Comentário geralzão:
Noites Brancas, de Fiódor Dostoiévski, é um conto de estrutura quinária em que o conflito da trama envolve o amor de uma das duas personagens por uma terceira que mal e mal aparece na história. Diferente da narrativa romântica piegas ocidental - bem exemplificada no modo como o público americano "precisava" de um beijo entre Elizabeth e Darcy no final de Orgulho e Preconceito, de Joe Wright -, tudo que se passa na história é basicamente dialógico. Ao mesmo tempo, a narração é um estudo introspectivo que por vezes soa como algo religioso - afinal, o próprio narrador diz que ver Nastenka o tirou do torpor - relacione isso com Dante e Beatriz. O "triângulo" amoroso ocorre na diferença entre o amor ideal e o amor concreto - quando chega a quarta noite, o ideal de ambos cai por terra. O amor é vislumbrado no conto como um momento extático/místico que lança a personagem ao terceiro céu - quem leu a Bíblia conhece a referência. Curiosamente, sinto na história, apesar do tom, algo semelhante com Notas do Subsolo - apesar da visão crítica e cínica e indecisa do narrador deste conto, a necessidade de conseguir se exprimir, de botar para fora tudo que se passa na alma, mesmo que seja hermético, é algo comum a ambos. Nenhum dos dois se permite uma simplificação de tipos, mas antes procuram ser os mais exclusivos possíveis, os mais conscientes de sua condição - e ao mesmo tempo ressentem que isso não seja captado pelos demais. (Pessoalmente falando, não me foi difícil identificar com ambos.) Mesmo que na forma de uma história romântica, Dostô se mantém focado no "estranho", no alheio - pensem bem: outro "estranho", o Lobo da Estepe de Hesse, passa por uma individuação que o redefine por meio do "resgate" de uma mulher; para a personagem de "Noites", esse "resgate" não existe; e em "Notas", esse "resgate" é vislumbrado, mas não concretizado. Assim, o único resgate possível para uma personagem assim seria transcender o concreto e o ideal - é insistir na busca da felicidade que não foi possível obter por alguém que não lhe abriu os braços. Conhecendo o religioso Fiódor, imagino quem ele tenha em mente para fazer o resgate derradeiro desses "estranhos" torturados. Mas talvez haja algo positivo aí: se o ideal do amor no conto trouxe uma felicidade assim à personagem, mesmo que por pouco tempo, é de se pensar no que ela não alcançaria encontrando o amor maior que tudo - Dante e Beatriz novamente.