Ciência da Terra-média: Purê de Laracna

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Escrito por Reinaldo José Lopes

Abençoado seja o trauma de infância de Tolkien. Durante os primeiros anos de sua vida, na África do Sul, o pequeno John Ronald foi picado por uma tarântula, o que inspirou dois dos mais aterrorizadores símbolos do Mal na história da literatura fantástica: Ungoliant e Laracna. Mas será que aranhas tão grandes quanto seres humanos, ou até maiores, poderiam existir de verdade?
 

Esta nossa primeira questão da série "Ciência da Terra-média" é mais
complicada do que parece. Por um lado, bichos do mesmo grande grupo dos
aracnídeos, os artrópodes (relembrando as aulas de biologia: os que têm
patas articuladas e esqueleto externo de quitina, o que inclui também
insetos e crustáceos), já foram maiores do que o que vemos hoje. Em
alguns casos, BEM maiores.

Isso foi no período Carbonífero, há 300 milhões de anos, em que havia
libélulas do tamanho de corvos, centopéias de 2 metros de comprimento
(e mais grossas que um braço humano), sem falar nos chamados
escorpiões-marinhos, que viviam n’água, mas provavelmente tinham
capacidade de andar na terra seca e também chegavam a cerca de 2 m de
comprimento.

O caso dos escorpiões-marinhos é particularmente interessante porque
eles fazem parte do mesmo subgrupo dos artrópodes no qual se encaixam
as aranhas. No caso dos artrópodes terrestres de grande porte, uma das
explicações propostas para o supertamanho durante o carbonífero é a
grande quantidade de oxigênio (em torno de 30%) disponível no ar
daquela época. Argumenta-se que, com tanto oxigênio (o nosso ar tem só
21%), o esforço ligado à respiração seria muito menor, liberando
metabolicamente os artrópodes para ficarem supercrescidos.

Até aí tudo bem — se não fosse o fato de que nem Mordor, nem a Floresta das Trevas e nem Beleriand eram especialmente ricos em
oxigênio, pelo que sabemos — aliás, nos dois primeiros casos, muito
pelo contrário. Além disso, a impressão que a gente tem é que Laracna
ultrapassa até os mais parrudos monstros do Carbonífero em tamanho. E
isso cria alguns problemas sérios.

Tirando uma casquinha

O esqueleto externo de quitina dos artrópodes é trocado periodicamente,
no fenômeno conhecido como muda. O bicho, então, fica temporariamente
mole e vulnerável até que outra "casca" cresça. Até aí, tudo bem —
basta se enfiar na toca e torcer pra que nenhum hobbit apareça.

No entanto, artrópodes grandes demais talvez simplesmente não fossem
capazes de sustentar o próprio peso "mole" enquanto a casca se forma,
por questões estruturais. O resultado? Purê de Laracna — aliás,
autopurê de Laracna. Êta finzinho inglório.

É claro que o "sangue" de Ainur originário de Ungoliant provavelmente
liberta Laracna dessas restrições mais mundanas. De qualquer modo, é
interessante notar outro detalhe biológico: diz-se no SdA que Laracna
tanto se acasalava com seus descendentes quanto os matava, e que eles
eram formas "degeneradas" dela.

Ora, isso é coerente com a biologia reprodutiva de muitas aranhas — é
bem comum as fêmeas matarem os machos e os devorarem — e com o fato de
que o cruzamento entre parentes próximos (no caso, mãe e filhos) gera
descendentes com problemas genéticos. Não que a gente fique com dó, né?

E na próxima "Ciência na Terra-média": o élfico e a evolução lingüística.

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