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A ponta do iceberg: novas informações sobre a Terra-Média

Por aproximadamente um ano, discussões online sobre o mundo de Tolkien vem sido apimentadas — em alguns lugares — com referências a um obscuro estudo chamado "Osanwë-Kenta". Este ensaio foi publicado pela primeira vez em Vinyar Tengwar Mº 39, o exemplar de Julho de 1998 do jornal oficial da Elvish Linguistic Fellowship (Sociedade Da Linguística Élfica), um grupo de interesse da Mythopoeic Society. "Osanwë-Kenta" ("Acerca da comunicação de pensamentos") foi premiada como um dos textos de Tolkien mais reveladores daqueles que não foram publicados. Eu acho que "Osanwë-Kenta" deve ser colocado de lado, pois há um texto mais interessante. Se chama "Os Rios e Vales de Gondor".
 

Os dois estudos são importantes na pesquisa sobre Tolkien, e os aspectos linguísticos não são necessariamente primários. Você pode perceber detalhes interessantes sobre a filosofia e história do povo de Aman em "Osanwë-Kenta". "Rios e Vales de Gondor" também nos fornecem nova informação e revelações sobre a história de Gondor e os povos que lá moram. Supondo que mais pessoas querem saber sobre os eventos na Terceira Era que eventos do começo de Aman, eu acho que "Rios e Vales de Gondor" prova ser o mais importante.

Vinyar Tengwar é primeiramente preocupado com material linguístico, de onde restam um imenso número de ensaios e notas não publicados. As reflexões linguísticas de Tolkien porém, geralmente incluem apartes, muitas vezes grandes ensaios sobre as histórias e filosofias das principais raças. O material linguístico é então de interesse especial para pesquisadores que estudam a construção do mundo de Tolkien, sua pseudo-história e filosofias artificiais.

 
Christopher Tolkien publicou fragmentos do "Rios e Vales de Gondor" no Contos Inacabados. Infelizmente, Vinyar Tengwar também publica apenas fragmentos. Assim como a situação com "Narn i Hîn Húrin" (A História dos Filhos de Húrin), que foi publicado em pedaços no Contos Inacabados e no Silmarillion, precisamos juntar o trabalho inteiro junto. Se o suficiente das duas escrituras foram publicadas nessas duas partes, cabe à HarperCollins publicar um volume com os Trabalhos Completos de JRR Tolkien, combinando-os. Tal livro seria uma marca na tentativa de fazer uma representação coerente de algo escrito fora o Hobbit e o Senhor dos Anéis.

As passagens relevantes do Contos Inacabados são encontrados no capítulo da história de Galadriel e Celeborn, especificamente nos apêndices tratando de Amroth e Nimrodel, e o porto de Lond Daer. Algum material também foi publicado na seção "Notas sobre os Druedain" no capítulo sobre os Druedain. Aquela seção do Contos Inacabados também começa com um fragmento sobre os Druedain que Christopher Tolkien tirou do "Sobre os Anões e os Homens", cuja maioria foi publicada no Peoples of Middle-Earth (Povos da Terra-Média). Na maioria dos casos, não veremos os textos inteiros publicados juntos, mas ainda podemos sonhar com a oportunidade.

Na carta que acompanha o "Rios e Vales de Gondor", Vinyar Tengwar lança uma cascata de minúsculas revelações que vai nos forçar a refazer muitas teorias sobre a Terra-Média. Por exemplo, Tolkien escreve:

"…No primeiros séculos dos Dois Reinos Enedwaith foi uma região entre o reino de Gondor e o pequeno reino de Arnor (originalmente incluía Minhiriath (Mesopotâmia)). Os dois reinos tinham interesse na região, mas eram mais preocupados com a manutenção, sua principal fonte de informação exceto pelo mar e pela ponte de Tharbad. Povos de origem numenoreana não viviam ali, exceto em Tharbad, onde um grande número de soldados e guardiões do rio era mantido. Naqueles dias eles praticavam drenagem, e as margens do Hoarwell e Greyflood eram reforçados. Mas nos dias do Senhor dos Anéis a região tinha sido arruinada e voltou para um estado primitico: um rio largo e lento que corria por uma rede de pântanos e lagos: um lugar assombrado por cisnes mortos e outros pássaros aquáticos."

"Mesopotâmia" é uma velha palavra para "terra entre rios", e Tolkien estava sem dúvida fazendo uma pequena piada sugerindo a tradução de "Mesopotamia" para "Minhiriath" (que significa a mesma coisa"). Vocês podem imaginar o quanto essa tradução vai chatear os geógrafos que fazem correlações precisas entre o mapa da Terra-Média de Tolkien e mapas da Europa e Ásia.

Mas, para mim, o comentário mais interessante é a referência indireta para "guardiões do rio". A que Tolkien estaria se referindo? Seriam aqueles homens que atravessavam os rios para cima e para baixo, prendendo piratas e ladrões? Ou seriam aqueles que faziam viagens de um lado para outro do rio? Seriam os guardiões de Tharbad os engenheiros que mantinham os trabalhos de drenagem" e as margens reforçadas dos rios Hoarwell e Greyflood? E, se não haviam numenoreanos na região, porque as margens eram reforçadas?

Tharbad já é um lugar curioso. No Contos Inacabados aprendemso que a grande ponte e os cais da cidade foram construídos por Arnor e Gondor, aparentemente para substituir o destruído porto de Lond Daer Ened. E ainda, Tar-Aldarion diz que encontra Galadriel em Tharbad numa nota acompanhando o texto "Aldarion e Erendis". Em outro lugar, a segunda história de Galadriel e Celeborn, Tharbad diz ter defendido Eriador contra a invasão de Sauron em 1695 SE. Pode ser que Tharbad seja originalmente uma colônia élfica, talvez um entreposto estabelecido por Círdan para facilitar o comércio e comunicação com Eregion. Os numenoreanos também podem ter sido o primeiro povo a fortificar Tharbad (em preparação para a guerra contra Sauron, eles também fortificaram os rios Baranduin/Brandevin e Luin).

Outro nome que merece atenção especial é "Gilrain", o nome de um rio em Gondor. Tolkien o compara a "Gilraen", o nome da mãe de Aragorn. "O significado de Gilraen é um nome feminino sem dúvida. Significava ´Aquela que é decorada com um conjunto de pequenas jóias em uma malha´, como o tesouro de Arwen descrito no SdA I 239." (Este tesouro é a "touca de renda prateada, enredada com pequenas pedras, de um brilho branco" que Arwen usa no banquete dado em honra de Frodo em Valfenda.)

Tolkien sugere que Gilraen poderia ter conseguido esse nome como um apelido, mas "provavelmente era seu verdadeiro nome, já que tornou-se um nome dado às mulheres de seu povo, as remanescentes dos numenoreanos do Reino do Norte, de sangue puro. As mulheres dos Eldar estavam acostumadas a usar tais jóias; mas entre os outros povos, eram usadas apenas por mulheres de alto nível entre os Guardiões, descendentes d
e Elros, como diziam. Nomes como Gilraen, e outros de significado similar, virariam então nomes pessoais dados às crianças nobres da família dos ´Senhores dos Dunedain´
".

Uma forte implicação dessa passagem é que os Guardiões eram um subgrupo de um povo maior, e que eles eram todos de sangue nobre, descendendo de Elros, e provavelmente os únicos Dunedain de sangue puro restantes em Arnor. Mas se aquele foi o intento de Tolkien ou uma nota mal-escrita, não podemos dizer.

Numa nota secundária, Tolkien revela que a raiz de -raen, em Gilraen, vinha do trabalho de tricô e que o adorno que Arwen e outras donzelas élficas — assim como as mulheres nobres do povo de Aragorn — usavam foi feita com um único fio.

A história de Amroth e Nimrodel é um pouco mais elaborada, também. E descobrimos a extensão completa da nota que sugere que Edhellond pode ter sido estabelecida por antigos Doriathrim que deixaram Mithlond (Portos Cinzentos). Foi abandonado no meio pois, como Christopher Tolkien opinou, seu pai percebeu que, sua dissertação sobre Círdan ser um Noldo do qual os Sindar queriam se afastar, era totalmente inconsistente com os outros textos. Então, a lenda de Edhellond ter sido fundada pelos primeiros elfos de Doriath deve ser descartada. O porto deve ter sido fundado por outros motivos, e talvez a lenda a respeiro de Brithombar e Eglarest é a mais provável de todas.

Apesar de tudo, a nota abandonada concorda com outra fonte publicada no Silmarillion dizendo onde os Nandor se estabeleceram em Eriador. Quer dizer, o fragmento de nota diz que os Eldar de Lindon "encontraram acampamentos abandonados dos Nandor" nos dois lados das Montanhas Nevoentas. O Silmarillion inclui um passagem em "Dos Sindar´ onde os anões dizem à Thingol que "seu antigo povo que lá mora [na terra à leste das montanhas] estão voando das planícies para os vales." Parece, então, que as criaturas de Melkor mandaram os Nandor em direção ao leste e para as Montanhas Nevoentas antes que Melkor retornasse para a Terra-Média.

Muitos pedaços situam-se além desses, e as implicações para os historiadores de Tolkien são extensivos. A Terra-Média revela mais uma face — aliás, muitas outras — para nós. O significado do tesouro de Arwen pode implicar em algum tipo de referência à Varda. É Arwen, afinal, que aparentemente canta o hino a Elbereth à medida que Frodo e Bilbo saem do Salão do Fogo em Valfenda. Gilraen e outras mulheres de sua família devem ter dividido tal reverência élfica à Varda.

A idéia de que povos com apenas parte do sangue numenoreano continuaram a viver em Eriador é aterrorizante. Apesar de sabermos que não poderíamos ter comunidades dos homens a oeste de Mitheithel, isto não dá novo sentido às palavras de Elrond no conselho, onde ele diz que poucos do povo de Aragorn ainda vivem? Estava Elrond talvez omitindo alguma referência á um povo maior governado pelo clã de Aragorn? Aquelas pessoas que se perguntavam onde Aragorn achou tantos guerreiros para retomar Eriador têm agora razão o suficiente para argumentar que um grande povo vivia perto de Valfenda no Ângulo.

Mais revelações nos aguardam, especialmente sobre os primeiros anos de Arnor e Gondor. Também veremos que os elfos tinham um sistema decimal e duodecimal. Então, todos estão certos. Todos nós ganhamos de novo. E é só a ponta do iceberg…

Tradução de Aarakocra
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