A pedra fiel
Era uma vez um drûg chamado Aghan, famoso como curandeiro. Tinha grande amizade com Barach, um homem da floresta pertencente ao Povo, que vivia em uma casa no bosque a duas milhas ou mais da aldeia mais próxima. Como as moradias da família de Aghan ficavam mais perto, ele passava a maior parte do seu tempo com Barach e sua esposa, e as crianças gostavam muito dele. Veio uma época de dificuldades, pois alguns orcs atrevidos haviam em segredo penetrado na floresta nas redondezas e se haviam dispersado em grupos de dois ou três, emboscando todos os que saíam sozinhos e atacando à noite casas afastadas dos vizinhos. A família de Barach não temia muito, pois Aghan passava a noite com eles e vigiava do lado de fora. Mas certa manhã Aghan veio ter com Barach e disse: — Amigo, tenho más novas da minha família e lamento precisar deixá-lo por algum tempo. Meu irmão foi ferido. Agora jaz em grande sofrimento e chama por mim, pois sou habilidoso no tratamento de feridas infligidas pelos orcs. Voltarei assim que puder. — Barach ficou muito preocupado, e sua esposa e filhos choraram, mas Aghan disse: — Farei o que puder. Mandei trazer para cá uma pedra de vigia, que foi colocada perto de sua casa. — Barach saiu com Aghan e observou a pedra de vigia. Era grande e pesada, e estava debaixo de alguns arbustos, não longe das suas portas. Aghan apoiou a mão nela, e após um instante de silêncio disse: — Veja, deixei nela alguns dos meus poderes. Que ela o proteja do mal! Nada desfavorável aconteceu por duas noites, mas na terceira noite Barach ouviu o estridente chamado de alerta dos drûgs — ou sonhou que o ouvira, pois ninguém mais despertou com ele. Saindo da cama, pegou o arco suspenso à parede e foi até uma janela estreita. Dali viu dois orcs encostando à casa material combustível, e preparando-se para lhe atear fogo. Então Barach tremeu de medo, pois os orcs saqueadores levavam consigo enxofre ou outra substância diabólica que se inflamava depressa e não podia ser apagada com água. Recuperando-se, armou o arco, mas naquele momento, bem quando as chamas começavam a saltar, viu um drûg chegar correndo por trás dos orcs. O drûg abateu um deles com um soco, e o outro fugiu. Então lançou-se descalço no fogo, espalhando o combustível que ardia e pisoteando as chamas de orc que corriam pelo chão. Barach apressou- se a abrir as portas, mas, quando havia tirado a trava e saltado para fora, o drûg desapa- recera. Não havia vestígio do orc derrubado. O fogo morrera, e restavam apenas fumaça e mau cheiro. Barach voltou para dentro para consolar a família, que fora despertada pelo barulho e pelo cheiro do incêndio; mas à luz do dia saiu de novo e olhou em volta. Descobriu que a pedra de vigia desaparecera, mas manteve o fato em segredo. — Hoje à noite eu terei de ser o vigia — pensou; porém mais tarde naquele dia Aghan retornou, e foi recebido com alegria. Calçava borzeguins altos, que os drûgs às vezes usavam em terrenos bravios, entre espinhos ou rochedos, e estava exausto. Mas sorria e parecia contente; e disse: — Trago boas novas. Meu irmão não sente mais dor e não morrerá, pois cheguei a tempo de neutralizar o veneno. E agora ouvi dizer que os saqueadores foram mortos, ou que fugiram. Como têm passado? — Ainda estamos vivos — disse Barach. — Mas venha comigo, e vou mostrar-lhe e contar-lhe mais. — Então levou Aghan ao lugar do fogo, e lhe falou do ataque noturno. – A pedra de vigia sumiu — obra dos orcs. eu acho. O que você tem a dizer sobre isso? — Falarei quando tiver observado e pensado por mais tempo — disse Aghan; e então andou para cá e para lá esquadrinhando o chão, seguido por Barach. Por fim. Aghan levou-o até uma moita à beira da clareira onde ficava a casa. Lá estava a pedra de vigia, sentada sobre um orc morto; mas suas pernas estavam todas enegrecidas e rachadas, e um dos pés se partira e estava jogado solto a seu lado. Aghan pareceu aflito; mas disse: — Ora, bem! Ele fez o que podia. E é melhor que as pernas dele pisoteiem o fogo dos orcs que as minhas. Então sentou-se e desamarrou os borzeguins, e Barach viu que por baixo deles havia ataduras em suas pernas. Aghan soltou-as. — Já estão sarando — disse. – Mantive vigília junto a meu irmão por duas noites, e na noite passada dormi. Acordei antes que raiasse a manhã, sentindo dor, e descobri que minhas pernas estavam cheias de bolhas. Então adivinhei o que ocorrera. Ai de mim! Quando se transmite algum poder para algum objeto que se fez, tem-se de compartilhar seu sofrimento.
Contos Inacabados
Quarta Parte - Capítulo I