I) Introdução – Uma Imagem
Mais do que “O Senhor dos Anéis”, a menina dos olhos de J. R. R. Tolkien foi “O Silmarillion”, obra que começou a conceber em 1917, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, mas que não pode ver publicada, pois lançada apenas em 1977, após sua morte, ocorrida em 1973. Nela, Tolkien apresenta, em toda sua beleza poética, uma visão singular da origem do mundo, em que Deus (Eru ou Ilúvatar) cria seres inteligentes e livres e lhes propõe um tema de música para desenvolver, pelo qual irão construindo o mundo.
Todo o desenvolvimento dessas duas grandes obras de Tolkien nada mais é do que o da luta do bem e do mal, do bom ou mal uso das faculdades que Deus concedeu aos seres inteligentes que criou, para edificarem ou destruírem o mundo que criou.
Esse Deus Criador não conduz autoritariamente os seres que concebeu no seu Pensamento, mas lhes propõe um caminho a trilhar, um tema a desenvolver, uma pauta a seguir. A dissonância fica por conta da criatura, inicialmente da mais grandiosa delas, Morgoth, que, no exercício de sua liberdade, pretende um mundo diferente, fruto exclusivo de sua vontade e submetido ao seu domínio.
Assim, dois personagens se destacam em “O Simarillion” e no “Senhor dos Anéis” como paradigmas do mal e da mentira: Morgoth e Sauron. Não por acaso seus domínios – Utumno ao Norte e Mordor no Leste da Terra Média – são símbolos de desolação e crueldade. A própria raça dos orcs que os serve provém da corrupção dos elfos, os primogênitos de Ilúvatar, como a corroborar o adágio de Orígenes: corruptio optime, pessima (a corrupção dos bons é péssima, pois usam seus talentos para fins maus).
Ao longo das duas obras, ao se desenvolver a saga dos silmarils e dos anéis do poder, as figuras de Morgoth e Sauron têm em comum algumas características, pelo fato de haverem optado por si e não por Ilúvatar: isolamento, domínio pelo terror, destruição e não conseguir impedir a realização dos projetos concebidos por Ilúvatar.
Em suma, a “história” desses dois personagens é a história do mau uso da liberdade, do uso dos talentos sem uma pauta, da construção do mundo sem um projeto, da realização de uma caminhada sem um destino conhecido.
Mas, afinal de contas, o que é a liberdade? Ter uma pauta, uma meta, um projeto não é restringir a liberdade e contrariá-la?
II) Liberdade como Auto-Determinação para o Bem
A idéia que as pessoas geralmente têm de liberdade é a da ausência de condicionamentos. “Liberdade é fazer o que se quer”, dizem muitos. Ser livre seria estar completamente aberto, a todo momento, para escolher o que se quer, o que se apetece, o que se deseja, sem qualquer limitação moral: “Livre para voar!”, apregoa o slogan publicitário. Essa seria a liberdade total.
John Stuart Mill (1806-1873), em sua obra “Sobre a Liberdade”, coloca como traço caracterizador da liberdade, essa possibilidade de eleição: a liberdade está em se poder escolher, qualquer que seja a escolha, pois o valor mais elevado seria a própria liberdade, sendo indiferentes os valores escolhidos. A liberdade seria o direito do indivíduo viver como quiser.
Para outros, o homem não teria liberdade alguma, pois, com a corrupção total da natureza humana depois do pecado, estaríamos inteiramente condicionados pelo mal. É a visão externada por Martinho Lutero (1483-1546), ao escrever seu livro “De Servo Arbitrio”, rebatendo o “De Libero Arbitrio” de Erasmo de Roterdã (1466-1536). Segundo Lutero, a tendência do homem ao pecado é tal, que não tem liberdade para resistir e optar pelo bem.
Aproveitando a lição aristotélica de que “in medio virtus”, verifica-se que, neste caso, a posição correta está no meio termo entre a total ausência de condicionamentos e o determinismo absoluto.
A liberdade é uma das notas definidoras do homem. Como animal racional, o homem é dotado de inteligência e vontade. A liberdade é, justamente, a decorrência necessária da racionalidade humana. Trata-se de traço constitutivo do ser humano.
Pela inteligência, o homem conhece a realidade, formando-se uma idéia (verdade) de todas as coisas e captando o que há de bondade (bem) nas coisas, capazes de atender às suas necessidades e de aperfeiçoá-lo. Pela vontade, o homem quer os bens que intelectualmente captou como bons para si. A liberdade é a auto-determinação da vontade, na busca daquilo que a inteligência aponta como passível de ser apetecido.
Assim, podemos dizer que o homem é um ser intrinsecamente perfectível, ou seja, que busca sua perfeição através de um princípio interno, ou seja, a sua liberdade. É automovido para o bem, através do conhecimento e da vontade.
Na medida em que o homem vai fazendo opção pelos bens que o aperfeiçoam, vai sedimentando virtudes, que facilitam o exercício da liberdade. Já as sucessivas escolhas por bens aparentes, que o degradam, vão forjando vícios, que escravizam o homem, dificultando-lhe, depois, o exercício da liberdade e tornando-o incapaz de aspirar e perseguir bens convenientes à sua natureza.
Ora, há comportamentos objetivamente bons e maus, tendo em vista a existência de bens convenientes, ou não, à perfeição do homem (Ex: tomar droga pode satisfazer momentaneamente o desejo de novas sensações da pessoa, mas destrói o organismo, sendo objetivamente um mal para o homem).
Ainda que a razão aponte para os bens convenientes, depois de os conhecer como tais, os instintos, com seus apetites isolados, apontam para bens particulares que os satisfazem, mas sem atentar, obviamente, para o bem do todo. Daí que a liberdade não seja a liberação total dos instintos, para uma ação totalmente espontânea e “natural”, mas uma adequada gestão dos instintos, de quando dizer que “sim” e que “não” ao que os instintos apetecem. Trata-se da educação da vontade, através das prática da virtudes (cfr. Aristóteles, “Ética a Nicômacos”, que é um verdadeiro tratado sobre as virtudes humanas).
Por outro lado, liberdade como auto-determinação para o bem não é sinônimo de indeterminação. Não significa que o homem não esteja condicionado, mas que pode escolher os seus condicionamentos. Numa sociedade massificada, há, naturalmente, a pressão da padronização: sanduíche do MacDonald’s, calça Jeans, beber Coca-Cola, etc. Poderia se dizer que não há liberdade de escolher, pois os padrões nos vêm impingidos de fora. Isso ocorre, mas pode-se escolher voluntariamente o condicionamento que se terá: “Quero comer um McFish, por que gosto dele!”
A liberdade ou livre-arbítrio, como o próprio nome indica, é a possibilidade de eleição, mas não é abertura perpétua a todas as possibilidades. O homem está sempre condicionado pelas escolhas que fez no passado (escolha da carreira, escolha da mulher, escolha do trabalho, escolha dos hobbies, etc). Não é possível fazer tabula rasa do passado, pois as opções já feitas vão condicionando tanto a cabeça (conhecimentos voltados para um determinado campo do saber, como a Medicina, o Direito ou a Matemática), quanto o próprio corpo (destrezas e habilidades adquiridas: tocar piano, jogar tênis, etc). Somos seres limitados: às limitações físicas, somamos, com o passar do tempo, as limitações intelectuais e morais.
Assim, falar-se em liberdade total como ausência total de barreiras é uma abstração inexistente, como as que se fazem na Física, considerando como zero o coeficiente de atrito num determinado movimento. Dizia Julian Marías (n. 1914) que “toda eleição é, ao mesmo tempo, exclusão”. Ao se escolher algo, se excluem as outras possibilidades.
A liberdade também não se pode definir como a possibilidade de escolher entre o bem e o mal. Se fosse assim, Deus não seria livre, quando é, na realidade, a Suma Liberdade. A liberdade é, portanto, a busca do bem, sem ser fisicamente compelidos a tanto. É a liberdade interior. Até um preso torturado, ao qual se compele fisicamente a reconhecer sua culpa ou a revelar um segredo, tem, no entanto, no recôndito mais íntimo de sua alma, a liberdade de não admitir o que se lhe impinge: não se consegue impor fisicamente qualquer convicção ou credo.
III) Liberdade e Determinismos
A liberdade é, pois, a possibilidade de eleição e de opção pelo bem que nos completa e aperfeiçoa, sabendo distinguí-lo daquilo que nos é nocivo, ainda que aparentemente possa satisfazer algum dos nossos instintos. A liberdade, portanto, não está no simples fato de escolher, pois se assim fosse não haveria que se falar em valores bons ou maus, pois todos seriam equivalentes. Há que escolher, mas escolher bem!
Na esteira da S. Escritura, que descreve o fato da queda original (o mesmo fazendo Tolkien no “Silmarillion”, com a descrição da queda dos Valar), o homem teve debilitada a sua natureza, mas não inteiramente corrompida. Sente mais fortemente o atrativo dos bens particulares, que satisfazem isoladamente os instintos, mas que deixam de atender ao bem integral da pessoa humana. Daí que a liberdade seja o discernimento sobre o que aperfeiçoa integralmente o homem (de acordo com sua natureza racional) e a eleição desse bem.
Quanto mais o homem, em cada momento, escolhe o bem conveniente à natureza humana, mais livre ele se torna, em relação aos condicionamentos instintivos que o escravizam.
Para se compreender melhor a liberdade como constitutivo do ser humano, nada melhor do que a comparação como o comportamento animal, pautado pelo total condicionamento dos instintos.
O animal está limitado ao conhecimento sensível, pelo qual capta a realidade que lhe é exterior. Formando imagens em sua cabeça, dirige-se aqueles objetos para os quais seus instintos apontam como bens que o satisfazem.
O comportamento animal é, portanto, absolutamente instintivo e determinista, uma vez que não tem liberdade de seguir, ou não, os instintos. É conhecida a “Estória do sapo e do escorpião”:
– Amigo sapo, podes me atravessar o rio?
– Claro que não, pois levarei uma ferroada no caminho!
– O amigo sapo acha que eu seria louco de o ferroar! Eu morreria afogado se o fizesse!
O sapo concorda então em levar o escorpião, mas este, no meio do rio, dá uma ferroada no sapo.
– Você não prometeu que não iria me ferroar, senão afundaríamos juntos?
– Sim, mas não pude me conter…é da minha natureza ferroar!
O comportamento animal é explicado pelo esquema estímulo-resposta, em que, a cada espécie de estímulo, corresponde uma resposta determinada.
Essa espécie de esquema dos reflexos condicionados é aquele proposto pelos behavioristas também para o comportamento humano, reduzindo o homem a um animal mais evoluído. A diferença do homem e do animal seria de grau e não de natureza: inteligência mais evoluída!
São expoentes desse determinismo ambientalista os psicólogos Ivan Pavlov (1849-1936) e Burrus Skinner (n.1904), que colocavam a conduta humana como condicionada pelo ambiente. O conjunto dos elementos biológicos, genéticos, afetivos, educacionais e culturais que o homem leva consigo condicionariam o seu agir. Se é certo que cada um é filho do seu tempo, pois o homem é um ser histórico, por outro, esses condicionamentos não determinam inteiramente o agir humano.
Na seara do Direito Penal, postura similar foi adotada por César Lombroso (1836-1909), médico e criminalista italiano, que considerava que determinados homens já nasciam predispostos para o crime: seriam os criminosos natos, cuja propensão para o crime seria hereditária, podendo-se verificar esse fator pela sua conformação craniana. Sua obra “L’Uomo Criminale” está toda composta de desenhos, em bico de pena, de rostos de criminosos, por cujos traços se perceberia as feições próprias de um criminoso.
Outra espécie de determinismo, que nega praticamente a liberdade humana é o determinismo psicológico de Sigmund Freud (1856-1939), que reduz o comportamento humano à função sexual: o homem teria o seu agir consciente (ego) pautado pela consciência moral (superego), que estaria continuamente reprimindo o seu inconsciente instintivo, ligado à libído ou impulso sexual (id). Para Freud, pai da psicanálise, o “libertar-se” significa “assumir” como conduta o instintivo inconsciente do id, libertando-se da repressão do superego. Ataca, portanto, a educação, por inculcar valores, quando é justamente a educação o estandarte da liberdade, ao liberar do pior dos males, que é a ignorância.
Carl Jung (1875-1961), ao desenvolver sua tipologia psicológica, com seus 4 pares de funções (introversão-extroversão E-I, intuição-sensação N-S, racionalidade-sensibilidade T-F e critério-percepção J-P), mostra os condicionamentos temperamentais do ser humano, reduzindo as motivações das ações humanas à busca do “aplauso dos homens” (glória), do “tilintar das moedas”(poder) e do “perfume das mulheres” (sexo).
Thomas Mann (1875-1955), romancista alemão, tem uma visão pessimista da natureza humana, cujos defeitos temperamentais persistiriam ao longo de toda a vida, como se nota em sua obra “Os Buddenbrook”, que narram a decadência de uma família da burguesia alemã do século XIX.
Podemos finalmente mencionar o determinismo econômico, que condiciona todo o agir humano às motivações econômicas. A expressão maior dessa postura é Karl Marx (1818-1883), que, com seu materialismo histórico e dialético reduzia o homem a um mero fator de produção. Assim, a infra-estrutura econômica condicionaria a superestrutura social, política, jurídica, moral, religiosa, artística e científica de uma sociedade.
Todos esses reducionismos partem de uma concepção do homem como um animal apenas mais evoluído, sujeito aos mesmos condicionamentos dos demais animais e, por isso, privado da liberdade como apanágio maior do seu agir.
Nem tudo o que se pode fazer, sob o prisma da possibilidade física, se deve fazer, sob o prisma da conduta moral. Se as normas morais apontam para o comportamento propriamente humano, tudo o que suponha sua desobservância constitui uma degradação do homem, que deve ser repelida.
IV) Liberdade Política, Social e Econômica
Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia de 1973, em seu livro “Livre para Escolher”, traça um paralelismo entre a liberdade política e a liberdade econômica, ressaltando que o ano de 1776 foi um marco histórico para ambas, pois nesse mesmo ano em que se deu a Independência Americana, símbolo da luta pela liberdade política, foi publicada a obra “A Riqueza das Nações” de Adam Smith (1723-1790), paradigma do liberalismo econômico. Ambas andam juntas e se complementam mutuamente.
A liberdade política tem sua defesa maior no movimento constitucionalista do século XVIII, que buscou assegurar, através da garantia de direitos frente ao Estado, materializados numa Constituição, as liberdades públicas, especialmente:
- Liberdade de locomoção – garantia de que não haja prisão sem julgamento, de acordo com o devido processo legal;
- Liberdade de opinião e de expressão – garantia de liberdade de imprensa e de manifestação das próprias idéias;
- Liberdade de associação – garantia da formação e filiação de entidades grupais, para fins lícitos;
- Liberdade religiosa – garantia de se poder professar qualquer credo e praticá-lo exteriormente.
Nesse campo, como nos demais, nenhuma liberdade é absoluta. A própria concepção da vida em sociedade, tal como vislumbrada pelos contratualistas dos séculos XVII e XVIII, Thomas Hobbes (1588-1679) e Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), via no pacto social a limitação das liberdades individuais com vistas a tornar possível a vida social: “a liberdade de cada um termina onde começa a do outro”.
Esse princípio de não fazer dano aos demais é reduzir muito a noção de liberdade: posso tudo, desde que não prejudique aos demais. Ora, se o bem comum da sociedade é a consecução do bem individual de cada um de seus integrantes, temos que o fato de que um indivíduo não progrida objetivamente torna mais pobre a sociedade.
Assim, liberdade não significa independência total, isto é, não depender de nada nem de ninguém. A vida em sociedade é, necessariamente, marcada pela mútua dependência.
Se, por um lado, a concepção de fundo dessas teorias contratualistas peca por esquecer que o homem é um ser social por natureza, por outro, não deixa de atentar para o fato de que a vida em sociedade supõe, efetivamente, limitações na liberdade de cada um. Daí a necessidade de se reconhecer, nas constituições dos diferentes países do globo, as liberdades políticas e suas limitações. A rigor, a matéria própria de uma constituição é, unicamente, a organização do Estado e a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
A função do Estado é promover o bem comum. O bem comum é a soma dos bens individuais de cada um dos integrantes da sociedade. Cada indivíduo tem o seu projeto de vida, cuja meta, sob as mais variadas formas, é sempre a busca da felicidade.
O projeto vital de cada indivíduo é o conjunto de suas decisões, preferências e postergações, que vai formando a sua biografia pessoal: como foi usada a liberdade individual em cada momento da vida. Viver é ter capacidade de forjar projetos. E os projetos devem apontar para uma meta, pois do contrário a liberdade não teria sentido. Leonardo Polo (n. 1926) diz que “a liberdade se mede por aquilo para o qual a empregamos”. Seu discípulo Ricardo Yepes Stork (f. 1996) concluía que “a realização de um projeto vital próprio, livremente decidido e realizado, é o que dá autenticidade e sentido à própria vida”.
Ora, a liberdade social, intrinsecamente unida à política e econômica, consiste em que o projeto de vida de cada indivíduo (seus ideais) possa ser alcançado. Para isso, três condições são necessárias:
- que sejam possíveis, ou seja, que as condições econômicas da sociedade tornem possível a consecução dessas metas (Ex: de nada adianta ter liberdade de educação, se não há universidades);
- que sejam permitidos, ou seja, que sua busca seja assegurada legalmente pelo Estado (Ex: não se proibir o ensino religioso nas escolas); e
- que sejam incentivados, ou seja, que não haja coação da mídia ou certa sanção difusa do meio, em relação a determinados ideais bons em si mesmos (Ex: pressão social contra as famílias numerosas).
Assim, a liberdade social pode ser entendida em primeiro lugar como libertação da miséria, pois quem não tem as condições econômicas mínimas, não tem sequer como exercer a liberdade em suas demais esferas: “primum vivere, deinde philosophare”.
Na mesma esteira, a liberdade econômica, esgrimida diante dos arreganhos de um regime comunista, que chama para si toda a iniciativa econômica, abolindo a propriedade privada e intentando planejar centralizadamente toda a economia, também não pode ser absoluta, como num regime capitalista selvagem, gerador da exploração indiscriminada do trabalhador durante a revolução industrial.
Se, por um lado, o Estado não deve ser o agente econômico direto, por outro, a economia não funciona perfeitamente quando deixada inteiramente à sua sorte. Isto porque a tendência à formação de monopólios e oligopólios, mediante práticas de dumping ou cartel, exige uma intervenção do Estado, para garantir a livre concorrência em bases realistas. Assim, o livre mercado, como instrumento de consecução dos objetivos econômicos gerais da sociedade e particulares de cada um de seus membros, supõe um regramento estatal mínimo, coibindo as práticas abusivas.
O laissez faire, laissez passez dos inícios do liberalismo econômico está hoje superado por uma visão neoliberal, que admite a intervenção do Estado, através do modelo das agências reguladoras da atividade econômica nos seus distintos campos, de forma a garantir o atendimento às necessidades básicas da sociedade e impedir a formação de monopólios, que comprometem o regime da livre concorrência. No campo laboral, essa mesma visão dá prevalência ao negociado sobre o legislado, estimulando a negociação coletiva entre sindicatos e empresas, por se verificar que os agentes sociais podem, muito melhor, estabelecer as condições e normas de trabalho, do que o Estado, de forma interventiva. Com isso se dá guarida ao princípio da subsidiariedade, pelo qual o Estado deve estimular e dar todas as condições para que os indivíduos e grupos sociais desenvolvam suas potencialidades, somente intervindo para suprir as deficiências.
A liberdade é o motor da história, da economia, da política, da ciência e da sociedade. A iniciativa privada é a maior riqueza de uma sociedade. Só através dela a criatividade humana é estimulada e os desafios do meio são superados com respostas criativas.
Assim, o Estado deve, com a liberdade política, social e econômica, dar aos indivíduos as oportunidades para que possam por em prática seus projetos, ideais e capacidades.
V) Liberdade Artística e Científica
Já no campo artístico, o que se percebe é a colocação da Arte acima do bem e do mal: o desejo de reproduzir não só na pintura, mas especialmente no teatro e no cinema, tudo o que o homem é capaz de fazer, quer seja nobre, quer seja abjeto, constitui a nota dominante no ambiente artístico.
A liberdade criativa do homem no campo artístico esbarra nos limites éticos do que seja bom mostrar ou representar. Impressiona ver a perda dos parâmetros éticos quando se trata de avaliar uma obra artística, especialmente no que diz respeito à chamada “sétima arte”. Tudo é válido: as maiores aberrações sexuais e o abuso das cenas de sexo explícito no cinema é a nota dominante nessa seara. Com isso se degrada fundamentalmente a mulher, que passa a ser vista como objeto e não como pessoa. Coloca-se, então, a questão jurídica da possibilidade ou conveniência da censura prévia ou da definição de horários para programas de TV, visando fundamentalmente a proteção da criança e do adolescente.
Problema ainda mais grave se enfrenta no campo da pesquisa científica, especialmente no que diz respeito à geração humana. O avanço tecnológico faz com que o homem vá descobrindo todas as potencialidades da natureza, mas, em relação ao próprio ser humano ainda resta muito a decifrar. Daí que fique tentado a fazer todas as experiências, para testar os limites físicos do que é possível fazer. Assim, as experiências com embriões humanos, combinando-os de todas as formas possíveis, até com animais, mostram até que ponto pode chegar a ausência de consciência moral.
O que se vê é o total desprezo pela vida humana, pois as experiências conduzem à perda de milhões de embriões humanos que são, na verdade, seres humanos com todos os direitos decorrentes da concepção.
Tanto no campo artístico quanto no científico se tem esquecido de que a liberdade criativa e de pesquisa tem seus limites éticos, além dos quais se parte para uma sociedade desumanizada.
VI) Liberdade e Responsabilidade
Costuma-se associar, como no binômio direitos-deveres, a liberdade à responsabilidade, como sua contrapartida necessária. A responsabilidade é o outro lado da moeda que tem por face a liberdade. A responsabilidade é o levar em conta as conseqüências de nossos atos. É o juízo de conseqüência, que não fica no ato em si, mas mede as conseqüências próximas e remotas dos atos e verifica se essas também são queridas quando se pratica o ato. O agir inconseqüente é o agir precipitado, que não atenta para o que pode decorrer de uma ação isolada.
Por isso, ter responsabilidade é saber administrar a própria liberdade. Supõe, obviamente, possuir um horizonte de valores que se reconhece como bom e necessário, que irá pautar o próprio agir. Responsável é a pessoa que age tendo sempre em mira esse horizonte. Seu agir não é desenraizado, mas solidamente fundado naquilo que captou, depois de uma serena reflexão, como o bem que realmente a aperfeiçoa.
A responsabilidade também olha para o passado. Um dos valores nos quais se fundamenta é na virtude da fidelidade, que é o laço com o passado, honrando os compromissos assumidos. A vida humana não é apenas a sensação do momento, a escolha de ocasião, mas a continuidade do projeto de vida que se traçou, e que não se muda ao sabor do vento. Os valores que se descortinaram como verdadeiros num determinado momento devem continuar orientando o agir.
VII) Conclusão – Um Ideal
A liberdade humana não é nem total (ausente de limitações), nem inexistente (determinada completamente pelos condicionamentos genéticos, fisiológicos, educacionais, culturais, econômicos e sociais), mas uma auto-determinação para o bem.
Ser livre não é apenas ter a possibilidade de escolher, mas principalmente saber escolher bem, tendo em vista os valores que realizam efetivamente o homem. O primeiro princípio ético, auto-evidente, é aquele: “faz o bem e evita o mal”, ou seja, “o bem deve ser buscado e o mal evitado”. Para quem colocasse em xeque esse princípio, achando que o mal também pode ser buscado e que não há um bem a ser alcançado, não há diálogo possível.
São justamente os desvirtuamentos na compreensão do que seja a liberdade humana que ensejam os relativismos ou permissivismos morais de um lado (liberdade sem pauta), e os autoritarismos e fundamentalismos políticos e econômicos de outro (pauta sem liberdade), comprometendo o sadio desenvolvimento do homem, tanto na sua vida pessoal, quando como ser social.
Como no “Silmarillion”, o segredo da construção de um mundo fantástico e deslumbrante, da realização de uma vida fecunda e feliz, está em descobrir e implementar a pauta, a meta e o tema que nos são propostos por Aquele que nos colocou na existência, como o Bem a ser buscado, mediante o pleno uso de nossas faculdades, com liberdade e responsabilidade.