Nas últimas semanas estive envolvido com o livro do Syd Field, um dos mais respeitados conhecedores de roteiro cinematográfico de Hollywood. Em seu livro, Roteiro, ele fala sobre o roteirismoe usa alguns filmes como exemplo do que deve ser feitor e o que não deve ser feito. Para minha surpresa O Senhor dos Anéis está lá, a trilogia inteira, na categoria de bons roteiros.
Para começo de conversa o processo de degustar um filme é quase oposto de um livro. No filme nossas emoções são sacudidas com imagens e sons, no livro as palavras são responsáveis por criarem em nossa mente imagens e sons. O impacto das coisas é diferente. Eu posso ler, "o nazgul soltava um grito horripilante, alto e estridente" que é amplamente diferente de realmente ouvirmos o nazgul gritando. Os dois tem o mesmo impacto no leitor ou espectador? Dificilmente. As palavras dependem muito mais do contexto, do clima que o escritor cria, o escritor precisa dar ao leitor o necessário para que em sua mente ele crie o grito ideal. O som real depende dele, uma coisa mais imediata. Agora, os dois podem ser aterrorizantes? Sem dúvida. Porém a diferença começa antes mesmo de chegarmos ao fim, quando o livro ou filme está pronto.
Uma das coisas que se aprende quando se está escrevendo um roteiro é que você não pode escrever nada que não possa ser filmado. E isso é uma diferença brutal para um livro. Em um livro uma boa parte da história pode acontecer apenas na mente de uma personagem. Um roteiro jamais pode ter a seguinte frase: Gandalf estava pensativo, seu pensamento vagava por entre os rostos dos soldados imaginando quando o horror iria terminar. Um roteiro seria assim: Gandalf está olhando para os soldados, sua expressão é de preocupação. É isso. Não tem como filmar que Gandalf pensava quando o horror ia terminar. É um exemplo simples, mas dá para ter uma idéia do trabalho que é adaptar um livro para o cinema. Existem livros mais fáceis, onde a ação é externa. Uma boa parte do Senhor dos Anéis é assim, mas tem muita coisa que acontece na mente das personagens e quando isso acontece o roteirista tem que ter bom senso para lidar com a coisa.
Peter Jackson teve bom senso? Em algumas situações sim, em outras não.
Ao passar a história para o cinema a adaptação no geral foi muito boa. Para um leigo em Tolkien a história ficou completa, com a dose certa de emoção e um ritmo bom. Um filme muito bem feito onde a história funciona.
Mas para nós o que interessa é os detalhes. Faltou bom senso a o PJ quando colocou os elfos no Abismo de Helm, um detalhe que não contribui em nada para a história. A participação da Arwen também é exagerada, o romance entre os dois não emplacou e ficou inacabado. A morte de Saruman é justificável, mas ele poderia ter pensado em um desfecho melhor para o mago
Ele acertou quando deixou Bombadil de fora. Seria complicado explicar para os espectadores o papel do velho Tom e analisando esta passagem ela não faz a história caminhar para frente. Infelizmente o cinema não foi feito para o Bombadil. Assim como acertou ao deixar o Expurgo de fora. Por mais que eu quisesse ver os hobbits lutando para salvar sua terra. Para o filme não funcionaria, os personagens já tinham completado sua jornada, estavam mudados, seu arco dramático estava completo. O Expurgo seria apenas uma repetição. É uma pena, mas do ponto de vista cinematográfico foi uma decisão acertada.
O filme é bom? Excelente.
O trabalho de adaptação também foi muito bem feito. Apesar de algumas falhas o resultado final ficou muito bom. Os filmes funcionam e conseguem prender o espectador.
Melhor que o livro? Não existe uma resposta para esta pergunta.
Livro é livro. Filme é filme.