O diretor Peter Jackson conversou com o Deadline direto da Comic-Con, na semana passada, e falou sobre o filme A Batalha dos Cinco Exércitos, direitos de filmagem de O Silmarillion, sobre a crítica de Viggo Mortensen ao excesso de efeitos gráficos em O Hobbit, O Senhor dos Anéis em 3D e sobre a versão estendida de A Desolação de Smaug.
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Peter Jackson está chegando ao final de uma estadia na Terra-média de Tolkien que ocupou um quarto de seus 53 anos de idade. O resultado: três filmes O Senhor dos Anéis e duas partes de O Hobbit até agora, que arrecadaram juntos mais de 4 bilhões de dólares em bilheteria no mundo todo.
No momento em que A Batalha dos Cinco Exércitos, o final da trilogia O Hobbit, estrear, os seis filmes de Jackson podem chegar aos 6 bilhões de dólares, que até o momento têm 17 Oscars, incluindo o de Melhor Filme para O Retorno do Rei, e outras 35 indicações. A menos que James Cameron tenha algo a nos dizer sobre isso com a sua nova trilogia Avatar, nunca veremos nada assim de novo em nossas vidas que se iguale a realização cinematográfica de Jackson, tudo feito com a mesma equipe criativa.
DEADLINE: Seis filmes e quase duas décadas depois, aqui estamos nós no final. James Cameron parece pronto a filmar Avatar para sempre, e ele pode, porque ele o criou. Você trouxe a criação de J.R.R. Tolkien à vida. É sua, mas você não ganhou o direito de reivindicar a propriedade criativa, e se manter contando histórias da Terra-média? É um mundo que muitas pessoas vão ficar tristes em vê-lo ir embora.
JACKSON: Eu não acho que legalmente nós ganhamos esse direito. Por causa dos direitos dos Tolkien, por isso é, infelizmente, uma impossibilidade. A realidade hoje é, o professor J.R.R. Tolkien vendeu os direitos de ambos, O Hobbit e O Senhor dos Anéis, quando ele já era um homem idoso no final da década de 1960. Ambos foram para a UA [United Artists]. Isso foi depois que os Beatles foram atrás dos direitos…
Os Beatles?
Exatamente. Os Beatles, uma vez sondaram [o diretor] Stanley Kubrick para fazer O Senhor dos Anéis. Isso foi antes de Tolkien vender os direitos. Eles se aproximaram dele e ele disse não. Na verdade, eu falei sobre isso com Paul McCartney uma vez. Ele confirmou. Eu tinha ouvido rumores de que seria seu próximo filme depois de Help!. John Lennon ia interpretar Gollum. Paul ia interpretar Frodo. George Harrison ia interpretar Gandalf, e Ringo Starr ia interpretar Sam. E um monte de outras pessoas iriam desempenhar outros papéis. Paul foi muito gentil; ele me disse: “Foi ótimo que nós nunca tivéssemos conseguido fazer nosso [O Senhor dos Anéis], porque então você não teria feito a sua versão e foi ótimo vê-la.” Eu disse: “É sobre as músicas que eu me sinto mal; vocês teriam lançado algumas muito boas. Vocês eram Os Beatles, afinal. É uma pena que perdemos isso.” Tolkien vendeu os direitos a UA [United Artists] em 1968 ou 69, o único trabalho que vendeu. Depois que ele morreu, seu filho Christopher Tolkien vasculhou todos os arquivos de seu pai e descobriu todo esse material que ele achava que era digno de publicação. Aquele que todo mundo sabe que é O Silmarillion, que seu pai escreveu em partes, algumas enquanto ele se sentava nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.
Foi mais difícil de ler do que os outros livros, eu me lembro.
Bem, eu não iria falar sobre isso, mas eles foram publicados por Christopher e ele publicou outros livros também. A Tolkien Estate ficou com esses direitos cinematográficos, e nunca demonstrou qualquer desejo de vendê-los. Essa é a situação atual. Não há nenhuma quantia em dinheiro que a Warner Bros. possa pagar ao espólio por quaisquer direitos de filmagem. Não, não, não. E eu tenho certeza de que eles já ofereceram alguma quantia por esses direitos de filmagem. Até que essa situação mude…
Grandes diretores como você fizeram um filme de sucesso, receberam o pagamento e seguiram em frente. Mais e mais diretores ficaram nos mundos que eles criaram. Sábios homens de negócios. Você, Jim Cameron, Christopher Nolan com O Cavaleiro das Trevas, Michael Bay com Transformers. Os resultados foram alguns dos maiores filmes de maior bilheteria da história do cinema. Como é, cinematograficamente, criar um mundo como a Terra-média e depois não conseguir sair dele?
Bem, a passagem de ônibus de casa até a Terra-média é muito cara, e uma vez que você esteja lá, você pode acabar ficando para o resto de sua vida. Como você bem sabe, com O Hobbit tentamos voltar [à Terra-média] e sermos produtores de Guillermo del Toro. Embora ainda estivéssemos escrevendo e produzindo, isso teria me permitido fazer algumas coisas enquanto Guillermo estava filmando e na pós[produção]. Mas isso não deu certo. A MGM agora divide metade dos direitos com a United Artists, e estava tudo muito bem, em seguida, GDT deixou [a direção d’O Hobbit] e eu assumi. “OK. Peter, você está de volta como Al Pacino em O Poderoso Chefão III?”. Você tenta ficar de fora, mas é puxado para dentro de novo. E uma vez eu estando de volta, foi uma explosão. Isto foi o mais engraçado que eu já tive de fazer por um filme.
O que é mais gratificante?
Eu não iria passar cinco anos da minha vida miserável procurando outra pessoa para dirigido-lo. Eu iria me divertir e fazer alguns grandes filmes. Eu tive mais confiança do que da primeira vez. Filmamos estes três mais ou menos em sequência. Eu realmente gosto do terceiro filme, eu sinto como se tivéssemos chegado ao ápice. Eu não me arrependo de nada na vida, eu não. Nós fizemos um monte de novos amigos. O Senhor dos Anéis foi essa experiência lendária que nos ligou à muitas pessoas. Eu estava interessado em ver se isso poderia acontecer de novo, e aconteceu. Alguns membros do elenco de O Hobbit são amigos muito próximos de nós, e sempre serão. Vou sair com a confiança renovada e quero levá-la para novos filmes. Eu quero colocar tudo o que acho que aprendi sobre cinema e narrativa à prova em outras áreas.
É assim que senti em As Duas Torres…
De todos eles, este [A Batalha dos Cinco Exércitos] se parece mais com um thriller para mim. Obviamente, eles são aventuras de ação e fantasia, mas este é o mais próximo do estilo de um thriller como Todos os Homens do Presidente, fundamentado em personagens. Eu estou me divertindo com isso também. Nós não introduzimos quaisquer novos personagens. Nós não vamos a lugar nenhum. Não há nenhuma viagem. Os anões e todo mundo chegaram ao ponto onde eles precisavam estar, e todo mundo já foi introduzido. O que aconteceu antes mudou, quando o dragão deixou a montanha. E 13 anões não são o bastante para proteger essa quantidade de ouro.
O que você mais ama em sua vida cinematográfica, e em sua vida de forma geral, e que você deve a essa experiência na Terra-média? Como você, [e as roteiristas] Fran Walsh e Philippa Boyens cresceram como cineastas e contadores de histórias na tela do cinema?
Cada vez que você faz filmes, você espera crescer. O Hobbit foi interessante na medida em que pegamos tanto material dos apêndices de O Senhor dos Anéis e tentamos incorporá-lo dentro da história principal. Tivemos que criar arcos de personagens que não estavam realmente em um livro que foi escrito como uma história para dormir. Foi, literalmente assim: “Não vamos parar de desenvolver o personagem aqui, nós estamos lendo uma história para crianças de 5 anos de idade, que tenta levá-las para a cama.” Foi para isso que Tolkien o escreveu. Para realmente criarmos toda uma estrutura para O Hobbit, foi um grande exercício. É difícil dizer o que você aprendeu, mas eu sinto confiança. Nada que você faz é perfeito, mas sinto que entendo mais sobre contar histórias e desenvolvimento de personagem do que antes. Eu não sei se isso teria acontecido se tivéssemos feito outros filmes, em vez destes. Se fosse Meet The Feebles, 4, 5 e 6, Brain Dead ou qualquer outra coisa, teríamos continuado caminhando e fazendo filmes na Nova Zelândia, se tivéssemos ou não a sorte de fazer O Senhor dos Anéis. Nós teríamos aprendido, mas este tem sido um enorme aprendizado. Qual foi mesmo a primeira parte desta sua pergunta?
O que esta experiência trouxe a você…
Eu vou lhe dizer o que ela nos proporcionou. A coisa que eu serei eternamente grato ao Professor Tolkien é por estar me proporcionando a chance de recriar uma aeronave da Primeira Guerra Mundial a partir dos desenhos originais e ser capaz de contratar pessoas, criar uma fábrica e ser capaz de fazer aviões da Primeira Guerra Mundial, que sempre foi meu hobby . Eu pude levar esse hobby para o nível máximo devido aos rendimentos. Também criamos uma infra-estrutura na Nova Zelândia, construímos a nossa produção e pós-produção. Toda vez que eu coloco os pés naquele prédio, eu digo: obrigado, Senhor dos Anéis.
Foi divulgado que Viggo Mortensen disse que os dois últimos O Senhor dos Anéis sofreram por ter se desviado dos elementos de fantasia que ele amava no primeiro filme. Senti que seu Aragorn foi tão pleno, que isso me deixou triste. Não pude deixar de ter minha memória da trilogia e de seu papel em trazê-lo para a vida, maculada. Quais seus pensamentos sobre Viggo, e você já se viu arrependido de um comentário que marginalizou um de seus filmes, depois que percebeu ter acabado com memória de um fã?
Espero nunca ter feito isso. Eu realmente não tenho uma opinião particular sobre a primeira parte da pergunta, eu usei apenas as ferramentas que eu tinha. Viggo sabe disso, e nós, na verdade, nos falamos desde então. Ele meio que foi mal interpretado e explicou como tudo aconteceu e estamos bem com isso. Mas eu sei o que você está dizendo, sobre a maneira como as pessoas se lembram dos filmes, mas não importa o que se diga ou quantas vezes eles são citados, pois o legal é que todo mundo guarda a sua própria experiência de realidade subjetiva de um filme. Quer se trate de O Senhor dos Anéis ou qualquer outra coisa, você guarda carinhosamente sua própria experiência. É tão forte que às vezes é melhor não revisitar filmes de sua infância. Quando você viu um filme aos 6 ou 7 anos que teve um enorme impacto sobre você, então hoje você o vê, é a mesma coisa? Isso mostra como o mundo mudou e quanto mais sofisticado o entretenimento ficou. Eu cresci vendo Thunderbirds, aqueles bonecos marionetes. Os movimentos não são lá muito bons, a história e os scripts, mas para mim eles ainda estão sem mácula e eu ainda posso experimentar a mesma sensação que eu tinha naquela época. Star Wars [Uma Nova Esperança] eu vi com 16 anos, a idade perfeita para esse filme, e me levantei e aplaudi quando a Estrela da Morte explodiu. Eu conheci George Lucas e aprendi muito para desmistificar o filme, mas nada muda na memória o que é tão precioso para mim. Ninguém pode tirar isso…. As lembranças são coisas que nunca vão embora e elas são parte de sua biologia, elas são implantadas. E os geeks de cinema como eu e você, e as pessoas aqui, todos nós somos o produto dos filmes que vimos.
Eu tenho essa fantasia de que um dia vou me sentar em uma sala de cinema e ver todos os seis filmes da Terra-média, todos em 3D… Você vai converter a trilogia original?
Tudo é dinheiro, como você sabe. Nada acontece em Hollywood que não seja impulsionado por negócios. E direitos, também, que ainda pertencem a alguns desses distribuidores internacionais, por isso, essas licenças terão de expirar e voltar à Warner Bros. Como Titanic, muitos desses relançamentos não tiveram o efeito esperado. O último relançamento de Star Wars não se saiu tão bem, ou você teria visto mais disso acontecendo.
Se fosse solicitado, você deixaria como está, ou apoiaria a conversão?
Eu não teria nada contra isso. Os três filmes pertencem a Warner Bros. e eu apoiaria. Mas pode levar mais 15 anos.
Aqueles três anos, quando foram lançados os filmes O Senhor dos Anéis todo mês de dezembro, foram o meu período favorito cobrindo o mundo do cinema. E então você lança esses DVDs estendidos, e em As Duas Torres eu podia ver os Orcs e Uruk-Hai fugindo para a floresta depois de perder a batalha do Abismo de Helm e vê-los serem massacrados pelas árvores. Eu estava tonto. Tantas descobertas nesses DVDs. Então, qualquer coisa que você possa adicionar à essa experiência, mesmo que isso faça com que os filmes fiquem mais longos…
No filme [A Desolação de] Smaug, nós temos 25 ou 26 minutos de coisas muito boas para esse DVD [da versão estendida]. Do primeiro, não havia muita coisa que deixamos no chão da sala de edição, e não era nada que fizesse a terra tremer. Mas desse é coisa que vale a pena, coisa que você ainda não viu antes.