Molly Bloom
Vadí? Nevadí.
BIOGRAFIA
João Simões Lopes Neto nasceu em 9 de março de 1865, na Estância da Graça, a 29 quilômetros do centro de Pelotas, uma das duas cidades mais importantes do século 19 no Rio Grande do Sul. Seu pai, Catão Bonifácio Lopes, sua mãe, Teresa Freitas Lopes. Pelos dois lados descendia de estancieiros da região, gente de propriedades largas.
Viveu até os onze anos de idade na estância de seu avô paterno, o Visconde da Graça, de quem herdou o nome. Perde a mãe nesta altura, sendo levado a viver em Pelotas. Aí estuda por dois anos; depois, é mandado para o Rio de Janeiro, onde se matricula no famoso Colégio Abílio (que Raul Pompéia retratou em O Ateneu). Permanece estudado aí até 1882, quando volta para sua cidade natal, aos 17 anos, nela passa a viver e vem a falecer, a 14 de junho de 1916. Tendo casado em 1892 com Francisca Meirelles Leite, não teve filhos (perfilhou uma menina, Firmina).
Durante sua curta vida, desenvolveu várias atividades, sempre na cidade. Foi despachante, funcionário público, jornalista, industrial, corretor, enfim escritor. Compôs peças de teatro e escreveu contos, causos e lendas. Por todas as indicações disponíveis, pode-se afirmar que era um sujeito de grande iniciativa, mas acabou a vida sem dinheiro, e isto apesar de provir de família abastada. Herdou propriedade, mas nunca foi um criador de gado.
Quanto a formação do escritor, consta que lia desde a infância, e era de família instruída, com parentes a quem não estranhava o trato com a imprensa. Talvez mais decisivo que tudo tenha sido uma espontânea decisão de registrar o mundo que conheceu em criança e que via transformar-se, já na virada do século. Em sua obra, está o registro de um mundo em vias de extinção, o mundo da estância, figurado em personagens representados por velhos peões, como Blau Nunes.
OBRA
Cancioneiro Guasca (1910); Contos Gauchescos (1912); Lendas do Sul (1913); Casos do Romualdo (1914).
BREVE ANÁLISE DA OBRA
Devido ao que se chama de regionalismo na literatura, Simões Lopes Neto, por vezes, não recebe o reconhecimento que merece. Como os centros culturais foram Minas Gerais (até o século 18), Rio de Janeiro (Independência até a Primeira República) e São Paulo (desde o Modernismo até hoje), a literatura produzida fora dessas regiões foi/é, frequentemente, vista como algo que não contribui diretamente para a demarcação do nacional.
Alteração significativa desse movimento ocorreu com a emergência de Guimarães Rosa, cuja obra obrigou reflexão sobre o tema - aliás, é verossímil a possibilidade de que o mineiro tenha tido contato com a obra do gaúcho. Afinal, o escritor, através de um registro miúdo de cenas e seres perfeitamente “regionais”, alcançou temas de vigência rigorosamente humana, para além de qualquer fronteira. Além disso, Rosa fez sua obra a partir da radicalização da linguagem, que registra o modo de ser e de pensar de uma região não apenas fora do centro de decisões do país, mas também fora do circuito urbano.
Quanto à descrição de “seres regionais”, a tentativa de José de Alencar de enunciar o país através das obras O sertanejo, O tronco do ipê, Til e O gaúcho serviu para que se levantassem vozes de desacordo diante da artificialidade das narrativas. No Rio Grande do Sul, especificamente, a reação culminou no movimento nativista, a Sociedade Partenon Literário. Queriam eles enunciar a especificidade local, e o fizeram, com muito barulho, muita política, e pouca literatura.
Entretanto, com a chegada do século 20, surge Simões Lopes Neto, que, simplesmente, passou a palavra para um nativo “campeiro”, a um sujeito que tinha sido objeto de literatura mas que não conseguia falar na linguagem da literatura. Ao contrário do que todos os que já haviam tentado o milagre, o autor dos Contos Gauchescos descobriu que não bastava falar sobre o gaúcho: era preciso que ele próprio tivesse voz.
Contudo, ainda que as obras apresentem elementos da região sul do Brasil, as temáticas podem ser consideradas de ordem universal. Os contos, em geral, se caracterizam por um clima trágico e quase todas terminam em morte, decorrente de um erro estratégico ou de um crime contra a honra, que demanda vingança e mais violência. Além disso, o ódio, o ciúmes, as paixões primitivas, etc., não são, necessariamente, uma reflexão da realidade gaúcha, exclusivamente, dado que são questões que aparecem em todos os lugares.
Quanto à linguagem utilizada na obra, as dificuldades na leitura se devem diretamente à raridade do vocabulário, diferentemente de Rosa, que atingiu um nível de sofisticação estética muito superior.
Fonte: Adaptado de FISCHER, Luís Augusto. A revolução de Simões Lopes Neto. In: LOPES NETO, Simões. Contos gauchescos. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.