A derrota não poderia ser mais dolorosa e mais gloriosa ao mesmo tempo, por mais incabível que isso possa parecer. O cerco a Gondolin era poderoso e exigiu tudo dos mais valorosos guerreiros. Glorfindel ficou encarregado de conduzir a fuga de mulheres e crianças para longe da cidade, mas em seu caminho foram atacados por um balrog. Glorfindel lutou bravamente, sozinho, contra o demônio, permitindo a continuação do êxodo de seus companheiros, mas resultou na queda dos dois num profundo abismo.
Assim, em resumo, Glorfindel desligou-se de sua forma material e teve seu espírito guiado até Valinor, terra dos Valar. E aqui começa a história.
Glorfindel atingiu o Reino Abençoado e sentiu-se estranho. A beleza daquele lugar dava-lhe certeza de que nunca vira tão belas paisagens no passar de todos os anos de sua longa vida. Vindo do Leste, impressionou-se com a grandiosidade das Pelori, arautos da ainda mais imponente Taniquetil e com a verdura dos campos do centro do continente. Ensejou uma visita a Valimar, cidade sagrada e altiva. Sonhou embrenhar-se na floresta de Lórien…
Mas ainda não era o momento. Reavendo sua postura, seguiu direto para a Casa de Mandos, Lar dos Espíritos e residência de Namo, Senhor do Destino dos Valar. Uma vez lá, foi recebido pelo próprio Ainu:
– Bem-vindo seja, valoroso guerreiro! – a voz de Namo era profunda e grave e falava desapressadamente – Esperávamos sua chegada.
– Ajoelho-me perante sua grandeza, Senhor de Mandos e fruto do pensamento de Ilúvatar!
– Grandes são sua alma e sua cortesia, Filho de Eru. Além disso, sua conturbada trajetória por Eä não permite que fique aqui como todos os outros, simplesmente. Deverá passar pelo julgamento de Manwë, que decidirá seu destino. Por enquanto, conduzirei você aos Salões de Espera.
O lugar para onde Glorfindel foi levado era horrível. Não em beleza, pois as Casas dos Mortos mantinham a grandiosidade de tudo aquilo feito pelos Valar. Contudo, as almas que ali residiam sofriam cada uma sua angústia, seu nervosismo, à espera da sentença de seu destino. Com o bravo elfo não foi diferente, fazendo com que o curto período que passou lá parecessem anos.
Enfim, foi chamado à presença do Conselho dos Valar para deliberarem sobre seu futuro. Percorreu o continente ao lado de Namo e chegaram ao Mahanaxar, o Círculo do Destino. Catorze tronos formando um círculo que, naquele instante, parecia assustados aos olhos de Glorfindel.
Todos os Valar estavam presentes, até mesmo Ulmo, Senhor dos Mares, que raramente deixa seus domínios, e Nienna, Senhora dos Sofrimentos, que habita no oeste do Oeste, longe de todos. Difícil descrever suas vestimentas, cada um incrível a sua maneira. Porém, ao centro, reluzente brilhava o cetro de Manwë, subjugando tudo à luz azul que emanava de suas safiras, absorvidas pelo longo manto celeste que usava. A única reação do noldo foi ajoelhar-se e cortejar o maior dos Ainur.
– Sê bem-vindo, Primogênito! Levante-se e encare aqueles que decidirão seu futuro!
Após um instante de estupefação, Manwë prosseguiu:
– Glorfindel: seu caso será exposto diante de todos por se tratar de algo inédito e igualmente polêmico. Você é um dos Exilados, rebeldes à chefia dos Valar sobre o Mundo. A raça dos noldor está para sempre fadada à Maldição de Mandos, imposta a vocês como castigo pela insubordinação, implicando a proibição de voltarem ao Continente Abençoado para residir na sob os olhares de Namo. Negar não podemos, entretanto, sua valentia e servidão a seu povo, lutando por ele até a morte e levando também a ela um demônio. Assim, pergunto-lhes, Ainur aqui reunidos: qual deve ser o destino desse noldo?
Longa foi a discussão dos Imortais, mas estranhamente não parecia uma balbúrdia. Suas vozes, ainda que todas ao mesmo tempo, pareciam um coral, lembrando Glorfindel do mito da criação de Eä e do Ainulindalë.
Por fim, o líder do conselho se pronunciou:
– Decidido está! Não houve sequer um Vala que não deu importância aos seus feitos contra o Inimigo, abrindo exceção ao destino de seu povo. Serás, portanto, religado à sua forma material e poderá escolher entre ficar aqui, em Valinor, ou retornar à Terra-Média. Diga, pois, o que desejas, Filho de Eru.
– Inigualável é a misericórdia daqueles que criaram o Mundo seguindo as vontades do Único! Fico sem palavras perante tamanha grandeza e bondade, mas agradecerei a honra aqui prestada enquanto subsistir nos Círculos do Mundo, jurando defender tudo o que for vivo da escuridão que avança sobre as terras orientais. Ponho-me às ordens dos Senhores aqui presentes para qualquer tarefa que necessitarem. E meu desejo é permanecer aqui, em Aman, pois minha família e minha cidade pereceram nas mãos do Senhor do Escuro.
– Assim será!
Com um leve toque do cedro no chão, Manwë retirou-se ao lado de Varda para seu trono na mais alta montanha e todos os outros igualmente tomaram seus caminhos.
Nosso elfo começou a percorrer a imensidão daquelas terras. Finalmente conheceu Valimar, nunca imaginando que pudesse existir uma cidade tão bela sem a proteção de muralhas e torres, e vislumbrou aquela paz. Viajou para leste, para Alqualondë, reviu antigos amigos vanyar e teleri, valorosos por nunca terem abandonado tão bela morada, longe de problemas e sob intensa guarda. Por isso, voltou a ter a aparência angelical dos Primogênitos, sentindo a pureza de seus pensamentos e coração.
Ali Glorfindel permaneceu por muito tempo. Soube por notícias das ocorrências da Segunda Era, da revolução dos númenorianos e da Ira dos Valar, que resultou na submersão da ilha e da retirada de Aman dos Círculos do Mundo.
Assim, ele percebeu que agora estava por demasiado distante da Terra-Média, Beleriand e suas regiões. E Glorfindel sentiu falta disso.
Em seus passeios pelas vastas florestas e jardins, conheceu Olórin, um maia que, deveras, compartilhava de suas opiniões e tinha um amor secreto por todos os mortais.
Mais uma Era se passou e as coisas não estavam boas além-mar. Sauron, discípulo de Morgoth, ameaçava a paz como novo Senhor do Escuro, após o forjamento dos 20 anéis de poder e, principalmente, de seu Um Anel.
Cresceu, tão logo, a preocupação dos Valar em deter Sauron e impedir que chegasse ao artefato, visando, para isso, a destruição deste. Dessa forma, o Inimigo seria derrotado de uma vez.
Para Glorfindel, estava aí a chance de retornar.
Foram escolhidos ci
nco maiar para descer à Terra-Média e auxiliar os lá viventes na batalha contra o Senhor do Escuro, sob a alcunha de istari, e mais alguns elfos. Olórin, um dos escolhidos, sabendo da ânsia do amigo, pediu a companhia de Glorfindel nessa jornada. Partiram, então, para as Terras Mortais, sendo de fundamental importância na Guerra do Anel.