dos mundos imaginários mais vividamente concebidos em toda a
Literatura. De sua história para suas línguas, dessas para seus
habitantes e além, é vasto no espaço, mas intricado nos detalhes,
rivalizando até mesmo com mitologias de civilizações antigas inteiras.
Um enorme número de leitores apreciou profundamente as histórias de
Tolkien neste mundo, e para muitos o coração desse gosto está no prazer
proporcionado pela própria Terra Média.
explorar? Existem muitas respostas, mas a mais simples de todas elas é
a que, a certo nível, a Terra Média simplesmente se parece real. Essa é
uma das idéias principais de Tolkien em seu ensaio "On Fairy Stories", onde alega que nenhuma história pode ser bem sucedida sem manter "a coerência interna de realidade". Um autor
"faz
um Mundo Secundário, no qual sua mente pode entrar. Dentro dele, o que
ele relata é verdade: ela está de acordo com as leis daquele mundo… o
momento de descrença surge, o feitiço é quebrado; a magia, ou melhor, a
arte, falhou."
Tolkien passou boa parte de sua vida procurando trazer esse nível de coerência para seu próprio "submundo" criado.
Atingir esse objetivo não é tarefa fácil ao escrever uma história de
fantasia! Tolkien segue reconhecendo que "É mais fácil produzir esse
tipo de realidade com um material mais sóbrio". Os inumeráveis
rascunhos e revisões encontrados nos livros The History of Middle Earth
revelam a longa batalha de Tolkien para aperfeiçoar seu trabalho, mas
eles também deixam claro que o processo estava longe de ser completo.
No fim de sua vida, alguns de seus contos se aproximaram da forma
"acabada" ou até mesmo se tornaram definidos em grande parte sendo
publicados, mas muitos permaneceram em fluxo, e alguns existiram apenas
em esboços.
Por causa disso, é difícil saber como pensar
sobre o Mundo Secundário de Tolkien. Em um sentido mais realista, sua
obra existe apenas como uma criação em desenvolvimento que mudou
continuamente através de sua existência. No prefácio ao Silmarillion,
Christopher Tolkien faz observações sobre isso, explicando que seu
conteúdo "estava realmente longe de ser um texto fixo, e não permaneceu
imutável mesmo em certas idéias fundamentais relacionadas à natureza do
mundo que retrata". Como podermos esperar encontrar a "coerência
interna da realidade" em um mundo que estava tão inacabado na cabeça de
seu próprio autor? A resposta, naturalmente, é que não podemos. A Terra
Média nunca foi "terminada", e conhecendo o gosto de Tolkien em
consertar seus contos, eles podem nunca ter convergido para uma forma
final não importa por quanto tempo ele tenha vivido.
Entretanto, este não pode ser o fim da discussão: a experiência
positiva de tantos leitores deixa claro que muito da coerência interna
de realidade já está lá. Isso é em partes devido aos próprios métodos
de Tolkien para o desenvolvimento de suas histórias, nos quais ele
freqüentemente "descobria" novos detalhes de seu novo mundo ao explorar
as conseqüências lógicas de algum detalhe histórico ou lingüístico em
particular. Isto também deve refletir sua soberba intuição para uma boa
história. Em todo caso, os leitores de Tolkien têm noção de que a Terra
Média "existe" em um sentido sub-criativo, e muitos deles têm um grande
prazer em explora-la sozinhos o melhor que podem.
Por essa
razão, leitores que se arriscam além dO Hobbit e dO Senhor dos Anéis,
rapidamente encaram a ambigüidade: qual versão de cada história é
"verdadeira" no Mundo Secundário de Tolkien? E ainda mais
fundamentalmente, como é possível definir uma versão deste mundo que
seja estável o suficiente para explora-la dessa maneira? Para aqueles
que querem compreender completamente a Terra Média, devem ler os
originais de Tolkien e decidir quanto peso atribuir para cada uma. A
seguir, eu discuto alguns dos problemas envolvidos no processo de
definição da Terra Média "canônica", listo alguns objetivos que um
conjunto de textos canônicos deve cumprir, e sugiro um enfoque geral
para encontrar estes objetivos que prefiro.
* * *
O Dicionário Oxford de Inglês define "canônico" nesse contexto como "de
autoridade reconhecida, excelência, ou supremacia; confiabilidade".
Para a maioria dos leitores de Tolkien, a escolha de um texto canônico
não é consciente: eles supõem que os livros são igualmente confiáveis
até encontrarem as primeiras ambigüidades óbvias. Estas suposições
podem persistir com O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, mas
são rapidamente destruídas pelos livros Contos Inacabados e os livros
The History of Middle Earth.
Uma vez que um leitor esteja
prevenido sobre a questão da "canonicidade", muitas respostas gerais
são comuns. Algumas pessoas abandonam completamente a idéia de uma
"verdadeira" Terra Média e simplesmente apreciam a observação do
processo de criação de Tolkien. Essa é uma escolha razoável, e eu não
irei culpar qualquer um que decidir que a leitura desse ensaio poderia
ser uma perda de tempo. Entre aqueles que continuam esperando encontrar
uma "verdadeira" Terra Média, alguns tratam qualquer versão mais
recente de qualquer história de Tolkien como canônica. Alguns escolhem
uma referência (tipicamente O Senhor dos Anéis) como absolutamente
canônica e julgam as outras obras de Tolkien por sua coerência com
relação a ela. E alguns escolhem textos canônicos baseados em sua
impressão pessoal do que "parece certo". Cada um desses enfoques tem
seus próprios pontos fracos e fortes, e provavelmente existem tantas
variações e combinações dos mesmos como existem leitores para
discuti-los.
Qualquer tentativa de definir essas estratégias
mais claramente, rapidamente levam a algumas observações essenciais
sobre esse problema. Para começar, é óbvio que a canonicidade de um
texto deve ser julgada em escala variável ao invés de um simples sim ou
não: duas escolhas obviamente não seriam suficientes para distinguir
confiabilidade de livros publicados como O Senhor dos Anéis, dos textos
bem desenvolvidos como "Os Anais de Aman" em Morgoths Ring, e explorações recentes como The Book of the Lost Tales. Uma escala contínua nos dará a liberdade que precisaremos.
A princípio é menos claro se a canonicidade deve ser atribuída texto
por texto ou detalhe por detalhe. Isto é, se alguma parte do texto está
"errada", deveria ser confiável qualquer outra coisa no texto? Parece
que a resposta está em algum lugar entre o sim e o não. Certamente, se
Tolkien baseia uma discussão em uma premissa "defeituosa" (uma que
contradiga alguma informação categoricamente aceita), as conclusões que
se seguem não são confiáveis. (O ensaio "The Problem of Ros" em The Peoples of Middle Earth é
um exemplo clássico: Tolkien rejeitou a maior parte dele por essa mesma
razão). Por outro lado, um pequeno equívoco em um texto não deve
conduzir imediatamente a afirmações não relacionadas a serem rejeitadas
como se fossem não-confiáveis (embora vinte erros possam). O melhor
enfoque aparenta ser o de tomar cada decisão cuidadosamente baseando-se
no contexto.
Por fim, nós devemos indicar o papel das
preferências pessoais. É até mesmo razoável procurar por uma definição
do cânone Tolkieniano, ou cada um deveria fazer sua própria escolha? Se
nós esperamos discutir a Terra Média juntos, nós precisamos ao menos de
uma base comum, mas quanta variação pessoal a definição deve permitir?
Um objetivo principal desse ensaio é procurar uma base a mais comum que
seja possível enquanto reconhece as prioridades de cada pessoa na
definição de um cânone diferente. Não há uma estratégia única que seja
correta para todos.
* * *
Tendo estabelecido o que nós referimos como "canônico", o próximo passo
lógico é listar um conjunto de metas que gostaríamos que a Terra Média
canônica satisfizesse. A lista a seguir inevitavelmente reflete minhas
preferências pessoais, mas espero que pareçam ao menos razoáveis para a
maioria dos leitores. Esses objetivos estão listados aproximadamente em
ordem de prioridade como eu a vejo (e eu suspeito que a ordem está mais
propensa a ser controversa do que os conteúdos). Os objetivos são:
1. "A
coerência interna de realidade": acima de tudo, os fatos canônicos
aceitados sobre a Terra Média devem descrever um mundo internamente
consistente. Essa coerência deve ser natural, também: "atos de Deus"
devem ser limitados àqueles que Tolkien descreveu, e soluções menos
complicadas são geralmente preferíveis as mais.
2.
Coerência com os textos publicados: as obras que Tolkien completou e
compartilhou com o mundo devem ter prioridade sobre as que não. Essa
parece ter sido a própria estratégia de Tolkien na maior parte do tempo
(sim, ele fez revisões, mas não com freqüência, e nós não temos esta
liberdade). Se estes textos são incoerentes, as coisas ficam mais
complicadas; a maioria concorda que O Senhor dos Anéis tem prioridade
sobre os outros, mas procurar uma solução mutuamente coerente é melhor.
Problemas como os erros tipográficos são provavelmente melhor
resolvidos através da dedução das intenções de Tolkien a partir de
esboços e rascunhos (como aquelas nos livros "História do Senhor dos
Anéis").
3. Preservar a estrutura geral da mitologia:
enquanto grandes e pequenos detalhes variam a toda hora, as lendas de
Tolkien preservaram o mesmo esquema básico pela maior parte de sua
vida. Embora Tolkien ocasionalmente considere mudanças radicais nesta
estrutura, nossa única esperança de construir uma imagem completa da
Terra Média deve ser baseada nas versões melhores desenvolvidas das
histórias. Dessa forma…
4. Baseado nas mais
recentes e bem desenvolvidas declarações de Tolkien: Tolkien passou a
maior parte de sua vida tentando aperfeiçoar seus contos da Terra
Média, logo a versão mais recente de cada conto e ensaio é o nosso
melhor guia para sua visão. Observe, entretanto, que algumas de suas
histórias mais antigas são também as mais vívidas: elas podem expressar
a "sensação" dos eventos na história da Terra Média com mais sucesso
que outras versões mais novas, mesmo quando os detalhes são
inteiramente não confiáveis.
5. Fazer uma história
satisfatória e agradável: isso certamente abre as portas para as
preferências pessoais, mas não é um mau modo de decidir entre variantes
que de outra maneira parecem apenas comparavelmente confiáveis.
6.
Gerar tanta informação quanto for possível: como uma regra geral, é
preciso ser cuidadoso na hora de aceitar uma informação, mesmo que
apenas experimentalmente. Não rejeite todo o conteúdo esboços
intermediários detalhados porque algumas partes deles contradizem um
rascunho mais recente.
Com objetivos como estes em mente, nós
leitores já temos uma idéia geral de como escolher textos canônicos que
serão o mais satisfatórios possíveis. Eu darei um passo adiante e
esboçarei uma visão mais específica da Terra Média canônica, que pode
fornecer uma filosofia condutora para atingir essas metas acima. Isso é
essencialmente uma declaração de enfoque pessoal, mas acredito ser
válido compartilhar.
* * *
Eu
imagino a "verdadeira" Terra Média como um resultado que Tolkien teria
eventualmente alcançado se ele fosse dado tempo ilimitado e produtivo
em ordem de aperfeiçoa-la. Eu gosto de imagina-la como um Tolkiens
Parish, sua própria versão do "quadro tornada real" que ficou conhecida
como o Niggles Parish em sua história "Leaf by Niggle". Isso é apenas
uma metáfora: eu não pretendo implicar que Tolkien escreveu "Leaf by
Niggle" com uma comparação tão específica ao seu próprio trabalho em
mente. Ainda assim, a própria experiência de Tolkien e seus pensamentos
sobre a natureza da arte devem ter contribuído para todas as suas
obras, e eu ficaria surpreso se todas as similaridades entre Tolkien e
Niggle fossem meras coincidências.
Esse enfoque naturalmente
satisfaz todas as metas listadas acima. Niggle, como Tolkien, lutou
para aperfeiçoar todos os detalhes de sua arte, e quando ele explorou a
compreensão de seu quadro, ele descobriu que "Nada mais precisava ser
alterado, nada estava errado, até onde ele tenha ido, mas ele precisava
chegar a um ponto definitivo". Tolkiens Parish seria o Mundo Secundário
da própria Terra Média, com toda a sua história, e é claro que ela
teria "a coerência interna de realidade".
Assim como o
coração da terra de Niggle era a �?rvore, o coração do Tolkiens Parish
seriam as histórias dO Senhor dos Anéis e as outras obras que Tolkien
publicou enquanto vivo, mas perfeitamente executadas, "da forma como
ele as imaginou, ao invés da forma como ele as fez". A localização da
�?rvore de Niggle com relação ao resto de seu país também tem um
paralelo claro com os trabalhos de Tolkien. Nós lemos que "A �?rvore
estava terminada… mas na Floresta ainda existia um número de regiões
não concluídas, que ainda precisavam de trabalho e idéia". Da mesma
forma, o Silmarillion e outros contos mais antigos foram imaginados,
mas não foram completados. O apelo especial de suas histórias distantes
até mesmo combina com o apelo especial da "floresta distante" de
Niggle, da qual alguém pode se aproximar ou até mesmo entrar "sem que
ela perca seu charme particular" (algumas pessoas preferem não ler O
Silmarillion com medo de que suas histórias perderão a mística da
distância).
Porque algumas das últimas obras de Tolkien
tentam retirar todas as referências a uma terra plana antes do sol e da
lua, fica menos claro que Tolkien tenha escolhido no final "preservar a
estrutura geral de sua mitologia". Entretanto, ele poderia muito bem
ter feito desse modo: afinal, ele havia considerado seriamente a mesma
idéia anos antes de abandona-la. Tolkien considerou essas mudanças para
aproximar a natureza e história da Terra Média do mundo real, mas ele
pode ter reconsiderado uma vez que tenha percebido que não existe uma
ligação realística possível com a verdadeira história.
As
ligações entre esse conceito de Tolkiens Parish e as últimas três metas
finais são claras. Naturalmente, os escritos mais recentes de Tolkien
dão bons indícios sobre a forma final da mitologia (e essa estrutura
fornece um guia na escolha entre eles). Seus trabalhos, acabados e
inacabados, são profundamente agradáveis para uma grande quantidade de
pessoas, e na maioria eles melhoraram apenas quando ele colocava mais
esforço e idéias neles. E, finalmente, como um completo Mundo
Secundário sub-criado,o Tolkiens Parish seria "completo" em sua
história e conteúdo.
* * *
É claro, a compreensão
total do Tolkiens Parish nesse sentindo seria impossível, tanto que
Tolkien no final não a alcançou. Que valor tem então esse conceito para
nós, fãs e leitores? Primeiro, ele oferece uma estrutura comum para
discussões sobre a Terra Média que torna claro o papel da preferência
pessoal. Muitos debates inflamados poderiam ser mais civilizados e
produtivos se os participantes entendessem as suposições de cada um.
Depois, isso guia nossos esforços para ir além dos fatos diretamente
estabelecidos nos escritos de Tolkien. Na tentativa de preencher as
lacunas dos nossos conhecimentos como Tolkien teria feito, procurando
respostas que trariam a Terra Média mais perto de ser um coerente Mundo
Secundário, nós podemos ganhar uma nova percepção para essa visão.
Naturalmente, nós temos menos liberdade de escolha nisso do que Tolkien
tinha, logo onde ele poderia tomar uma decisão final, nós podemos fazer
apenas leves suposições.
No final, entretanto, o maior
benefício de imaginar a Terra Média como Tolkiens Parish, é o prazer de
explorar um verdadeiro Mundo Secundário. Pouquíssimos autores conseguem
se equiparar a Tolkien em sua habilidade de retratar um mundo tão
diferente do nosso e mesmo assim torna-lo tão real e vivo. Tratando
esse mundo com seriedade, como tendo uma verdadeira existência no plano
artístico, nós chegamos o mais próximo possível de conhece-lo como
Tolkien mesmo fez, o mais próximo que podemos para compartilhar seu
prazer e amor pela Terra Média.
[…] para a Valinor foi uma tradução da qual hoje em dia eu morro de vergonha, do artigo Tolkien's Parish. Ali eu comecei a ver a pontinha do iceberg: o medo que dá de escrever alguma bobagem, ter […]