Decido, pois, utilizar-me dos dons que a mim foram dados. Dons pequenos, mas meus. E é com eles que me transformo no Deus supremo e inatingível. E crio uma nova terra, me esquecendo de toda a dor e sofrimento, que a pouco vivenciara. Mas me encontro novamente sozinho, e, não pela primeira vez, decido pelo mais fácil e cômodo para mim mesmo.
Com os dons que me são concedidos, e com a ajuda de uma pena e um pou… e bastante nanquim, começo a desenhar o mundo de meus sonhos, o mundo onde eu sou o dono. O mundo onde eu sou o deus único. E a primeira frase que desenhei ficou por muito pairando a minha frente. E foi apenas muito mais tarde que ela caiu.
“Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado Ilúvatar.”
No entanto, é verdade que ninguém deva saber com quais intenções os crio. Seria perigoso, e poderia acabar com todas as esperanças e tudo e todos estariam em perigo.
Infelizmente, pus tal pensamento para fora do alcance de minhas criações mais tarde do que deveria. Em minha ignorância, percebi o perigo a que me espunha tarde demais. Muitas de minhas criações posteriores foram sub-conscientemente infectadas pelo ódio onde eu vivia. E em meus escritos, revelei toda a minha vida. Ao invés de criar o meu paraíso, criei minha sentença.
Na tentativa de criar a terra perfeita, desenhei Valinor. Uma criação de uma das minhas criações. Criada nas mesmas situações a que já me apresentei. Diante da destruição, uma fuga para longe. Uma fuga onde aparentemente nada nem ninguém poderia por fim. Uma fuga para o aparente paraíso.
E foi nessa hora que percebi o tamanho que teria o meu funesto pensamento. Que antes tão pequeno, tornou-se grande. Tão grande, que domou minhas mãos e que fez delas apenas o meio que levou Valinor, a Terra dos Valar, a Terra Protegida quase a destruição. E no fim, o ódio a minha volta atingiu o meu paraíso acabando com ele.
Minhas mãos foram as culpadas pela criação e pela destruição de meu paraíso. Após uma batalha onde tudo que eu queria era que Valinor prevalecesse em minha mente, aquela pequena frase, a qual me deixava de pé, foi esquecida. Eu desisti de tudo, pois sabia que o ódio seria mais forte que as mãos e que a força de uma pessoa comum. Não sabia, no entanto, que apesar de acabar de escrever e acabar com tudo aquilo, todas as minhas histórias e toda a Valinor seria re-lembrada no futuro.
Do que vim a ver enquanto vivo, não me recordo muito, apesar de alguns episódios ainda estarem vivos e dançantes em minha mente. Me lembro de malucos que nos jardins de minha casa, me atormentavam perguntando coisas sobre minhas histórias. Coisas absurdas, que não fazem sentido. Esses malucos não entendiam a minha verdadeira intenção.
Enquanto tentava criar o novo, eles tentavam descobrir o que eu havia copiado. Provavelmente não por maldade, me perguntavam qual era a famosa erva preferida dos hobbits. Pois eles perguntavam em vão, pois o máximo que responderia seria uma desculpa qualquer para me ver livres daqueles entrelaçados de ignorância ao meu redor.
Não entendiam eles, pois, que tudo que eu queria era me divertir… Era criar meu próprio mundo, perfeito, e que falhei. E ao adotar como livro mestre o livro das histórias, eles apenas se mostravam mais ignorantes que Melkor na sua raiva. Ao invés de tentar destruir, o que ao menos mostrava que Valinor, a terra onde a luz ainda brilha, era notada, eles a esqueciam e se mostravam indiferentes.
Não existe, em um criador, maior tortura a que ele não ser entendido e ter suas criações trocadas, tidas como obras primas, quando você sabe que elas não são dignas de tal crédito. Quando você sabe que seu feito maior não é reconhecido e seus rascunhos viram preciosidades. Pela primeira vez, o ódio de Melkor apareceu em minhas veias.
E elas saltaram de meu corpo velho e cansado. E aquele é a última coisa que me lembro de minha vida. Pois hoje apenas sei que se não fosse por aquele momento de reflexão, ficaria na Terra por mais tempo, e, talvez, descobriria que aquele sofrimento toda fora em vão.
Pois apenas agora que vim para cá, e que consigo ver todas as pessoas e tudo o que elas pensam é que vejo a realidade. A minha realidade é a de homens e crianças que tem sua própria Valinor. Elas não precisam de uma nova, e não precisam da Valinor criada por mim. Cada um criou, com sua própria filosofia, sua terra perfeita.
Aliás, é por isso que filósofos não ganham dinheiro. Quem quer comprar a filosofia de outra pessoa? Enquanto diante da minha, o certo é escrever meu mundo, e deixar as marcas de minha existência no papel, outros fazem do seu quarto a sua própria Valinor. Ou uma cidade, um pensamento ou uma viagem. Acho apenas errado aqueles que deixam a Valinor para trás, a medida que vão crescendo. Crescer significa saber mais, e não esquecer. Ao deixar a magia para trás não quer dizer que estejamos aprendendo a realidade, e sim, que estamos perdendo conhecimento.
E mesmo assim, existem aqueles que surpreendentemente, conhecem e desfrutam da minha Valinor. E a partir dela formam outras. E é esse o motivo pelo qual eu continuo vivo. Além de estar no final de cada livro que ajuda a sustentar meu filho, que ganha dinheiro as custas do pai, eu ajudo muitas pessoas a viver e ser feliz. Seja com um site ou um texto, Seja com a minha Valinor, ou seja com a deles.
Surpreendo-me hoje, com o que fiz. Obras que antes eram tratadas como cópias, hoje são estudadas profundamente. E a Valinor de que tanto me orgulhava, tornou-se uma fonte para todo esse conhecimento. Tornou-se, além da minha terra perfeita, a terra de muitos. Ela continuou sem existir, mas ao mesmo tempo, doando a todos os que se sentirem dignos, um pouco de cultura, magia e poder.