A Justiça: É possí­vel vivê-la? Podemos acreditar nela?

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Escrito por Ives Gandra

I) INTRODUÇÃO

Josef Pieper (1904-1997), insigne filósofo alemão, Professor da Universidade de Münster, refere-nos, em seu livro sobre as Virtudes Fundamentais, uma curiosa máxima do pensador espartano Cheilon, um dos 7 sábios da Antiga Grécia, segundo a qual haveria 3 coisas especialmente difíceis de se viver: guardar um segredo, suportar a adversidade e usar bem o tempo livre (Virtudes Fundamentais, Aster – 1960 – Lisboa, pg. 104).

A par das razões de ordem teológica, diz-se jocosamente que o principal motivo pelo qual a Igreja Católica não admite a ordenação sacerdotal de mulheres é o de que não aguentariam guardar o segredo da confissão…

Em relação ao tempo livre, quanto maior, mais se desperdiça (se não se adquiriu a virtude da ordem e da laboriosidade). No entanto, o mais difícil mesmo parece ser suportar as adversidades, especialmente as injustiças.

Com efeito, o sentimento que mais aflige o homem, antes mesmo de atingir plenamente a idade da razão, é o da injustiça sofrida. A criança se rebela e grita quando se sente injustiçada, quando acredita que tem um direito e este direito não lhe é respeitado.

Não é por menos que Ulpiano definisse o Direito como “a ciência do justo e do injusto” (Digesto I, 1), uma vez que a justiça só é bem captada quando desrespeitada. A criança que toma sem pedir o brinquedo de outra como se fosse o mais natural, acaba compreendendo que não o deve fazer sem pedir, quando a outra criança pega o dela e ela se revolta pela intromissão indevida em seu patrimônio. Percebe, então, que não deve fazer aos outros o que não quer que façam consigo.

Mas então, no que consiste a justiça?

II) O QUE É A JUSTIÇA?

Já os antigos definiam a justiça, unissonamente, como o hábito ou virtude de dar a cada um o que é seu  – suum cuique tribuere (cfr. Homero, Odisséia, 14, 84; Platão, A República, 331; Aristóteles, Retórica, 1, 9; Cícero, De Finibus, 5, 23; S. Agostinho, A Cidade de Deus, 19, 21; S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 58, art. 1), constando tal definição no Direito Romano como abertura do Codex Juris Civilis (I, 1) do Imperador Justiniano. A justiça estaria, pois, em distinguir o próprio do alheio.

Sócrates ia mais além, ao dizer que era preferível sofrer do que cometer uma injustiça, uma vez que a injustiça conspurcaria o interior do próprio homem que a comete (cfr. Platão, Górgias, 469 e 508).

Já  Aristóteles trata da virtude da justiça no Livro V do Ética a Nicômaco (utilizamos a tradução de Edson Bini, EDIPRO – 2002 – São Paulo, pgs. 135-162), que pode ser assim sintetizado em seus 11 tópicos (espero que o leitor não se deixe vencer pela possível aridez da análise aristotélica, pois será recompensado pela descoberta do que seja a justiça em sua concepção mais original: vamos lá, são só 11 itens…):

1) A justiça é a virtude daqueles que praticam atos justos e se conhece o que seja justo pelas injustiças sofridas. O homem justo é aquele que obedece a lei (a qual estabelece regras de justiça e, em princípio, busca promover o bem comum e a felicidade de todos) e que é equitativo (ou seja, que não toma mais do que lhe é devido). Seria a principal e soma de todas as virtudes (a mais perfeita delas, pois tem em vista sempre o bem alheio).

2) A palavra justiça tem um sentido geral, de soma das virtudes, e um sentido específico, de virtude ligada à posse de bens materiais e imateriais. Nesse sentido, se divide em justiça geral (dikaiosune), de distribuição desses bens entre os cidadãos, e em justiça particular (dikaion), voluntária (surgida dos pactos entre os indivíduos) e involuntária (surgida das lesões aos indivíduos).

3) A justiça supõe uma relação de proporção entre 4 termos: 2 indivíduos e 2 porções. As relações entre indivíduo e porção dizem respeito à justiça distributiva (porção devida ao mérito de cada um). As relações entre indivíduos e as porções que se devem mutuamente dizem respeito à justiça comutativa (igualdade de porções). O iníquo (desigual) é o que fica com mais do que lhe é devido.

4) A justiça entre os iguais também é chamada de corretiva, por buscar restabelecer a igualdade das porções, quando há lesão de uma das partes. Nesse caso, as pessoas recorrem ao juiz: o juiz ideal é a personificação da justiça, como mediador entre as partes, de modo a restabelecer a igualdade. Daí que os termos juiz (dikastes) e justiça (dikaiosune ou dikaion) derivem de metade (dika), pois caberá ao juiz estabelecer a metade que cabe a cada um.

5) A justiça não é simples reciprocidade de obrigações (do contrário imperaria a Lei do Talião), mas supõe uma proporcionalidade decorrente da dignidade da pessoa e do valor do bem, este medido por um padrão convencional que é o dinheiro (nomisma – moeda), dando comensurabilidade a todas as coisas. Assim, cometer injustiça é dispor de excesso e sofrer injustiça é padecer insuficiência. O injusto é o que reserva mais para si ou que distribuiu desproporcionalmente os bens entre os demais.

6) Pode-se praticar atos injustos sem se ser substancialmente injusto: o ladrão e o adúltero ocasionais, que sucumbiram à paixão. Ao governante se cobra a justiça política, de garantir a cada um o que é seu e de não tomar para si mais do que lhe é devido pelo cargo, sob pena de se tornar tirano.

7) A justiça política se divide em justiça natural, invariável no tempo e no espaço, e justiça convencional, contingente de acordo com o que se estabelecer em cada sociedade.

8) Para ser justa ou injusta uma ação, ela deve ser voluntária. Se o agente pratica uma ação injusta por ignorância (desconhecimento) ou coação (involuntariamente), a ação só é injusta incidentalmente. Há, portanto, 3 formas de ofensa à justiça: o infortúnio (erro involuntário), o erro culpável (não desejava aquele resultado, mas só o ato) e o ato de injustiça (que pode ser passional ou deliberado, sendo este último o mais propriamente injusto).

9) É possível sofrer injustiça voluntariamente, quando se aceita de bom grado a deficiência na prestação e deliberadamente não se cobra aquilo a que se tem direito. No entanto, se a partilha é feita pelo que recebe menos, não está sendo injusto, mas generoso. Já o juiz que profere uma sentença não equitativa por ignorância não é injusto, ainda que a sentença objetivamente o seja. Isto porque, ao contrário do que pensam os homens, não é nada fácil ser justo: saber como uma ação deve ser executada, como uma distribuição deve ser feita de maneira a serem uma ação justa e uma distribuição justa é mais difícil do que saber qual tratamento médico devolverá a saúde a um enfermo (por aí se vê a árdua tarefa do juiz).

10) Acima e melhor que a justiça se apresenta a equidaide (epiekéia), que retifica a justiça legal, flexibilizando a letra fria da lei, tendo em conta as particularidades do caso concreto, já que a lei toma em consideração a maioria dos casos, devendo ser adaptada às exceções à regra e lacunas legais.

11) Como não é possível cometer injustiça contra si mesmo (adultério com a própria esposa ou furto de seus próprios bens), já que a justiça é relação com os demais, o suicida cometeria injustiça contra o Estado, privando-o de sua colaboração, razão pela qual não mereceria as cerimônias religiosas de sepultamento. Se não se pode cometer injustiça contra si mesmo, cometer injustiça contra os demais é o pior mal contra si mesmo, pelo vício extremo que representa.

Pedindo novamente venia pela inserção do resumo, mas ainda aproveitando a teoria das causas de Aristóteles, que procura explicar a realidade através das suas 4 causas, teríamos, para a justiça, as seguintes causas:

a) causa material: Qual a matéria ou o objeto da justiça? É o direito, o “suum jus” de cada um;

b) causa formal: No que consiste a justiça? No dar a cada um o que é seu, o “tribuere”;

c) causa eficiente: Quem promove a justiça? Prévia e abstratamente, é o legislador, mas concreta e posteriormente à sua violação, é o juiz (por isso, o principal ato da virtude da justiça é a restituição);

d) causa final: Qual a finalidade da justiça? É a pacificação social.

Como se pode verificar, a justiça não é o primeiro que surge na relação entre as pessoas, mas o direito, já que a justiça consiste em dar a cada um o seu direito. Assim o expressa S. Tomás de Aquino: ”Se o ato de justiça consiste em dar a cada um o que é seu, é porque o ato de justiça é precedido daquele ato pelo qual uma coisa se torna pertença de alguém” (Summa Contra Gentiles, 2, 28). Assim, a pergunta prévia à justiça é esta: O que faz com que uma coisa pertença a alguém? Quais são as fontes geradoras do direito?

III) O QUE É O DIREITO E DE ONDE NASCE?

S. Tomás de Aquino afirma que ”o direito é o objeto da justiça” (Suma Teológica, II-II, q. 57, art. 1). Ter direito a alguma coisa supõe uma relação com a coisa e uma relação com os outros que faz com que essa coisa pertença a alguém e que os outros tenham o dever de dar-lha ou respeitar-lhe o direito.

Josef Pieper, ao tratar da virtude da justiça, fala que uma coisa pertence a alguém em dois sentidos: ”ser próprio de” e ”ser devido a” (Virtudes Fundamentais, op.cit., pg. 74). Aí se delineiam as duas fontes básicas da geração de direitos para uma pessoa:

a) a natureza (physis), que faz ser próprio da pessoa humana, pelo simples fato de existir, o direito à vida, à liberdade e à igualdade;

b) as convenções (nomos), que fazem ser devido ao ser humano aquilo que se lhe prometeu por força de um pacto, como o salário, uma propriedade ou um bem qualquer.

Os enciclopedistas francesesRosseau, Montesquieu, Voltaire – faziam finca-pé nesta última vertente da fundamentação da Ordem Jurídica, falando de um estado pré-social do homem, superado pelo contrato social gerador de direitos e limitador de liberdades. Esse iluminismo que decantava o Século das Luzes, em contraste com a Idade das Trevas, via no bom selvagem das Américas o paradigma do homem em estado de natureza, bom e puro. Quanto irrealismo (basta ver o canibalismo em relação aos vencidos dos indígenas sul-americanos) e quanta ingenuidade (a Liberté, Egalité, Fraternité carentes de fundamentação metafísica levaram ao Regime do Terror e às execuções em massa pela guilhotina)!

E que realismo da visão aristotélica do homem como animal social por natureza, que já nasce no seio de uma família, submetido a uma autoridade paterna e vivendo uma fraternidade natural com os irmãos! Quanta sabedoria ao se perceber a distinção entre direitos naturais e convencionais do homem!

Lembrando da Revolução Francesa, palco de tantas injustiças e vilanias em nome da liberdade e da igualdade, tem-se exemplo paradigmático de tentativa de recomposição da balança de encargos e recompensas na sociedade que apenas passou de uns para outros os privilégios e benesses do Poder.

Com efeito, durante a Idade Média, a distribuição de encargos e privilégios na sociedade mantinha razoável equilíbrio: a nobreza guerreira, por cuidar da defesa, e o clero, por cuidar do culto, educação e assistência, estavam dispensados da atividade produtiva, própria do povo.

A Idade Moderna, com a constituição dos exércitos profissionais e a acomodação da nobreza em seus privilégios já injustificáveis, termina com a derrocada do absolutismo monárquico, sendo emblemática dessa época a figura de Maria Antonieta (1755-1793), tão bem retratada em suas misérias iniciais e grandezas finais por Stefan Zweig (1881-1942) em sua obra homônima (Livraria Civilização Editora – 1980 – Porto).

Inteligente mas dispersiva, Maria Antonieta não aprofundava nas coisas, pois o esforço intelectual e o trabalho a repugnavam (dizia-se que nunca abrira um livro). Ao assumir o trono francês pelo casamento com Luís XVI, tinha como única preocupação na vida a de se divertir, esperando que todos a servissem nesse ideal: ”Tenho medo de me aborrecer”.

Sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa, da Áustria, conhecedora da fraqueza da filha, escreveu-lhe conselhos e pediu que os relesse todos os dias 21 de cada mês. Foi-lhe escrevendo várias cartas, apontando todas as suas frivolidades e prevendo as consequências funestas.

Ao ser recebida em Paris, o patrimônio de confiança e admiração popular que recebeu foi bem retratado no galanteio que lhe dirigiu o Marechal de Brissac: ‘Madame, ainda que doa ao Delfim, estão aqui 200.000 homens apaixonados por Vossa Alteza’.

No entanto, Maria Antonieta dilapidou rapidamente esse patrimônio tornando-se perdulária, endividando o Tesouro com gastos de vestidos, jóias e penteados, além dos jogos de azar: havia aceito todos os direitos do trono, sem querer saber de nenhum de seus deveres.

Tendo se retirado para o Trianon (em Versalhes), onde não se submete a qualquer norma de etiqueta e bom costume (além dos gastos de embelezamento dessa casa de campo), seu isolamento egoísta acaba por torná-la impopular quer na Corte, quer entre o povo.

A gota d’água se dá com o caso do colar, que lhe compraram por 1,5 milhão de libras, o qual vira processo no Parlamento, com a condenação moral de Maria Antonieta, já que o povo passava fome pelas más colheitas.

Tornado público o caso do colar e o resultado do julgamento, com o valor das jóias, o povo se revolta com o caráter perdulário da rainha, que chama Necker, ministro demitido por Luís XVI, para reassumir a pasta do Tesouro, de modo a salvar a França da crise econômica devida aos gastos da nobreza e às péssimas colheitas: porém, a mudança de postura da rainha se dá tarde demais para corrigir seus erros.

Necker decide adotar solução radical para salvar a bancarrota francesa: convocar os Estados Gerais (maio de 1789), duplicando a representação popular, em cuja abertura Maria Antonieta é recebida com a maior frieza.

O Terceiro Estado, percebendo que a Nobreza só quer autorização para aumentar os impostos, decide não se deixar dissolver até votar uma Constituição.

Os acontecimentos se precipitam, tão bem por nós conhecidos: queda da Bastilha, tentativa frustrada de fuga da família real, deposição do rei.

Finalmente, Maria Antonieta é acusada formalmente pela Convenção e separada do resto da família, ficando na ‘Conciergerie’ durante o processo (lugar destinado aos condenados à morte), já nada mais lhe importando. Durante os interrogatórios do processo responde com uma prudência, serenidade e altivez que mostram como, na adversidade se foi forjando o caráter que nunca teve.

Após se confessar, foi guilhotinada, recebendo pena maior do que os pecados que cometeu, servindo, no entanto, de exemplo do que pode acarretar – a Revolução Francesa – um acentuado desequilíbrio da balança da justiça distributiva.

IV) O QUE É O DIREITO NATURAL?

A primeira, pois, das fontes do Direito é a natureza humana, que faz com que todo ser humano, pelo simples fato de existir (e isso desde a sua concepção), tenha o direito a que os demais lhe respeitem a vida e os decorrentes direitos humanos fundamentais, que compõem aquilo que tradicionalmente se convencionou chamar de Direito Natural.

É interessante notar que, em relação aos direitos humanos fundamentais, fala-se de declaração, e não constituição, como são exemplos a Declaração de Independência Americana (1776), na qual se diz que “os homens são criados iguais e são dotados por seu Criador de direitos inalienáveis, entre os quais se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793), formulada na Revolução Francesa, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), formulada pela ONU.

Assim, o primeiro e mais radical fundamento do direito é a Lei Natural, que impõe o reconhecimento, por parte das legislações positivas nacionais, da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade de seus direitos fundamentais. O desrespeito a esses direitos é marcante nos Estados totalitários (sejam regimes de direita, como o nazista, sejam de esquerda, como o comunista), que tratam o ser humano como mero momento do desenvolvimento do ser social, que é o Estado, este sim com existência real.

Nesse sentido, é paradigmático o diálogo entre Winston e O’Brien, seu torturador, que aparece no 1984 (Companhia Editora Nacional – 1984 – São Paulo; publicado originalmente em 1948) de George Orwell (1903-1950). Winston pergunta a O’Brien, pensando na imagem do Big Brother que aparece por toda parte:

– Existe o Grande Irmão?

– Naturalmente existe. O Partido existe. O Grande Irmão é a corporificação do Partido.

– Mas existe da mesma maneira que eu existo?

– Tu não existes (pg. 240).

Quando a vida, primeiro e principal dos direitos humanos fundamentais, é relativizada, como ocorreu na recente decisão de nossa Suprema Corte (diga-se de passagem, por um voto de diferença) autorizando a utilização de seres humanos em fase de desenvolvimento embrionário para pesquisas científicas, começou-se a trilhar o caminho que leva ao totalitarismo despersonalizante e esmagador do indivíduo, tão bem retratado no romance de Orwell.

V) QUAIS OS ÂMBITOS DA JUSTIÇA?

A justiça, diferentemente da prudência, fortaleza ou temperança, diz respeito fundamentalmente aos atos externos do homem, àquilo que se relaciona aos demais: a Deus e aos homens. Por isso que são partes da virtude da justiça a religião (deveres para com Deus) e a piedade (deveres para com os pais), pelas quais tentamos, de alguma forma, retribuir-lhes o que deles recebemos, sabendo que nunca o conseguiremos adequadamente.

A virtude da justiça diz respeito, por outro lado, não apenas aos bens materiais, mas também imateriais: a honra e a imagem. Por isso são lesões à justiça a calúnia (atribuir falta que o outro não cometeu), a difamação (revelar falta alheia sem justo motivo), a murmuração (falar mal dos outros) e até a derisio (ridicularizar o outro até deixá-lo envergonhado).

A justiça supõe sempre uma relação com outro, que pode ser estritamente jurídica (pagar o preço do carro comprado) ou meramente moral (cumprimentar um colega quando se encontra com ele).

VI) O HOMEM JUSTO

Pieper lembra que, na Sagrada Escritura, fala-se da justiça e do justo mais de 800 vezes, e que os termos equivalem a bom e a santo (cfr. Virtudes Fundamentais, pgs. 96-97). Com efeito, se a justiça é a mais alta das virtudes, que mostra o perfil ético de que a possui, e se caracteriza pelo cumprimento de todos os deveres para com os demais, temos que, além dos deveres profissionais, familiares e sociais, o homem, como criatura, tem os seus deveres religiosos, de obediência e culto ao Criador. Daí que justo seja sinônimo de santo, nas Sagradas Escrituras, como aquele que cumpre todos os seus deveres para com Deus e os homens. Um cumprimento não fastidioso, mas amoroso, de quem deseja retribuir a Deus, aos pais e à sociedade as atenções e afetos de que é objeto.

Há uma tentação, nesse campo, que é a de querer estar sempre quites com todos, de não dever nada a ninguém. Ora, a justiça é uma virtude e uma situação que está sempre em construção: em tudo o que fazemos nos tornamos ou credores ou devedores de ações alheias. O importante não é estar sempre com a balança equilibrada, mas em buscar recolocá-la na posição isonômica enquanto vivermos. Daí o cultivo de uma virtude conexa à justiça, de fundamental importância para o convívio social, que é a virtude da gratidão: dizemos obrigado por um favor que não conseguiremos retribuir.

Os antigos não tinham o conceito de direitos humanos fundamentais, pois focavam a justiça sob o prisma dos deveres a cumprir em relação aos demais. Talvez uma das razões pelas quais os direitos fundamentais sejam tão desrespeitados na sociedade moderna seja esteja no fato de que ela se  transformou em reivindicatória e esqueceu de ser cumpridora de suas obrigações.

O problema é de enfoque: o homem justo, que gera a sociedade justa, é aquele que, ao invés de só reivindicar direitos, pensa nos deveres que tem a cumprir; e ao invés de encarar negativamente os deveres como uma carga, vê neles virtudes a adquirir (cfr. nosso artigo A Ética das Virtudes x a Ética dos Deveres – Um Modo de Olhar para o Código de Ética da Magistratura Nacional, Revista LTr, Volume 73, nº 7, pgs. 811-817).

VII) A JUSTIÇA E O PRINCÍPIO DA INTEGRIDADE

Conforme já registramos acima, Aristóteles dizia que “o juiz ideal é a personificação da justiça” (Ética a Nicômaco, Livro V, n. 4). Para ditar sentenças justas deve buscar ser integralmente justo. Por isso os modernos Códigos de Ética da Magistratura erigem o princípio da integridade como um de seus principais pilares.

O Código de Ética da Magistratura Nacional, editado em 2008 pelo CNJ, contempla o princípio em seu capítulo V, no qual se inserem, entre outros, os seguintes dispositivos:

“Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”.

Nosso Código seguiu a linha do Código Iberoamericano de Ética Judicial (2006), que dedica a esse princípio seu Capítulo VIII, albergando 3 dispositivos de considerável densidade:

“Art. 53. La integridad de la conducta del juez fuera del ámbito estricto de la actividad jurisdiccional contribuye a una fundada confianza de los ciudadanos en la judicatura.

Art. 54. El juez íntegro no debe comportarse de una manera que um observador razonable considere gravemente atentatória contra los valores y sentimientos predominantes em la sociedad em la que presta su función.

Art. 55. El juez debe ser consciente de que el ejercicio de la función jurisdiccional supone exigências que no rigen para el resto de los ciudadanos”.

Este último artigo (como o art. 16 do CEMN) é muito sugestivo. Com efeito, o que se espera de um médico é que cure seus pacientes. Sua matéria-prima é a saúde. Se é ético ou não, só secundariamente importa (como, por exemplo, se começa a revelar a terceiros, sem autorização, as moléstias de que sofre seu paciente). De um engenheiro se espera que calcule bem as estruturas dos prédios que constrói. Sua matéria-prima é a matemática (que não vá, no entanto, reduzir ao limite de risco uma estrutura, para embolsar o valor dos materiais poupados na construção).

Já de um juiz se espera que distribua justiça, o que faz da justiça sua matéria-prima. Assim, se não é justo na vida privada, que garantia teremos de que o será na vida pública? Que confiança terá um litigante num juiz que, quando despe a toga, trai a mulher com a secretária, não registra a carteira de trabalho da empregada, dá calote num amigo e descuida da educação dos filhos, que reclamam de sua ausência de casa?

O mesmo se pode dizer de um advogado, que, em palavras de Piero Calamandrei, “é o primeiro juiz da causa” (Eles, os juízes, vistos por um advogado, Martins Fontes – 2000 – São Paulo),  verificando a justiça do pleito de quem o contrata, para saber se irá abraçar essa causa. Do contrário, se percebe a injustiça do pleito e, mesmo assim, o patrocina, estará sucumbindo à tentação do dinheiro, deixando-se corromper por ele.

O advogado íntegro tem sempre o respeito e a admiração dos juízes, que olham a causa que patrocina com maior atenção, sabendo que não sustentaria uma tese contrária ao direito e à justiça.

Exemplo literário de até que ponto pode chegar um advogado na defesa justa dos interesses de seu cliente encontra-se no romance de juventude de meu pai, só recentemente publicado, intitulado “Um Advogado em Brasília” (MP – 2009 – São Paulo).  Ambientado no começo dos anos 60, pouco antes da Revolução que colocou os militares no Poder, retrata o que havia de corrupção no próprio Poder Judiciário e as relações espúrias com o Poder Executivo. Aventuras, romances, grandezas e misérias de juízes e advogados, políticos e policiais, empresários e sindicalistas, sacerdotes e prostitutas, são os ingredientes que tornam o livro uma obra de atrativa leitura e ponderada reflexão sobre a pergunta: É possível acreditar na Justiça?

VIII) O ESTADO JUSTO

Dizia Tales que, quando num povo não há alguém demasiado rico nem alguém demasiado pobre, então se poderia dizer que aí reina a Justiça. Para Bias, a justiça impera num Estado quando os cidadãos temem as leis tanto quanto temem os tiranos (cfr. Pieper, op.cit. 103-104).

Para S. Tomás de Aquino, reina a justiça numa comunidade quando há ordem nas 3 relações básicas entre governantes e governados (cfr. Summa Teológica, II-II, questão 61):

a) justiça comutativa – relação dos indivíduos entre si (ordo partium partes);

b) justiça distributiva – relação do todo social com os indivíduos (ordo totius ad partes);

c) justiça legal (ordo partium ad totum) – relação dos indivíduos com o todo social.

Propriamente falando, só há justiça entre os iguais, pois é a um outro que se deve alguma coisa concreta e que é passível de mensuração. As demais formas o são por analogia, isto é, guardam semelhanças e dissemelhanças com o que seria a estrita justiça.

Com efeito, quando assinamos um contrato ou fazemos um juramento, sabemos perfeitamente a que estamos nos obrigando: pagar R$50.000,00 pelo carro que compramos; se casamos, ser fiéis na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida, até que a morte nos  separe; se nos tornamos juízes, cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis da República.

Nesses casos, impera o fundamento básico da justiça convencional, que é a regra antiga que vem dos romanos: pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos).

Não somos obrigados a comprar um carro, casar ou virar juiz. Mas se o fizermos, temos a obrigação de pagar integralmente o preço do bem adquirido, ser fiéis ao cônjuge (e não traí-lo ou trocar por outro) e distribuir justiça de forma imparcial (sem benefício pessoal).

Já a justiça distributiva e legal carece de parâmetros precisos de fixação do suum cuique tribuere: Qual o nível total de tributos que se pode impor aos cidadãos, frente aos serviços públicos que se lhes promete? Qual  o ponto de equilíbrio de distribuição dos frutos da produção entre capital e trabalho? Como garantir a renda mínima a todos os cidadãos sem cair num paternalismo que acomoda os beneficiários?

Nesse sentido, a Justiça Social é aquela que tende a harmonizar o convívio social, a pacificar os conflitos que surgem na sociedade, dando cumprimento à máxima bíblica, estampada na bandeira do Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal da Justiça Social: Opus iustitiae pax (A obra da justiça é a paz – Isaías, 32, 17).

Obra da Justiça Social é promover a justa distribuição de renda na sociedade, de modo a que a abundância de uns não se dê pela carência de outros. No campo da justiça distributiva, os indivíduos são os credores e o todo social, representado pelo governante, o devedor. Daí a extrema responsabilidade de quem governa e a necessidade de uma especial formação para o fazer sem cometer injustiças, privilegiando uns em detrimento de outros, pois o que caracteriza a justiça distributiva é a partilha segundo o mérito de cada um e não segundo a proximidade do poder.

Chama a atenção, muitas vezes, que aqueles que se dizem e pregam um socialismo de resultados (igualitarismo independente do mérito), com redistribuição de rendas e propriedades, não vivem, na vida pessoal, o desprendimento que apregoam, lembrando a máxima estabelecida pelos porcos na Revolução dos Bichos (Editora Globo – 1993 – São Paulo, pg. 93, publicado originariamente em 1945) de George Orwell: todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros…

Em suma, a justiça distributiva não tem em vista tanto a proporcionalidade dos bens quanto a condição pessoal de cada um, para dar-lhe o que é devido segundo seu mérito (participação efetiva no esforço coletivo), sem deixar de atender à sua necessidade (ponderação do que precisa para sobreviver, se não teve condições reais de contribuir para o bem comum).

Ives Gandra Martins (pai), em sua Uma Breve Teoria do Poder (RT – 2009 – São Paulo), apresenta visão pessimista do homem no Poder, analisando historicamente regimes e governos e mostrando como é generalizada a tendência dos detentores do poder, de se servirem da sociedade e não de estarem a serviço desta. E, no entanto, S. Tomás de Aquino dizia que “realizar a justiça é a finalidade do poder” (Comentário à Epístola aos Efésios, 6, 3, apud Pieper, op. cit., pg. 124), completando ser mais fácil a tirania nascer numa democracia do que numa monarquia, uma vez que o monarca não tem partido, ao passo que o governante eleito tem de promover o bem comum, mas foi colocado no poder por um partido que visa preservar primariamente seus interesses partidários (cfr. Do Regime do Príncipe, 1, 6, apud Pieper, op.cit., pgs. 129-130).

Quão distantes nos encontramos do modelo ideal e quão pouco se pode fazer para remediar a injustiça distributiva, já que o Estado (e o governante que o rege) detém o monopólio da força e, quando injusto em suas leis e comandos, deixa ao cidadão apenas o caminho da desobediência civil, de discutível eficácia e difícil exercício.

IX) CARÁTER ESCATOLÓGICO DA JUSTIÇA

No Sermão da Montanha, Jesus Cristo coloca como uma das bem-aventuranças que configuram o perfil ético de uma pessoa a que trata da virtude da justiça: Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5, 6). E conclui a enumeração desses motivos de alegria e felicidade para a pessoa, com uma espécie de resumo das bem-aventuranças: Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! (Mt 5, 10).

Duas idéias podemos tirar dessa passagem bíblica e mensagem central do Evangelho:

a) nesta vida, o homem justo será perseguido e injustiçado, a ponto de descrer da Justiça humana, que premia os maus e espertos e constrange e vilipendia os bons e sinceros, o que faz reconhecer a existência de uma outra vida, onde os justos serão premiados e os injustos castigados. A essa conclusão chegava racionalmente Jean-Jacques Rousseau (cfr. “A Profissão de Fé do Vigário de Sabóia”) e à constatação que a embasa chegava poeticamente Luis de Camões:

Os bons vi sempre passar

no mundo graves tormentos,

e, para mais me espantar,

os maus vi sempre nadar

em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

o bem tão mal ordenado,

fui mau. Mas fui castigado.

Assim que só para mim

anda o mundo concertado (Rimas).

b) os que tiverem a ambição de ser justos, esses não deixarão de sê-lo por falta de meios, mas apenas de empenho, pois, como dizia S. Josemaría Escrivá: Paradoxo: é mais acessível ser santo do que sábio, mas é mais fácil ser sábio do que santo (Caminho, n. 282).

Por outro lado, como a justiça diz respeito aos atos exteriores, temos que um homem pode ser justo e ter a intenção de praticar atos justos e, no entanto, ser objetivamente injusto numa ação concreta, se deixa de dar ao outro o que lhe devia. O juiz pode ser justo e cometer erros ao decidir, proferindo sentenças injustas, se dá o objeto do litígio a quem não é devido. Como pode ser isso?

O problema da justiça está em que não basta a intenção de ser justo. É fundamental como postura, mas não é suficiente. É preciso perquirir bem o que é devido a quem.

No filme Ausência de Malícia (1981) de Sydney Pollack, com Paul Newman e Sally Field, esta faz o papel de uma jornalista que, sem maldade, mas com muita leviandade, destróia a vida de um empresário, pelas notícias que publica, sem maior aprofundamento sobre o que realmente aconteceu: foi sumamente injusta, lesando a honra e boa fama de que gozava o empresário, sem sem malícia

A virtude da justiça está, pois, no hábito de buscar efetivamente saber o que cabe a cada um e dá-lo ”com alegria e sem hesitação” (S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 197, art. 4).

Exemplos contrapostos de homens justo e injusto na saga de O Senhor dos Anéis (Martins Fontes – 2002 – São Paulo) de J.R.R.Tolkien são respectivamente Aragorn e Denethor. O primeiro, como descendente de Elendil e legítimo herdeiro do trono do Reino de Gondor, reivindica aquilo que em direito lhe é devido, praticando ações heróicas durante a longa Guerra dos Anéis do Poder. Já Denethor, como Mordomo do Palácio e descendente dos Regentes do Reino até o retorno do Rei, recusa-se a reconhecer sua posição subordinada e pratica ações vis ao longo de toda essa guerra.

Exemplo emblemático de epiquéia (equidade que matiza a justiça) é, no Senhor dos Anéis, a história de Beregorn. Quando Denethor, na sua loucura, leva o filho Faramir, doente e à beira da morte, para serem queimados juntos nas Tumbas dos Reis e Regentes de Gondor, Beregorn, soldado da Terceira Companhia da Guarda de Minas Tirith, luta para salvar Faramir e acaba matando alguns dos guardas das Tumbas. Com a chegada de Gandalf e Pippin, conseguem retirar Faramir da Pira, enquanto Denethor ateia fogo e se joga nela. Terminada a Guerra dos Anéis, Faramir, como Regente de Gondor e já recuperado de sua enfermidade, recebe Aragorn e lhe entrega o Reino. Este é coroado por Gandalf e nomeia Faramir Príncipe de Ithilien, absolvendo Beregond das mortes que havia provocado nas Tumbas dos Reis e Regentes. No entanto, como a lei exigia a degredo pelas mortes, Aragorn nomeia Beregorn como Capitão da Guarda de Faramir, a quem deverá acompanhar para Emyn Arnen. Assim, a absolvição não se fez sem punição, mas adequando a pena às circunstâncias do crime (dosagem da pena), que não foi doloso mas culposo, na busca de se salvar a vida do futuro príncipe de Ithilien.

A estória de Denethor, de orgulho insano e apego ao Poder, ambientada num mundo de espadas e cavaleiros, faz lembrar o Salmo 2, recitado na Idade Média pelos cavaleiros templários, misto de monges e guerreiros, antes de entrarem em batalha, e que fala da insensatez das nações ao rejeitarem a Deus:

Por que se amotinam as nações? Por que tramam os povos vãs conspirações? Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo. Quebremos seu jugo, disseram eles, e sacudamos para longe de nós as suas cadeias! Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo. Dirigindo-se a eles em cólera, ele os aterra com o seu furor: Sou eu, diz, quem me sagrei um rei em Sião, minha montanha santa. Vou publicar o decreto do Senhor. Disse-me o Senhor: Tu és meu filho, eu hoje te gerei. Pede-me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo. Tu as governarás com cetro de ferro, tu as pulverizarás como um vaso de argila. Agora, ó reis, compreendei isto; instruí-vos, ó juízes da terra. Servi ao Senhor com respeito e exultai em sua presença; prestai-lhe homenagem com tremor, para que não se irrite e não pereçais quando, em breve, se acender sua cólera. Felizes, entretanto, todos os que nele confiam (Salmo 2, 1-11).

Talvez a raiz das injustiças, felonias, violências, opressões e desmandos no mundo, de homens contra homens e do homem contra a Natureza, esteja na revolta do homem contra Deus: ao não reconhecer sua dependência para com o Criador e a ordem por este estabelecida no mundo, provoca uma reação em cadeia de desordens e injustiças, que violenta a Natureza e destrói a fraternidade humana, conduzindo a um mundo de insegurança, medo e violência.

Não serão aos virtudes da justiça (relação entre os iguais), da piedade (relação com os pais, as autoridades e a pátria) e da religião (relação com Deus) o meio e o caminho para se construir uma sociedade mais fraterna e solidária, um mundo habitável e aprazível?

Na Summa contra Gentiles, S. Tomás de Aquino lembra da insuficiência da justiça, se não integrada com as outras virtudes, para harmonizar a vida social e pacificar seus conflitos: ”Querer conservar o mundo na paz e na concórdia através do imperativo da justiça é insuficiente, se o amor não lançar entre os homens as suas raízes” (3, 130).

X) CONCLUSÃO

Concluímos, pois, dizendo que em todos os atos de virtude a justiça está de permeio:

a) na, por se acreditar nos fundamentos da justiça comutativa e distributiva, buscando vivenciá-las na relação com os demais;

b) na esperança, por se acreditar na possibilidade de se construir uma sociedade justa e solidária, trabalhando para isso;

c) na caridade, por se viver a hierarquia no amor, querendo em primeiro lugar a Deus, depois aos familiares, depois aos amigos, aos colegas, até chegar a todas as almas, inclusive aos inimigos (aprendi de meu pai, advogado a mais de 50 anos, que não se deve ter inimigos, mas, eventualmente, adversários, sabendo divergir das idéias sem deixar de querer as pessoas);

d) na prudência, por se procurar decidir, em cada momento, qual o dever a cumprir, e procurar fazê-lo;

e) na fortaleza, quando se vence o medo ou a preguiça no cumprimento do dever;

f) na temperança, quando se vence a tentação de ficar no mais aprazível, deixando de cumprir o dever que nos insta em cada momento;

g) na humildade, já que modera a auto-estima e o amor à própria excelência, reconhecendo o mérito, o valor e a contribuição alheia ao bem comum;

h) na castidade, quando se respeita a pessoa em sua integridade, corpo e alma, e se é fiel aos compromissos assumidos no matrimônio;

i) na laboriosidade, quando se trabalha cumprindo as exigências quantitativas e qualitativas da tarefa confiada;

j) na paciência, quando se resiste à tentação de abandonar a tarefa que devemos cumprir; etc.

A justiça, portanto, sintetiza e congrega todas as virtudes, sendo o resumo e a marca distintiva do homem bom, ideal de excelência a ser buscado por cada um de nós.

Sendo este o último artigo do ano de 2009 e pensando nos propósitos de  melhora para o ano de 2010 no campo das virtudes, encho-me de coragem e de desvergonha para revelar quais serão os meus (esperando que o leitor amigo também pense nos seus):

1) Falar pouco (discrição);

2) Ouvir muito (paciência);

3) Comer pouco (temperança);

4) Ponderar muito (prudência);

5) Não pensar mal (justiça);

6) Só falar bem (caridade);

7) Trabalhar muito (laboriosidade);

8) Não cacarejar nada (humildade);

9) Confiar muito (fé e esperança);

10) Cantar a beleza da vida mais ainda (alegria).

IVES GANDRA MARTINS FILHO

Ministro do TST e Conselheiro do CNJ

P.S. Aproveito o final de ano para agradecer as observações e críticas, comentários e incentivos que Bella Cullen, Kaledfwich, Aluado, Zorba, Eldacar, Gildson,  Anwel, Elfah, Fharallwad, Fluoxetina, Arwen Undomiel Evenstar, Meowth, Wild Rikky, Sir Mordrain, O-Fausto, Mandos, Dostoievski, Mina Murray, Ccgimli, Daniela, Ikarus, Melian Vairë, Aldamar, Sidney Ávila, Parthadan, Fëanor, Veänis, Aistano, Neoghoster Akira, Sindar Princess, Aellue, Fringway, JPHanke, Arabael, Falcão Branco, Mrs Gilmour, Ashir, Augustomorgan, Alcarcáno, Gra, Servo de Eru, Vilya, Elenedhel Voronwien, Skywalker, Rodrigo, Lyvio, Lord Treville, Erion Storm Eyes, Ben Kenobi, Pandatur, Gallahad, Herr Löffel, Marcus Lopes de Jesus, Ettelen, Grahan, Hiswen, Tonso, Silmenel, Pedro Freire e nosso Administrador Dilbert fizeram aos artigos que publiquei nesta coluna durante estes 15 meses de sua existência. Com este, termino a série sobre as virtudes cardeais. Para sugestões de novas linhas temáticas e contato direto, passo a disponibilizar o e-mail [email protected], de modo a poder também, dentro das possibilidades de tempo, responder a eventuais questionamentos sobre as matérias tratadas nos artigos. Só coloco uma condição para responder: conhecer a identidade real de cada um, tal como conhecem a minha. A todos, conhecidos e desconhecidos, os melhores votos de um Santo Natal e de um Novo Ano de Alegria com Paz!

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Rafael

Que artigo profundo,bem elaborado e bastante didático.

Eu fico contente em saber que existem pessoas no judiciário que usam esses principios como base do exercimento da suas profissões.

Edson DeLima

Por isso gosto da Valinor: aqui não tem “Zé Ninguém”!!! =P

Edson DeLima

Por isso gosto da Valinor: aqui não tem “Zé Ninguém”!!! =P

Fábio Bettega

Eu acredito sinceramente que os textos do Ives Gandra são criados fora do momento de trabalho do mesmo, em seus momentos livres e de lazer. É absolutamente impossível, e pouco saudável, alguém trabalhar “24 horas por dia” mesmo sendo juiz, médico.

Ninguém confiaria totalmente num médico que estivesse trabalhando há 4 dias sem parar – e o mesmo vale para os juizes 🙂

Hammed Ibn da SIlva Gomes

Inacreditável que um juiz fique perdendo tempo com esse tipo de coisa ao invés de trabalhar. Não há justiça no Brasil.

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