lá? Nada. O que nos leva ao meu segundo argumento: [h=2]Nada acontece nos livros de Senhor dos Anéis. Nada.[/h] Quem leu Senhor dos Anéis provavelmente consegue lembrar de cor o caminho que o Anel faz desde o Condado até o Mount Doom. Pelo próprio mapa oficial, essa viagem dá em torno de 400 léguas, ou 2200 quilômetros – uma caminhada e tanto. Mas sabe quanto é a distância aproximada de Winterfell até King’s Landing, que nosso protagonista Ned Stark realiza nas primeiras 200 páginas do livro? 2200 quilômetros. De Winterfell até a muralha do Norte, onde Jon Snow fica protegendo gordinhos de bullies, são 1100 quilômetros, e ele também não perde muito tempo fazendo esse percurso. Acontece pouca coisa na viagem inicial entre Winterfell e King’s Landing, mas também acontece pouquíssima coisa entre o Condado e Mordor. Vamos focar no ponto de vista do protagonista: Gandalf manda ele destruir o anel, ele pega umas coisas, chama seus bro e vai. Aí ele é atacado por espectros e se esconde. Aí ele conhece Aragorn na taverna. Aí ele é atacado por espectros e foge de Bri. Aí ele é atacado por espectros e é salvo por Glorfindel. Aí em Valfenda ele consegue mais colegas e vai pra Moria. Aí eles são atacados por orcs e trolls, Gandalf morre, e eles acordam em Lórien. Aí o Ned Stark tenta roubar o Um Anel, morre nas mãos de orcs, e Frodo foge. Cada uma dessas cenas seria um dos capítulos de um livro d’As Crônicas, mas conseguiu se transformar em um volume inteiro de 600 páginas. Vocês podem chamar isso de estilo literário, mas eu chamo de encheção de linguiça. De certa forma, isso é uma conseqüência do primeiro problema: a Terra-Média tem a densidade populacional da Tierra del Fuego, e em um lugar onde não há muita gente, realmente não muito o que acontecer, mesmo. Alguém vai me dizer que todas as coisas legais já aconteceram, e que a Terra-Média registrada nos livros não é mais do que uma sombra de tempos passados, como o final de uma festa onde tudo o que resta é arrumar as cadeiras e apagar a luz. A era de heróis como Beren, Fëanor e Túrin Turambar é passado, e o mundo inteiro vive no “felizes para sempre”. Westeros também tem um extenso histórico de guerras, aventuras, dragões, zumbis, elfos e magia, e As Crônicas do Fogo e do Gelo focam em uma dessas eras. Então, se tudo o que havia de interessante e mágico na Terra-Média aconteceu milhares de anos atrás, por que escrever 2000 páginas sobre anões andando no campo? Simples: porque o personagem principal das histórias de Tolkien é a própria Terra-Média, e o Senhor dos Anéis é como uma biografia de seus últimos anos de vida. Isso explica por que… [h=2]Não há personagens em Senhor dos Anéis. Há apenas estereótipos.[/h] Um colega de trabalho certa vez me disse que ninguém é interessante se não tiver um conflito pessoal, de qualquer tipo ou natureza. Ele tem que ter algum tipo de dilema, raiva, crença ou ambição que o impulsiona e o motiva – pessoas sem conflito são bobas alegres, e embora eu reconheça o valor em ser um bobo alegre, reconheçamos que não são o tipo de pessoa que você convidaria para conversar e tomar umas cervejas. E ninguém em Senhor dos Anéis têm conflito. Frodo está levando o Um Anel para ser destruído porque o Um Anel é MAU. Sam está indo porque Frodo é seu patrão, Merry e Pippin porque já era tarde demais pra voltar. Aragorn, Legolas e Gimli porque eles são os MOCINHOS e Sauron é o BANDIDO. Nenhum dos vilões possui uma motivação mais forte do que destruir toda a Terra-Média, e isso não é lá grande motivação. Se Sauron tivesse ganhado a guerra, a Terra-Média se tornaria um mundo ainda mais chato e entediante do que já é. Saruman (versão Rainbow Brite), Gríma Língua-de-Cobra, e os Nazgûls são apenas ferramentas de Sauron, sem vontade ou personalidade própria. Na Terra-Média, ou se é bom por ser bom, ou se é mau por ser mau. Contraste isto com a imensa variedade de personagens únicos de Westeros, seres humanos com os quais nos identificamos e nos quais projetamos nossas próprias angústias e medos. É difícil tomar um lado nas guerras: você vai ficar ao lado dos Starks, uma família unida e amante da justiça que se envolveu contra sua vontade neste jogo de tronos, ou ao lado da Daenerys Targaryen, que sofreu uma vida inteira de humilhações até a reviravolta no final do primeiro livro? Vai torcer a favor de Tyrion Lannister, o anão sarcástico desprezado pelo pai que tenta sempre resolver seus problemas com bom senso e sagacidade, ou contra, por fazer parte de uma família ambiciosa que deseja poder a todo custo? E o poder, neste contexto, não significa a destruição total dos Sete Reinos, mas apenas os luxos e as vantagens que com ele surgem. Há duas exceções notáveis no Senhor dos Anéis. Boromir, um príncipe humano, um dos herdeiros de um trono real fronteiriço com Mordor (e que portanto está familiarizado com a guerra contra os orcs de Sauron), fica dividido entre a decisão de destruir o Anel e a de usá-lo para confrontar o Olho sem Pálpebras. Isso faz dele um dos únicos personagens com alguma profundidade do livro, mas não é um dilema verdadeiro per se, e por um motivo bem óbvio – essas dúvidas não surgem do próprio personagem, mas sim da influência maligna que o Um Anel exerce sobre ele. Porque Boromir é BOM, mas é um humano fraco com pouca força de vontade, e o Um Anel é MAU e o corrompe. A outra exceção é Gollum, que é menos um personagem conflituado e mais uma pária tsundere, que foi por tanto tempo corrompido pelo MAL que criou duas personalidades, uma BOA e uma MÁ, dicotômica como todos os outros personagens. [h=2]Conclusão: Tolkien conta, Martin mostra[/h] Há um aforismo muito popular entre cineastas que diz “Show, don’t tell“, ou “Mostre, não conte“. Em outras palavras, não diga com palavras o que você pode mostrar com imagens e sons, de uma maneira mais direta e envolvente. É um ditado importante que ajuda os cineastas a utilizar sua mídia da melhor maneira possível, a aproveitar as vantagens do meio cinemático e evitar seus problemas. Se SdA fez um sucesso tamanho nos cinemas, é porque o livro já fora escrito com esse tipo de linguagem desde o princípio: temática simples com estereótipos facilmente reconhecíveis, uma guerra entre o bem extremo e o mal extremo, extensas e intermináveis descrições de lindíssimas paisagens (que, por mais que tentássemos imaginar, nunca superariam as colinas neozelandesas), e por aí vai. O que era um livro fraco e superestimado tornou-se uma trilogia de filmes sensacional, simplesmente pela narrativa estar mais adaptada ao novo formato. George R.R. Martin, por outro lado, segue à risca um antigo e famoso guia de estilo de redação americano, o Strunk & White, cuja regra mais famosa é: “Make every word tell”. Faça cada palavra de seu texto dizer algo, ou contribuir para a mensagem que quer transmitir. Ao invés de contar sobre a longa e tediosa viagem de um dos personagens, ele muda o foco de sua lente para algo mais interessante, e faz cada página de seu livro valer, cada pensamento e ação de personagem influenciar na trama ou na construção de suas personalidades. Com isso, em doses homeopáticas, ele descreve um mundo mais rico e vibrante do que a Terra-Média jamais foi. A série da HBO lhe faz justiça muito bem, mas foram necessárias 12 horas de ação intensa, com alguns cortes e concessões no enredo original, para transpor As Crônicas para esta nova linguagem. Depois de um tempo, descobri que o que me atraía na literatura fantástica não eram monstros, magia, paisagens e coisas assim, mas sim o que me atrai em qualquer tipo de literatura: personagens interessantes, tramas intrincadas, dilemas humanos. Senhor dos Anéis é uma história de heróis e vilões, mocinhos e bandidos, tão vazia de conteúdo e moralmente desnecessária no contexto atual da sociedade quanto o pior dos episódios do He-Man. As Crônicas do Fogo e do Gelo têm tudo que um bom livro sobre, digamos, megacorporações teria – empresários famintos por poder, tramas cheias de paixão e vingança – com a diferença que as megacorporações agora são reinos, e os empresários são cavaleiros e lordes.
Não tenho condições de concordar com o texto, pois li apenas a trilogia de Tolkien, mesmo assim, pergunto: vocês concordam com o texto de modo geral? Isto é, que o os méritos de Tolkien estão muito mais em ser pioneiro no gênero (e daí sua grande importância história) do que na qualidade do texto?
OBS: apesar do título do artigo, acho que todos estão de acordo que é muito mais uma comparação das obras específicas citadas do que o conjunto de ambos.
Desculpem-me se o tópico estiver na sala incorreta, esse foi a que pareceu mais coerente mesmo.
Abraços.