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A Narrativa de A. Gordon Pym (Edgar Allan Poe)

  • Criador do tópico Criador do tópico Tataran
  • Data de Criação Data de Criação

Tataran

Usuário
Tentando relembrar minhas leituras do ano para o Censo Literário, recordei-me de que logo no começo de janeiro li A Narrativa de A. Gordon Pym de Edgar Allan Poe:

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Este é um livro que me impressionou bastante e que tenho dificuldade em classificá-lo em algum gênero literário. Isso é tanto mais verdade, quando parece haver duas histórias em uma mesma obra.

Até um certo ponto, a história pode ser tida como de horror ou suspense. E que cenas Poe consegue narrar! É uma pena que não dá para colocar nenhuma aqui, para não estragar a experiência de quem ainda não leu.

Após esse momento, contudo, a história se desvia para um tipo de ficção científica ou fantasia, com um final que, certamente, não parece de um livro do Séc. XIX.

Enfim, recomendo altamente, além do que gostaria de ouvir a opinião de quem também já leu o livro.
 
Estou lendo agora e me segurando para não acabar logo.

Realmente as descrições são tão ricas que dá para imaginar que o Poe foi marinheiro (mas é fácil imaginar que ele devia ouvir muitas histórias em Boston). Por exemplo as descrições sobre os tipos de velas, sobre a Tartaruga das Gallipagos (haha), sobre as Ilhas Kerguelen e Tristão da Cunha, parecem tratados científicos; e essas digressões são sempre colocadas quando a história está mais interessante. Quanto às partes sobrenaturais, acho que ainda prefiro a parte do porão do navio e o primeiro capítulo do que a parte da fome.

Dá também para ver algumas concepções engraçadas do século XIX do tipo esfregar flanelas banhadas em óleo quente para ressuscitar alguém que quase se afogou ou bater as pernas até fazer espuma para espantar tubarões (haha, pessoal do século XIX não sabia muito sobre tubarões).
 
Última edição:
Acho que dá para dizer sim que o livro tem duas partes, uma mais realista e outra mais sobrenatural ou fictícia. A precisão das descrições (na verdade, para os padrões de hoje em dia não mais tão precisas) na primeira parte mostra isso.

Mas ao mesmo tempo, Tataran, eu achei que a história pode ser incluída numa tradição que pega também Robinson Crusoe e A Ilha do Tesouro, por exemplo, ou seja, de narrativas de aventura puramente. Embora, no caso de Poe, com toques sobrenaturais.

Daí o motim, os naufrágios, os "selvagens" de Tsalal menos civilizados que quaisquer outros selvagens...
 
[align=justify]Acho que o livro pode ser classificado como de aventuras, realmente, embora mais na segunda "parte" do que na primeira.

Aliás, para mim, o livro poderia perfeitamente ter acabado
no exato instante em que A. Gordon Pym e seu companheiro são resgatados depois de toda a fome e penúria que sofrem.


Em um primeiro momento, achei que Poe ter continuado a história depois desse ponto foi um pouco frustrante; mas, depois, terminei por gostar também de todos os elementos fantásticos que ele inseriu nessa continuação da saga de Gordon Pym.

E o que achou do final? Para mim, não pareceu nada com um final de um livro do Séc. XIX. [/align]
 
Verdade, acho que não se parece com nada da época, parece mais com algo de ficção científica anos 50. Ou então com Lovecraft...

Acho que toda a coisa do Polo Sul vem do fato de ser o único continente inexplorado ainda na época. Aliás, não sabiam nem mesmo se tinha um continente ali, ou o que tinha. Então acho que seria algo como uma "última fronteira" inexplorada, onde o desconhecido e o sobrenatural ainda seriam possíveis.

Tsalal tem algumas características de Éden (antes de se transformar no inferno): a água miraculosa, por exemplo; a bondade dos selvagens... É uma nova América.
O que me veio à cabeça imediatamente foram os Titãs da mitologia grega e o gigante Adamastor, mas a Wikipédia em inglês dá a interpretação de que Poe poderia se referir à Teoria da Terra Oca sobre a qual tinha lido. Também acho que isso pode corresponder ao "maravilhoso" porque os Europeus esperavam encontrar povos pigmeus, gigantes, monstros marinhos... com as explorações, mais ou menos como nas Viagens de Gulliver.
 
Última edição:
[size=large]Atenção: SPOILER no texto[/size]


obnóxio disse:
mas a Wikipédia em inglês dá a interpretação de que Poe poderia se referir à Teoria da Terra Oca sobre a qual tinha lido.

Estava lendo este link da wikipedia que você forneceu, e fiquei estupefato com a teoria de que Gordon Pym poderia ter morrido, ao recontar a história, no exato momento em que ele deveria ter morrido na história:

Pym may die in the retelling of the story at precisely the same point he should have died during the actual adventure.

Essa teoria interpretativa pode estar totalmente equivocada, mas que é fascinante na sua ousadia, isso é. :sim:
 
Terminei de ler esse livro hoje e, apesar de ter considerado algumas parte extremamente chatas (as descrições de navios, de antigos navegantes e as localizações) digo que gostei sim, e bastante, da história.

Alguns momentos são bem pertubadores, até mesmo assustadores.
Fiquei realmente impressionada com a parte do navio cheio de cadáveres, navegando sem rumo; e a parte em que os quatro sobreviventes decidem que um deles deve morrer em benefício dos outros três.
Fico imaginando como as pessoas da época reagiam à essas histórias do Poe.

Mas o que achei mais bacana mesmo foi descobrir a influência que essa história (e a obra do Poe em geral) teve sobre H.P. Lovecraft.
E não falo somente das referências à essa história que Lovecraft faz em "Nas Montanhas da Loucura" (Tekeli-li! Tekeli-li! :lol: ) mas de quase tudo da "segunda parte" (como o Tataran chamou os acontecimentos a partir do resgate dos dois náufragos, Pym e Peters) até o final, muito parecido com os desfechos que Lovecraft costuma dar a suas obras.

Estava lendo este link da wikipedia que você forneceu, e fiquei estupefato com a teoria de que Gordon Pym poderia ter morrido, ao recontar a história, no exato momento em que ele deveria ter morrido na história: (...) Essa teoria interpretativa pode estar totalmente equivocada, mas que é fascinante na sua ousadia, isso é. :sim:

Pena que o Tataran não participa mais do fórum, porque eu queria que ele me explicasse essa interpretação, que eu não entendi. :timido:.
Alguém aqui leu (o livro e a wikipedia) e sabe explicar isso?
 
Preciso ler esse livro de novo. Não lembrava desse spoiler da Clara. A imagem que mais ficou na minha mente de quando eu li foi o final, algo meio ficção científica.
 
Preciso ler esse livro de novo. Não lembrava desse spoiler da Clara. A imagem que mais ficou na minha mente de quando eu li foi o final, algo meio ficção científica.

É, tem mesmo algo de FC, Wilson.
Dá até pra achar um clima meio "Lost" na parte da ilha (coisas e seres estranhos, meio que fora do tempo e do espaço, enfim).

Mas eu achei mesmo boa as partes em que o Poe é o Poe, sabe?
Narrando os acontecimentos com aqueles detalhes, como só ele sabe fazer: a escuridão, o desconhecido, a fome e a sede, o limite entre a razão e a insanidade (em si mesmo e nos outros) o pavor (de enlouquecer, de matar alguém, de ser enterrado vivo).
Todas aquelas coisas que fazem a gente achar o Edgar um cara batuta, embora (ou por isso mesmo) meio pirado. :hahano:

E que nos faz relevar coisas como as cansativas descrições náuticas (de que falei no outro post) e umas coisas meio furadas como
aquele monte de gente que morre (principalmente o amigo dele e o pai do amigo) ficou por isso mesmo? Que fim levou o cachorro do Pym? E porque não entrevistaram o Peters pra saber o que realmente aconteceu? Porque a narrativa ficou só a do Arthur G. Pym?

É isso.
Mas o livro vale um releitura sim.
E com certeza farei isso daqui a um tempo. :sim:
 
Estou com esse livro aqui para ler, comprei na semana passada.

Alguém pode me dizer qual é a relação entre ele e o Moby Dick? Já ouvi várias pessoas associando uma obra e outra, mas não conheço as razões dessa associação.
 
não, é sério. acho que o principal é isso mesmo. no caso de pym o poe tentou dar um tom realístico - que o melville tb faz com moby dick e aquele porrilhão de informação sobre termos náuticos. e todas aquelas firulinhas de vida em alto mar, que no final das contas se resumem na informação que já tinha dito antes: o espaço principal é o mar. mas ó, na wiki tem isso aqui:

Scholars, including Patrick F. Quinn and John J. McAleer, have noted parallels between Herman Melville's Moby-Dick and The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket and other Poe works. Quinn noted that there were enough similarities that Melville must have studied Poe's novel and, if not, it would be "one of the most extraordinary accidents in literature".[85] McAleer noted that Poe's short story "The Fall of the House of Usher" inspired "Ahab's flawed character" in Moby-Dick.[86] Scholar Jack Scherting also noted similarities between Moby-Dick and Poe's "MS. Found in a Bottle".[87]
 
Também acho que o paralelo é esse mesmo: o ambiente principal é o mar, onde tudo gira em torno quase que exclusivamente dele. Lembrando que podem existir alguns outros paralelos com a Odisseia também, é claro, visto que se trata de uma narrativa marítima; mas, nesse caso em especial, do Gordon Pym, com alguns paralelos talvez um pouco mais fortes com o episódio dos Lestrígones.

Agora se fossemos procurar outros paralelos, encontraríamos alguns detalhes esparsos, como o fato do Arthur entrar no navio pelo porão e de forma escondida, provavelmente como a tripulação que o Ahab se manteve por algum tempo. E eu creio que o próprio porão tenha alguma lembrança com os porões baleeiros do Moby Dick... Ou seja, outros paralelos entre as obras na certa escatologia, ou nas posições de massacre: se no Moby Dick o Ishmael é o massacrador; no Gordon Pym o narrador, o personagem principal é o massacrado.
 

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