O Caso das Traduções de O Senhor dos Anéis em Lí­ngua Portuguesa

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Escrito por Fábio Bettega

artigo_academico.jpgO artigo a seguir foi apresentado em um conjunto de comunicações integradas sob o título
"Interpretação: modos de dizer, modos de fazer", em conjunto com Maria
Paula Frota, Helena Martins e Ana Paula El-Jaick, no XII Congresso da
Assel-Rio: “Linguagens: modos de dizer, modos de fazer”, Rio de
Janeiro, 17 de novembro de 2003. Resumo publicado no Livro de Resumos e
Programação, p. 109. A autora gentilmente permitiu a reprodução inegral do artigo na Valinor.
 
 
TEORIAS E PRÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO:
O Caso das Traduções de O Senhor dos Anéis em Língua Portuguesa

INTRODUÇÃO

Complementando esta mesa coordenada sobre modos de fazer e modos de
dizer a interpretação, neste trabalho vou confrontar discussões
teóricas sobre interpretação com a análise de uma situação prática
envolvendo traduções, buscando mostrar como elas interagem de forma
complexa, havendo inclusive o comparecimento, na prática, de abordagens
teóricas aparentemente divergentes. Primeiramente, apresentarei o
panorama teórico pertinente a esta discussão.

 
 
PANORAMA TEÓRICO

Nestas últimas décadas, diversas discussões aplicadas à teoria da leitura e envolvendo interpretação, geralmente frutos de questionamentos filosóficos mais amplos, vieram repensando definições e papéis dos objetos tradicionalmente considerados como participantes da situação da leitura: o autor, o texto, o leitor e os vários contextos e situações possíveis envolvendo cada um deles.

Uma das rupturas mais significativas foi a conhecida morte do Autor decretada por Roland Barthes, que destituiu aquele sujeito poderoso, onisciente, fonte criativa única de sua obra e cujos pensamentos e intenções o leitor deve resgatar através da leitura.

No início do século XX, o inglês Ivor A. Richards, que inspirou fortemente os New Critics, de grande influência no meio acadêmico norteamericano, levou ao extremo a idéia da morte do autor em sua metodologia de interpretação e crítica literária: ele restringiu suas análises unicamente ao texto, visto como um sistema fechado, buscando eliminar qualquer vestígio tanto do autor e seu contexto quanto de projeções feitas pelo leitor (o que ele caracterizou como um erro metodológico chamado “falácia afetiva”). Segundo Richards (por exemplo, 1956 [1929]), uma leitura correta do texto levaria a somente uma interpretação, a única invocada pelo texto. Contudo, em seus textos, fica claro que essa única leitura correta é sempre a dele, e ele sempre consegue provar que qualquer interpretação divergente não se sustentará com base no texto.

Outras abordagens teóricas, como a Estética da Recepção, afastaram ainda mais a interpretação da intenção inicial do autor, transferindo o foco cada vez mais para o pólo do leitor (ainda que, no caso da Estética da Recepção, o texto ainda devesse nortear as interpretações possíveis).

Já posturas teóricas como o Pragmatismo, desenvolvido com mais ênfase, em teoria literária, a partir da década de 80, são mais radicais: para teóricos como Stanley Fish, por exemplo, o próprio texto não tem mais o privilégio de orientar suas interpretações possíveis. Agora, o que determinará quais os significados que serão construídos a partir do texto é o uso dado a ele por cada comunidade que o lê, em seu contexto específico – ou, segundo o termo cunhado por Fish, por cada comunidade interpretativa. Entre os vários casos narrados por Fish para ilustrar seu argumento, um dos mais clássicos relata que, ao receber tal informação do professor, alunos de uma aula de literatura interpretaram como sendo um poema uma lista bibliográfica deixada no quadro negro pelo professor da aula anterior (Fish, 1980). As mesmas palavras que serviram ao propósito de uma determinada comunidade puderam ser efetivamente utilizadas por uma comunidade diferente, adquirindo significados sem nada em comum e sequer possuindo a priori uma interpretação correta. Portanto, seria impossível prever todas as situações capazes de serem criadas ao longo da história pelas mais diversas comunidades interpretativas que possibilitariam a construção de diferentes interpretações e, assim, virtualmente qualquer interpretação seria possível, ainda que os leitores inseridos em um contexto específico sejam incapazes de aceitar interpretações divergentes das suas, que são moldadas por sua comunidade interpretativa.

Contudo, em meio a todas estas vertiginosas transformações teóricas, alguns autores se perguntam se certas posturas não estão indo longe demais, ou como são possíveis determinadas atividades práticas que não parecem capazes de se desvincular de um objeto tradicionalmente denominado texto e algum tipo de relação com uma entidade conhecida como autor.

Tendo sido partidário e feito experiências literárias relacionadas à Estética da Recepção e ao Pragmatismo, Umberto Eco é um dos que, sem negar os insights teóricos das últimas décadas, agora reivindica algum tipo de consideração pelo que chama de “os direitos do texto” (Eco, 2000). A reivindicação de Eco é que, ao contrário do que afirmam teóricos de orientação pragmatista e descontrutivista, deve haver algo no texto que, ainda que seja difícil de caracterizar de modo objetivo, é o que permite que pessoas diferentes, em contextos variados, se refiram ao conteúdo de uma determinada obra e ao menos reconheçam que estão falando do mesmo objeto.

Alinhamentos como o de Eco também voltam a aproximar, ainda que não mais de forma ingênua, uma concepção teórica a respeito da leitura e da interpretação, do senso comum, para o qual, de modo geral, aquele Autor morto por Barthes ainda está bem vivo e cuja expectativa com relação à situação de leitura provavelmente coincidirá mais com a idéia de Umberto Eco do que com a de Stanley Fish.

Além disso, para complicar ainda mais, muitas vezes entre um certo texto e um certo leitor, existe ainda a controvertida figura do tradutor – na qual não terei tempo de me deterei nesta ocasião, mas que ainda mencionarei algumas vezes.

Particularmente no caso de obras literárias de grande influência, que acabam sendo consideradas canônicas, esses paradigmas tradicionais parecem tornar-se ainda mais rígidos e sensíveis a mudanças. O autor e seu contexto, sua biografia, ganham ainda mais poder, desencadeando uma busca mais obstinada de seus pensamentos e intenções. No pólo do leitor, a influência de diversas informações adquiridas, ainda que não de forma consciente, geram expectativas e norteiam sua leitura, tendo um peso que pode ser decisivo na sua interpretação do texto.

Veremos agora uma situação prática, que analisaremos sob diversos aspectos de modo a contrastá-la com nosso panorama teórico.

NOSSO OBJETO DE ESTUDO


Consideraremos a obra O senhor dos anéis (The Lord of the Rings), de J.R.R. Tolkien, publicada pela primeira vez em 1954. Desde seu lançamento, o livro teve enorme sucesso e foi traduzida para um grande número de línguas. No Brasil, foi publicada em português nas décadas de 60 e 70 pela editora Artenova, em seis volumes, mas o longo espaço de tempo entre o lançamento de um volume e outro fez com que vários leitores dos primeiros volumes dessem continuidade à leitura migrando para a tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, publicada pela editora portuguesa Europa-América na década de 70. Algum tempo depois, a Artenova fechou as portas e seus livros deixaram de ser encontrados, de modo que, durante bastante tempo, a opção mais acessível para leitores brasileiros foi a tradução portuguesa. Uma nova tradução brasileira, feita por Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta, foi publicada na década de 90 pela editora Martins Fontes, antecipando o lançamento da trilogia de filmes baseada nos livros, ao mesmo tempo reavivando comunidades já existentes de fãs e estimulando a formação de um novo público leitor de Tolkien.

Para obter dados com relação à recepção dessas obras por leitores brasileiros, realizei uma pesquisa através de grupos de discussão na internet, por meio de um questionário para ser respondido apenas por leitores brasileiros que tivessem lido tanto a versão portuguesa quando a nova tradução brasileira. O questionário continha diversas perguntas visando respostas subjetivas e não técnicas sobre facilidade de leitura, o prazer proporcionado e diversas preferências a respeito de passagens específicas (por exemplo, com relação a poemas e canções, passagens descritivas, diálogos e cenas de ação, entre outras). No fim, havia um espaço livre para observações adicionais. Esses leitores são assumidamente “fãs” da obra de Tolkien, o que intensifica ainda mais seu status canônico.

Vejamos, de forma bem resumida, os resultados desta investigação.

O questionário foi respondido pelo mesmo número de homens e mulheres distribuídos de modo equilibrado entre várias faixas etárias. A tradução portuguesa foi a preferida somando-se todos os aspectos, sendo escolhida, de modo geral, por seu texto ser mais rico, poético e estar mais no “clima” do livro, por assim dizer, enquanto a tradução brasileira quase sempre foi escolhida por ser de leitura mais fácil. Uma ligeira maioria dos leitores leu a versão brasileira mais depressa, o que também indica facilidade de leitura, devida principalmente à familiaridade com o vocabulário e o estilo, porém a portuguesa propiciou mais prazer à maioria dos leitores.

Isto é, para os atuais fãs brasileiros da obra de Tolkien, tudo indica que a compreensão das palavras e a proximidade da linguagem não são fatores mais importantes que a poeticidade e o ar fantástico desse mundo. Um dos leitores inclusive mencionou explicitamente que o estilo e o vocabulário português, que para os brasileiros parecem antigos, distantes e inclusive causam dificuldade, “combinariam” com o mundo de Tolkien, igualmente longínquo no tempo e no espaço.

Uma observação importante é que, somando os leitores que leram uma
das traduções em língua portuguesa antes do original em inglês e aqueles que nunca leram o texto em inglês, constatamos que 91% dos entrevistados desenvolveram sua interpretação do livro primeiro em português (às vezes lendo a tradução duas, três, quatro vezes), antes de terem algum contato direto com o original (e, na maioria das vezes, não sendo capazes de ler a obra completa em inglês ou de compreendê-la de modo satisfatório). Isto é, para a grande maioria dos leitores brasileiros, a construção imaginária desse universo, a relação com os personagens, a identificação dos lugares, etc. se dá primeiro em português.

Entre as duas traduções em língua portuguesa, também podemos observar que a quase totalidade dos leitores prefere amplamente, em vários aspectos, a tradução que foi lida primeiro. A grande maioria daqueles que leram primeiro a tradução portuguesa preferem esta versão na maioria dos aspectos levantados no questionário, enquanto a maioria dos que leram primeiro a tradução brasileira tendem a preferir esta versão, inclusive por vezes considerando-a mais rica e poética, e não apenas mais fácil, como foi a tendência geral.

A preferência por características particulares de versões que foram o primeiro contato de um leitor com uma obra não é novidade. André Lefevere e Susan Bassnett (1990) recontam um caso relatado por Proust referente à sua avó, que durante décadas se habituara aos personagens de As mil e uma noites e A odisséia de uma tradução antiga, sentindo-se indignada quando, tempos depois, novas traduções propuseram transliterações diferentes, “corrigidas”, para os nomes dos personagens, que ela não era mais capaz de reconhecer. Há um sentimento de violação associado a mudanças que parecem descaracterizar o mundo que foi sendo construído pelo leitor e que este tende a atribuir, não à sua interpretação pessoal, mas ao texto e ao autor, transferindo a eles a violação que sente ao se deparar com uma nova tradução – o que, no caso de um texto sacralizado, constitui um grave pecado.

Finalmente, vamos analisar as teorias na prática.

TEORIA NA PRÁTICA: REFLEXÕES

Ponderando sobre as respostas dadas pelos leitores de O senhor dos anéis e, principalmente, seus comentários espontâneos muitas vezes adicionados aos questionários para justificar suas opiniões, o primeiro que notamos é o quanto suas intuições acerca das leituras que fizeram se aproximam do modelo de Richards. Apesar de estes leitores não deixarem de considerar o autor e seu contexto – muito pelo contrário, dotando-os de grande valor –, eles identificam no texto, em passagens específicas, as provas para suas conclusões interpretativas, muitas vezes apresentando suas opiniões como o resultado de uma (ou, em geral, mais de uma) leitura crítica do texto, desprovida de “falácias afetivas”, de modo a demonstrar que sua interpretação e suas preferências entre as duas traduções seriam as mais corretas.

Contudo, examinando com atenção as justificativas que os leitores fornecem para suas opiniões, fui percebendo que grande parte do que está por trás de suas preferências não é o texto propriamente dito. Na maioria das vezes, eram citados como exemplos os versos de abertura do livro e nomes próprios de personagens e lugares, que foram traduzidos de modo diferente nas duas traduções em língua portuguesa e são uma questão bastante sensível para os fãs. Pois bem: os mesmos trechos mencionados visando justificar as preferências por esta ou aquela tradução não são consistentes entre leitores diferentes. Uma rima considerada “tão poeticamente linda” por um leitor é a mesma usada por outro para mostrar que a tradução “perde em poesia”. Se um diz que prefere os nomes próprios da versão portuguesa porque são mais poéticos, outro os considera “confusos” demais e prefere os nomes recriados pelos tradutores brasileiros.

Mas afinal, como os leitores constroem suas interpretações? Quais, efetivamente, seriam os fatores responsáveis por uma caracterização do mundo criado por Tolkien de acordo com a qual as diferentes traduções seriam avaliadas? Se, por um lado, é muito difícil não admitirmos que não haja algo no texto, algo em comum a todas as suas versões sobre o qual diversos leitores concordem ao falar sobre o texto – como reivindica Umberto Eco –, por outro é igualmente complicado justificarmos, com base somente no texto, comentários do tipo “A Editora Martins Fontes cometeu alguns erros na tradução, mas que muitos deixam passar desapercebido” e “a brasileira deixa realmente a desejar, sem poeticidade nenhuma e além disso uma tradução ao pé da letra que ‘enfeiou’ o texto completamente”, comentários estes redigidos por leitores que nunca leram o texto em inglês. Evidentemente, eles estão comparando o texto em português com algo que foi construído sem a leitura do texto original – sem, portanto, o comparecimento do texto em si.

Stanley Fish afirma que a leitura que um determinado indivíduo faz de um texto não depende nem do texto nem do leitor, mas exclusivamente da comunidade na qual ele se insere e através da qual seus pensamentos são moldados. No caso de obras consideradas canônicas, cuja fama as precede, essa influência do entorno se torna bastante clara.

Os leitores que responderam ao questionário são fãs declarados destes livros, invariavelmente tendo lido as quase mil páginas de O senhor dos anéis no mínimo duas ou três vezes nas diferentes versões. A maioria dos fãs que responderam ao questionário freqüenta sites especializados e participa de listas de discussão por correio eletrônico sobre as obras de Tolkien, de modo que a interação com outros fãs, de diversas idades e graus de devoção, é bastante grande. Este ambiente é ainda mais influente do que a mídia – afinal, considera-se que um jornalista ou crítico possa fazer comentários equivocados, com intenções dúbias ou mal informados, mas nunca um fã que dedica boa parte do seu tempo a analisar e discutir as palavras de seu ídolo e tudo o mais que se relaciona a ele.

Pois bem: em entrevistas e sites coletados na Internet, parece ser bastante unânime entre fãs respeitados que “a tradução portuguesa é melhor”, mais “poética” e mais “solene”. Isso foi posto inicialmente com relação à tradução brasileira publicada pela Artenova e, mais recentemente, continua sendo divulgado entre os fãs com respeito à da Martins Fontes. Certamente, os fãs brasileiros mais antigos leram repetidas vezes, divulgaram e valorizaram a edição portuguesa, no início por considerá-la melhor que a da Artenova (o que coincide com a opinião geral da mídia) e, depois, possivelmente por falta de opção – já que os livros da Artenova deixaram de ser encontrados. Recentemente, com o lançamento da tradução da Martins Fontes, esses fãs continuaram declarando sua preferência e mesmo recomendando explicitamente a versão da Europa-América. No rastro destes fãs mais “sábios”, os mais novos tendem a formar a mesma opinião.

É claro que as preferências são por vezes justificadas com provas encontradas no texto das quais, em muitos casos, é difícil discordarmos. O problema é que fãs atentos que preferem o texto português encontrarão provas da sua superioridade da mesma forma que o farão os que querem demonstrar que o texto brasileiro é melhor. Fica evidente o paralelo desta situação com o caso relatado por Fish sobre o falso poema da aula de literatura. Aquilo que efetivamente está no texto parece pouco contribuir para a interpretação do leitor, cuja visão é essencialmente persuadida pela comunidade interpretativa na qual se insere.

Com o lançamento da tradução da Martins Fontes, à força da comunidade de fãs opôs-se o vigor da mídia. Em todos os meios brasileiros que localizei na Internet que não eram sites dedicados a Tolkien, que geralmente são mantidos por fãs, a versão portuguesa não é sequer mencionada e a da Martins Fontes é sempre exaltada. Os tradutores e o consultor receberam visibilidade incomum da mídia, sendo entrevistados diversas vezes e tendo a invejável oportunidade de explicar diversos aspectos da tradução, ressaltando dificuldades e justificando mudanças. Na primeira página do livro, os nomes dos tradutores e do consultor são seguidos de seus títulos e atribuições acadêmicas e, na página seguinte, uma “nota à edição brasileira” justifica a recriação de nomes próprios com base em instruções deixadas pelo próprio Tolkien e a re-tradução de textos escritos em runas em outras línguas, também baseada nas gramáticas escritas por Tolkien.

O choque entre essas duas forças certamente causou impacto. Muitos fãs aprovam o trabalho e a dedicação da Martins Fontes e seus tradutores, mostram-se felizes com o respeito que demonstraram por Tolkien ao seguir suas indicações e elogiam a qualidade técnica do texto – porém continuam divulgando a opinião de que algo do “espírito” do original, que ainda estava presente no texto português, se perdeu. Como ocorreu com a avó de Proust, o novo texto brasileiro descaracterizou o mundo que eles conheciam.

A situação da Martins Fontes e seus tradutores era muito delicada. Uma parcela significativa de seu público-alvo, com a capacidade de emitir opiniões especializadas potencialmente influentes, já tinha lido outras versões da obra e estava esperando uma nova tradução que atendesse a suas (altas) expectativas, sendo ao mesmo tempo melhor que as anteriores e mais “fiel” ou “próxima” ao texto original e a seu universo. Contudo, como já vimos, esta concepção do original e seu imaginário foi construída em grande parte graças à tradução portuguesa já existente e considerada superior à tradução brasileira anterior. Isto explica em grande parte o afã da Martins Fontes em atestar a aptidão técnica dos tradutores e justificar com base nas instruções deixadas por Tolkien a nova adaptação dos nomes próprios e a re-tradução de trechos em línguas inventadas pelo autor.

Para satisfazer as expectativas e conquistar fãs mais antigos, são enfatizadas as fontes originais, buscando valorizar e resgatar o autor, suas idéias e sua obra, de acordo com os padrões mais tradicionais. A meu ver, esta estratégia não demonstra nenhum tipo de ingenuidade por parte dos editores e tradutores, que certamente estão a par das discussões teóricas, mas, pelo contrário, apela mais ao senso comum dos leitores, particularmente os fãs, que têm a ilusão do contato mais direto possível com seu autor através de sua obra, ainda que por meio da tradução. Além disso, devemos ter em mente os fins por trás de praticamente qualquer publicação literária são comerciais.

Pessoalmente, acredito que, com o passar do tempo, a tradução da Martins Fontes será amplamente aceita no Brasil, à medida que for se tornando, como já está sendo, a primeira opção de leitura por um novo público, que construirá sua interpretação desse universo em cima dessa tradução. O mais provável é que a tradução lusitana fique cada vez mais relegada aos fãs dos primórdios, que a continuarão preferindo e justificando sua supremacia de diversas maneiras mas que, gradativamente, perderão espaço para o público crescente que já terá adotado a tradução brasileira.

CONCLUSÃO

Apesar dos acalorados debates entre representantes de diversas abordagens teóricas relacionadas a teorias de leitura, interpretação e tradução, parece que todas elas podem comparecer, em algum grau, em situações práticas. Ainda que, por questão de clareza, tenhamos enfatizado nesta análise duas posturas radicalmente opostas – a de Richards e a de Fish –, não parece impossível supor que concepções que se encaixam entre esses dois extremos também participem de certa forma. Portanto, poderíamos dizer que a interface entre as diversas teorias e situações práticas particulares se dá de forma plural e complexa, não podendo ser compreendida segundo a ótica de uma única abordagem e sem considerar os vários objetivos, interesses e expectativas por trás de qualquer questão.

BIBLIOGRAFIA


Eco, U. Os limites da interpretação. São Paulo, Perspectiva, 2000.

Fish, S. Is there a text in this class? The authority of interpretive communities. Cambridge/Londres, Harvard University Press, 1980.

Lefevere, A. & Bassnett, S. Introduction: Proust’s grandmother and the Thousand and One Nights – the ‘cultural turn’ in translation studies. Lefevere,

A. & Bassnett, S. (eds.) Translation, history and culture. Londres/Nova York, Pinter, 1990.

Richards, I.A. Practical criticism: a study of literary judgment. Califórnia/Nova York, Harvest, 1956 [1929].

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