Uma dificuldade que é pouco apontada nas discussões a respeito
do parentesco de Orodreth e Gil-galad é que esse 'Orodreth' do texto, filho de Angrod, cujo nome em sindarin acabou modificado, em sua forma final, para Arothir, aparenta não ser o elfo que guardou Minas Tirith, na ilha de Tol Sirion, durante boa parte da Primeira Era.
O filho de Angrod era Artaresto [Artaher], que era amado por Finrod e escapou quando Angrod foi morto (...) Seu nome Sindarin era Rodreth [Arothir] (alterado para Orodreth devido ao seu amor pelos montanhas) (...).
(nomes em itálico e colchetes são acréscimos meus ao texto, apontando os nomes em sua versão final na concepção de Tolkien)
O texto dá a entender que Arothir estava com Angrod, fazendo parte do povo de Angrod, na ocasião da morte deste. O que faz sentido, afinal se até Aegnor fica com o irmão, por que o filho ficaria tão longe, em Tol Sirion? Parece uma responsabilidade muito grande para um bisneto de Finwë, se pensarmos que mesmo muitos netos de Finwë ficam mais afastados de áreas de fronteira, e outros bisnetos (Celebrimbor, Idril, Maeglin) não se afastam dos membros mais velhos da Casa. Vejo na conciliação da nova concepção de Orodreth com a questão de Minas Tirith uma dificuldade que aparentemente Tolkien acabou não esclarecendo.
Ligada a isso vejo uma segunda dificuldade - o casamento de Orodreth parece demasiado prematuro, e com filhos também prematuros, no decorrer da Era. Basta ver os netos de Finwë: muitos não são sequer casados, e outros são casados mas aparentemente não tem filhos durante toda Era (Maglor, Caranthir, Galadriel). Já Arothir, o bisneto, não só é casado como tem dois filhos (Gil-galad e Finduilas)! Mesmo vivendo na fronteira de um cerco de guerra, e,
como Finrod diz a Andreth...
Este é um tempo de guerra, Andreth, e em tais dias os Elfos não se casam nem concebem criança, mas preparam-se para a morte – ou para a fuga.
Que ainda nessas condições Arothir fique a frente de seus tios e primos-tios no cerco de guerra e na geração de prole, isso seria indicativo de um sujeito de personalidade forte. Mas não é o que vemos em seu reinado em Nargothrond, em que quase é suplantado por Celegorm e Curufin e tem sua liderança ofuscada por Túrin Turambar. Essas falhas foram, aliás, decerto o que motivaram Tolkien a descê-lo em uma geração.
Basicamente essas duas dificuldades (a responsabilidade de Minas Tirith e a prematuridade do casamento e filhos) me fazem pouco gostar dessa solução dada por Tolkien.
Eu acrescentaria um terceiro ponto: o fato de que Gil-galad seria irmão de Finduilas. Se assim fosse, seria esperado que ele tivesse uma participação notável no conto de Túrin, especialmente no episódio envolvendo a captura e morte de Finduilas. É difícil de acreditar que tenha permanecido ausente, sem nenhuma menção importante durante todo o evento. E é difícil pensar em um motivo para ele conseguir chegar às fozes de Sirion, e Finduilas não conseguir (talvez apenas a maldição da casa de Húrin, embora devesse existir um meio efetivo, físico, para a maldição concretizar-se). É claro que, por outro ponto de vista, sabemos que ele não tem participação porque ele como irmão de Finduilas é uma concepção tardia (para não dizer acidental) de Tolkien; porém não deixamos de ter aqui uma dificuldade não trabalhada pelo autor.
Indo para considerações mais conjecturais e pouco canônicas, uma versão "meio-termo" que preservaria ao máximo essa versão final de Tolkien e ainda tentaria resolver essas problemáticas, versão que talvez Christopher Tolkien pudesse ter adotado na edição de O Silmarillion: seria uma versão em que Orodreth fosse o neto mais novo de Finwë, que, maduro em Valinor, casa-se com uma "sindarin do norte" e tem sua única filha no exílio, no decorrer da Primeira Era, guarda Minas Tirith, posteriormente dirige-se a Nargothrond, enfim, de resto tudo conforme O Silmarillion. Gil-galad seria o filho de Angrod e Edhellos (esposa noldorin de Angrod que ficou em Valinor), e, após a morte de Angrod, dirige-se às fozes de Sirion, juntamente com o restante povo de Angrod (do qual Gelmir e Arminas fazem parte e mencionam sua migração às fozes). A presença de Gil-galad lá, aliás, poderia ser o embrião do centro de refugiados noldorin que ali se formaria. A questão do alto-reinado ficaria assim também resolvida.
Restaria a problemática da relação entre Túrin e Orodreth, em que este a princípio não parece tomar uma posição condizente de um alto príncipe dos noldor. Encaro essa questão, porém, como uma versão decaída da relação entre Tuor e Turgon: basta comparar o conjunto ordenado (Tuor, Idril, Turgon, Gondolin) e (Túrin, Finduilas, Orodreth, Nargothrond). Túrin é um Tuor, que ao invés de conduzir o rei da cidade aos conselhos de Ulmo, casar com a elfa e ajudar a fuga dos cidadãos, induz o rei contra Ulmo, não consegue a elfa e contribui para a morte dos cidadãos - mas independente de qualquer coisa ambos vêem um rei apegado ao orgulho de sua cidade e ambos vêem a cidade cair. Mesmo Finduilas seria uma versão mais decaída de Idril - enquanto Idril é uma alta-elfa, nascida na primavera dos eldar, sob a luz das Duas Árvores, Finduilas é uma elfa de Beleriand, nascida do exílio. Porém ambas ocupam posições parecidas dentro da casa de Finwë. Colocá-la (como também Orodreth) abaixo em uma geração quebraria, a meu ver, parte dessas simetrias - este é um quarto motivo para eu não gostar dessa solução de Tolkien sobre o parentesco de Gil-galad.
Por esse ponto de vista Orodreth como sendo conduzido pelos maus conselhos de Túrin não parece tão absurdo, já que Turgon, ainda que com bons conselhos e sendo uma figura bem mais altiva que Orodreth, não se saiu tão diferente. É dessa forma que eu superaria essa dificuldade: no final o que Túrin teria feito foi apenas agir como catalizador, e o resultado final seria mais ou menos o mesmo, mesmo se o próprio Tuor tivesse em Nargothrond - Orodreth não deixaria a cidade e a cidade cairia. O que Túrin fez foi induzir em Nargothrond uma estratégia mais agressiva que acelerou a queda, o que talvez Orodreth não teve tanta dificuldade em aceitar, visto tanto os sucessos anteriores de Túrin, quanto o desejo de revanche em relação a queda de Minas Tirith, de Dorthnoion e da vida de seus irmãos.
Mesmo porque é curioso que, no único diálogo mais bem elaborado do qual participa Orodreth (no diálogo com Gelmir e Arminas em Contos Inacabados), ele já é de início bastante hostil aos conselhos de Ulmo e a própria conjectura de Nargothrond poder cair, antes mesmo da ponte de Nargothrond ser mencionada e Túrin entrar na conversa por ter sua ferida tocada. Totalmente diferente, por exemplo, da postura de Finrod Felagund, que já aceitava a efemeridade de Nargothrond. Juntando tudo isso (que ainda assim é pouco) eu vejo Orodreth como um sujeito prudente, zeloso e apaziguador, no que concerne à convivência entre seus semelhantes, porém cansado das investidas e prejuízos causados por Morgoth, a ponto não aceitar mais uma concessão a ele, e comprar a ideia de Túrin. Eu veria o trio Angrod-Aegnor-Orodreth, aliás, como uma versão mais virtuosa de Celegorm-Curufin-Caranthir - um trio de irmãos parecidos em temperamento em que o mais novo permanece um pouco mais isolado dos demais.