Ao longo das últimas semanas entramos em contato com o ministro Ives, que nos foi extremamente solícito e nos concedeu duas grandes felicidades. A primeira vocês podem acompanhar abaixo na bacana entrevista concedida por email e a segunda vocês acompanharão sempre no primeiro domingo de cada mês: Ives manterá uma coluna mensal na Valinor, e já começa agora, dia 05 com um belo texto publicado originalmente na revista Communio (set-dez/2007).
Valinor: Como se tornou fã de Tolkien? Quando? Com qual edição?
Ives Gandra da Silva Martins Filho: Em 1980, um amigo me falou do SDA e comecei a ler, na edição da ArteNova. Fiquei cativado. Em 1990, reli a obra, na edição portuguesa da Europa-América. Descobrindo os outros livros de Tolkien, fui completando a leitura e o conhecimento da saga dos anéis do poder.
Valinor: Foi inusitado ver um livro sobre Tolkien sendo publicado por um ministro. De onde partiu a idéia do livro?
Ives: Quando comecei a ler os Contos Inacabados de Númenor, vi que precisava ter na cabeça a "história" completa da Terra Média, pois os Contos completavam partes dos outros livros. Daí que fiz um resumo dos livros para poder me situar. Uma das revisoras da principal editora pela qual publico meus livros jurídicos e filosóficos, vendo o resumo que eu havia feito, sugeriu e incentivou que publicasse o resumo, fazendo um adendo com comentários à vida e obra de Tolkien. Os resumos eram dos anos 90.
Valinor: De certa forma o senhor lida com um público bastante conservador. O fato de ter lançado uma obra sobre um livro de fantasia gerou preconceitos ou atrapalhou de alguma forma?
Ives: Naturalmente, houve brincadeiras, com as quais me diverti: o ministro Ives agora está mais preocupado com elfos e hobbits… O presidente do Tribunal, na época, de forma carinhosa, comentou que a minha foto na orelha do livro parecia a de um personagem do livro (porque saiu de toga), à exceção dos óculos… Na edição seguinte pedi para reduzir os dados pessoais da orelha da capa e colocar foto mais descontraida, com o Ted Nasmith.
Valinor: O senhor publicou uma segunda versão do seu livro, pela Martins Fontes. Como surgiu a idéia de republicar por outra editora? Quais os diferenciais?
Ives: A Martins Fontes é a editora que publica no Brasil as obras de Tolkien. Nada melhor do que sair por ela o MSdA. A edição saiu muito caprichada, com revisão apurada, acréscimos na análise da obra de Tolkien e novas tabelas comparativas quanto à tradução de nomes. Gostei bastante da nova edição e o Ted Nasmith também, quando lhe enviei o livro.
Valinor: O que Tolkien e suas obras significam para o senhor?
Ives: Essa é uma pergunta que não se responde de bate-pronto. Faz a gente refletir. Qual o papel de um livro na nossa vida? Há livros que marcam. E por quê? Porque servem de paradigma. Todos nós nos pautamos por exemplos. A juventude tem os seus ídolos, tantas vezes vazios. E o SdA é um livro de valores perenes, com personagens que podem servir de paradigmas, em suas grandezas e misérias. O que me atraiu + no livro foi a sua completude, como um universo acabado. Lembrou-me muito o ‘Guerra e Paz’ de Tolstoi, que tanto me atraiu na juventude, como um livro assim: uma estória que prende e estimula. Lembro-me que, estando na fazenda de meus pais em Avaré, podendo andar a cavalo, pescar no açude, jogar bola ou passear, ficava horas a fio na rede, lendo o romance da época napoleônica, como se o mundo real fosse esse. Algo parecido ocorreu com o SdA. Poucos livros têm essa capacidade do atrair tanto.
Valinor: Qual das obras de Tolkien o senhor mais gosta?
Ives: Naturalmente o SdA. No entanto, também gostei imensamente do Silmarilion, como visão panorâmica do universo tolkiano.
Valinor: Como o sr. vê a conexão em ‘On Fairy Stories" entre as mitologias humanas, inclusive a de Tolkien, e o Evangelho?
Ives: Tolkien sendo católico não deixou de permear todos os seus escritos com os valores morais e cristãos. Muito do seu atrativo está justamente na nobreza de sentimentos que se respira em suas obras, derivada de sua inspiração maior. E esses princípios são, paradoxalmente, os mesmos que norteiam os chamados ‘Contos de Fadas’. Outro autor inglês com o mesmo perfil de Tolkien foi Gilbert Keith Chesterton. Neste ano se comemora o centenário de sua obra ‘Ortodoxia’. Pois bem, nela temos um capítulo dedicado à ‘Ética da Terra dos Elfos’, no qual desenvolve a idéia de que ambas as éticas – a cristã e a do país das fadas – se baseia num princípio básico comum: o princípio da felicidade condicional. Remeto à leitura desse capítulo do Ortodoxia e prometo publicar um artigo neste Portal comentando-o, pois não dá para expô-lo adequadamente numa entrevista.
Valinor: O senhor participou da recente tradução de O Senhor dos Anéis pela Martins Fontes. Qual a sua visão geral sobre a nova tradução?
Ives: Discutimos muito sobre muitos termos e passagens. Usando a linguagem judicial, fui voto vencido em muitos pontos e voto vencedor em outros. Só refiro 2, que mais me lembro: fiquei vencido na mudança de anões por ananos, porque se queria fugir da carga de preconceito que a palavra traz, ligada a deformidade ou à imagem de anões de jardim. A de voto vencedor foi a de usar para a explicação de Galadriel sobre a perfeição dos trabalhos dos elfos a seguinte expressão: Colocamos em tudo o que fazemos o pensamento de tudo o que amamos. É uma das idéias + fortes do livro: a idéia de que a perfeição do trabalho está ligada ao sentido que lhe damos, de realizá-lo por amor a Deus e ao próximo. Foi o que aprendi de S. Josemaria Escrivá, sobre a santificação do trabalho diário.
Valinor: Pelo seu livro é possível perceber que teve um contato profundo com a edição Artenova. É verdade? Qual sua "história" com a edição Artenova?
Ives: Muito simples. Foi a primeira que saiu no Brasil e a primeira que li. Confesso que alguns nomes traduzidos ao pé-da-letra me divertiram muito, como uma boa brincadeira, e não deixei de lembrá-los: Fim-do-Saco, Arremesso-do-Saco… Depois li a tradução portuguesa da Europa-América e passei a preferir (e ainda prefiro) os nomes no original. Nunca gostei de Valfenda para Rivendell… Mas sei que a idéia de Tolkien era que traduzissem também os nomes próprios.
Valinor: O senhor viu os filmes da trilogia? Qual sua opinião sobre eles?
Ives: Gostei muito, por retratarem graficamente o universo tolkiano, passando bem a imaginação para a realidade. Mas não transmitem o espírito da obra. Nos filmes a obra é condensada de forma a parecer uma contínua tensão e suspense. A obra, no entanto, está cheia de poesia e bucolismo, mais próprio de Tolkien, que tanto se identificava com os hobbits e que muito bem se colocaria como Bilbo escrevendo o Livro Vermelho.
Valinor: O que espera dO Hobbit com o Guillhermo del Toro na direção?
Ives: Acho que vai ser difícil superar a trilogia do SdA, até por se tratar da estória + simples e ‘infantil’ de Tolkien. Espero, no entanto, ser surpreendido positivamente.
Valinor: Como surgiu a amizade com o Ted Nasmith?
Ives: Para ilustrar o MSdA, precisava de autorização dos pintores. Pedi a meu irmão Rogério que tentasse entrar em contato com alguns. Conseguiu com o Ted e com os irmãos Hildebrandt, que gentilmente autorizaram a utilização de seus quadros. No caso do Ted, da correspondência nasceu uma amizade, que aumentou quando consegui trazê-lo ao Brasil em 2005, com patrocínio da UniFMU, para dar palestras em São Paulo e Brasília. Ficou encantado com nosso país e espera poder voltar.
Valinor: Além de Tolkien, aprecia outros autores/obras do gênero da fantasia? Quais?
Ives: Gosto + de romance histórico. Um de meus autores favoritos nesse campo é o Louis De Wohl. Mas de fantasia, gosto da saga do ‘Star Wars’. Também li a série do Harry Potter. Mas, naturalmente, o SdA é incomparavelmente superior.
Valinor: É inegável que a obra de Tolkien tem um forte fundo moral, como por exemplo na conversa entre Frodo e Gandalf nas Minas de Moria sobre se Bilbo deveria ou não ter matado o Gollum quando teve a chance. Muitas vezes esse fundo moral acaba contagiando os leitores, modificando o seu jeito de ser/ pensar/ agir em determinadas situações. Levando em conta que o julgador, ao exercer a jurisdição, carrega não só o direito, mas também toda a sua carga pessoal de valores éticos e morais, pergunto: até que ponto os ensinamentos morais do legendário tolkieniano o influenciam no momento de proferir uma decisão?
Valinor: Fica o espaço aberto para o senhor fazer quaisquer considerações e deixar uma mensagem ao fã de Tolkien
Ives: Acho que já disse o bastante. Que fique como mensagem a de mestre Sam: O trabalho que mais custa a terminar é aquele que nunca começa. Mãos à obra.
[…] en elle une forte influence de la philosophie et de la doutrine chrétienne. Le juriste brésilien Ives Gandra Martins Filho – un autre fan – voit les aliments que les elfes offrent à la Communauté de l’anneau […]
Acredito que por esta entrevista, acompanharei e participarei mais deste fabuloso site.
Um abraço poético!
Gérson Vagner
Empreender a análise de uma obra como a do universo de Arda traga tempo demais do pesquisador. Sim, pois quem já tentou acompanhar a hitoriografia da Terra-Média sabe do que falo.
Há restrições para quem pode trilhar esse fascinante mundo? Evidentemente que não.
O que é aborrecedor é ver um dentista usar o dinheiro de sua consulta para moldar não a sua prótese, mas uma série de estatuetas de animais selvagens. Digo. Um minisro do TST que vive à sombra de seu pai, não escrever qualquer obra jurídica relevante, dizer-se filósofo, e gastar seu precioso tempo pago por mim e por você num assunto diverso daquele que urge sua total atenção enquanto desempenha suas atribuições funcionais: a urgente demanda judiciária. (Sim, Senhor Ministro, o senhor tem obrigações!)
Ver que a obra de Tolkien acolhe a atenção das mais diversas estirpes de pensamento só enaltece o valor e a grandiosidade da obra.
Mas é bem típico dessas cercanias esse tipo de bobagem.
Ah, Senhor Ministro, me desculpe, agora entendi por que é quase impossível conhecer de um Recurso de Revista! Há prioridades mais urgentes do que aquelas relacionadas ao jurisdicionado.