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Barragem da Vale se rompe em Brumadinho, na Grande BH

  • Criador do tópico Criador do tópico Bel
  • Data de Criação Data de Criação
Plano de remoção de lama da Vale prevê ações até julho no rio Paraopeba
Mineradora deve usar maquinário pesado para retirar rejeitos; há dutos da Petrobras na região


Thiago Amâncio
São Paulo

Para conter os estragos do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), a Vale entregou ao Governo de Minas Gerais um plano que prevê a instalação de diques para o escoamento do restante da lama, uso de maquinário pesado e ações pelo menos até julho no rio Paraopeba.

Uma barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale se rompeu em 25 de janeiro, deixando pelo menos 169 mortos, além de 141 desaparecidos.

O documento, ao qual a Folha teve acesso, foi entregue por Gleuza Jesué, gerente executiva de gestão ambiental da mineradora, à Semad (secretaria de meio ambiente de MG), em 8 de fevereiro. O plano tem duas etapas: a retirada da lama no bairro do Córrego do Feijão, a região mais próxima à barragem que foi destruída, e a dragagem e contenção da lama no rio Paraopeba.

No documento recebido pelo governo mineiro, a mineradora prevê um cronograma de ações no rio Paraopeba pelo menos até 5 de julho, “com previsão de extensão do prazo em razão da necessidade.” À Folha, a mineradora preferiu não dar um prazo. Disse que “as ações a serem realizadas e o cronograma de trabalho estão em processo de definição.”

Segundo o plano da Vale, a mancha da lama é perceptível por uma extensão de 36 quilômetros ao longo do rio. Depois, diz a empresa, “presume-se que apenas a fração de rejeitos ultrafinos permaneçam na calha do rio, formando uma pluma que avance conforme a velocidade do Paraopeba, prejudicando a qualidade da água e consequentemente seus usuários, fauna e flora.”

Em boletim desta terça-feira (19), o Serviço Geológico do Brasil, do governo federal, diz que a mancha da lama, na verdade, vai pelo rio até 147 quilômetros de distância do rompimento da barragem.

A Vale diz que vai remover galhos e materiais grosseiros, como areia e pedras, com uma escavadeira anfíbia, que serão estocados temporariamente em área de preservação permanente do rio Paraopeba e depois enviados à fazenda Iracema, de propriedade da Vale, que fica na região do Córrego do Feijão.

O rejeito de minério de ferro que for dragado do rio será confinado em tubos na fazenda Iracema, propriedade da empresa na região. Questionada sobre se o rejeito poderia contaminar o solo da região, a mineradora respondeu que o armazenamento é seguro, porque “se trata de um material resistente e que será instalado sobre um tapete drenante. O rejeito, após desidratado, adquire forma sólida e não possui contaminantes. Ao final, será feita uma cobertura dos geotubos com solo compactado e plantio de espécies locais, de forma que os mesmos ficarão encapsulados (protegidos de intempéries).”

O plano prevê que, “no caso de aparecimento de corpos, os Bombeiros serão acionados”. Além disso, se surgirem eletrodomésticos, móveis e até veículos nos rios, os objetos serão entregues aos donos, se identificados, diz o texto.

A mineradora pretende instalar uma estação de tratamento de água na fazenda Iracema para tratar a água do córrego Ferro-carvão, que deságua no Paraopeba e foi assoreado pelo desastre —o córrego será desviado para lá por uma caixa de metal instalada em sua margem esquerda.

Segundo o documento entregue, existe uma “expressiva atividade” de extração de areia para a construção civil na região, que foi paralisada desde a tragédia.

Na região mais próxima à barragem, onde a lama se sedimentou, a Vale prevê remover os rejeitos com escavadeiras hidráulicas, pás mecânicas e caminhões. Segundo o Corpo de Bombeiros de MG, isso não afeta a busca por corpos, porque a Vale só atua em locais autorizados pela corporação.

Para evitar que mais lama escorra com chuvas, a mineradora vai construir um dique na região destruída, com rochas de pedreiras de Betim.

Um segundo dique estava previsto, mas a Vale desistiu da ideia porque interviria em imóveis que não foram atingidos, o que demandaria negociação com seus proprietários.

Além disso, a Vale precisa recuperar o acesso à rodovia LMG-813, que foi destruída, com a construção de uma ponte metálica.

Há quatro dutos da Petrobras na região, dois de óleo bruto, um de gás e um de fibra ótica, o que gerou preocupação na estatal, que enviou técnicos até o local ver se suas estruturas poderiam ser comprometidas com as obras da Vale.
 
"Tá pronto para entrar aí?"
https://noticias.uol.com.br/reporta...o-barragem/index.htm#ta-pronto-para-entrar-ai

Bombeiro que retirou vítimas que fugiam em círculo da lama relembra cena do resgate em Brumadinho

Tenente Filipe Rocha Especial para o UOL, em Brumadinho (MG)

Os cinco primeiros

Passava das 12h30. Sargento Márcio Santana, dois aspirantes e eu voltávamos de uma ocorrência para o batalhão em Contagem quando ouvimos o chamado pelo rádio. O pessoal estava empenhando as viaturas para ir até a barragem. Percebi que era coisa séria e partimos.

Minha equipe foi a primeira a chegar. Do alto do mirante, quando vi aquele oceano de lama, olhei para o lado e falei para o Santana: "Velho, tá pronto pra entrar aí?". E ele falou: "Bora".

Dava para ver cinco pessoas lá embaixo esperando socorro a cerca de 1 km da barragem. Santana e eu pusemos nosso equipamento de proteção, e um helicóptero da PM que havia chegado nos levou até o grupo.

Dias depois reconheci um deles na televisão e fui saber que aqueles homens que nós havíamos resgatado - o seu Elias, o seu Sebastião, o Leandro e outros dois - eram os mesmos que tinham tentado fugir da lama em círculos com uma caminhonete e uma pá-carregadeira assim que a barragem estourou.


Areia movediça

A caminhonete estava atolada. Eles aguardavam no ponto mais alto de lama. Isolados! Não tinham como sair, porque iriam afundar se tentassem. Com exceção de Leandro, em estado de choque, os outros pareciam calmos. Estavam ali há uns 40 ou 50 minutos, talvez a ansiedade já tivesse passado.

Não se ouvia muita coisa, por causa do barulho do helicóptero, mas deu para entender que eles pediam "Ajuda ele com a perna quebrada", apontando para o Leandro [Borges Cândido]. Seu Elias [de Jesus Nunes] e o seu Sebastião [Gomes] tinham ajudado ele a sair da máquina, porque estava sufocado com a lama.

Colocamos os quatro sem ferimentos no helicóptero e, enquanto eles eram levados para terreno firme, tratamos do Leandro, que precisava ser imobilizado.

Foi bom saber depois nas reportagens que eles ficaram bem.

O milagre na lama

O resgate de Antônio

Logo que chegamos à lama, nos disseram que um homem tinha ficado preso nas ferragens na ITM (Instalação de Tratamento de Minério) e apontaram para a parte alta da mina. Quando colocamos o Leandro no helicóptero, falei para um dos tripulantes: "Amigo, na volta, traz um alicate [desencarcerador] com uma bateria".

Porque a gente não tinha ferramenta em mãos.

Até eles retornarem, ficamos ali tentando avistar alguém com vida, precisando de socorro, mas só vimos uma vítima em óbito, com o braço para fora da lama.

O helicóptero voltou com o alicate. Sobrevoamos na direção da ITM e vimos um funcionário da Vale, de roupa verde, entrando em um lugar que parecia perigoso. Ficamos a uns 80 metros dele e fomos andando do jeito que dava até lá.

"Gente, a ajuda chegou, somos bombeiros", eu disse, enquanto me aproximava.

"Graças a Deus", ouvi.

O rapaz que a gente viu estava com um colega. Eles tinham escapado da avalanche de lama e voltado para tentar achar alguém vivo. E encontraram o homem preso nas ferragens, que era o seu Antônio [França Filho], um soldador que mal conseguia respirar porque tinha o peito comprimido por uma barra de ferro. Tentavam tirar ele dali, mas não tinham como fazer nada.

Como seu Antônio ficou prensado na estrutura, não caiu na lama, ao contrário de outros, que foram engolidos. Ele nos contou depois que viu todos os colegas irem embora.

Alexandre Rezende/UOL
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Tristeza no ônibus


Já tinha se passado quase uma hora e meia e sentamos um pouco para nos recuperarmos. Santana e eu estávamos desidratados, segurando mais a parte emocional, porque fisicamente já estávamos esgotados.

Ali, outro sargento, o César, que chegou depois, fez uma foto nossa para mandar para nossa família e dizer que estávamos bem. A única que temos daquele dia.

Como o helicóptero não voltava, decidimos seguir a pé. Àquela altura já havia uma demanda muito grande em razão de outras equipes que haviam chegado e faziam buscas em outras áreas.

A gente ia caminhando e procurando sobreviventes. Mas o que achamos foi mais um corpo em cima de um ônibus totalmente soterrado.

Nosso objetivo ali era buscar pessoas com vida. E rápido! Havia risco de outra barragem, a B6, se romper também. Se houvesse alguém no ônibus, já não estaria mais vivo com todo aquele rejeito por cima.

No dia seguinte, equipes voltaram ali e encontraram 18 corpos dentro.

Alexandre Rezende/UOL
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Alegria e dor


Por volta das 16h30, perto dali, outro homem foi encontrado. Era o seu Lieuzo [Luiz dos Santos], que depois ficou conhecido por aparecer nas imagens que mostram o momento exato do rompimento da barragem.

Ele trabalhava lá no alto e veio rolando por cerca de 1 km com a lama. Por algum motivo, ele veio vindo por cima dela, como em um tapete. Só quebrou uma perna.

Desse resgate eu não participei diretamente, mas foi feito pelo pessoal da minha equipe. Acompanhei pelo rádio à distância e acionei o helicóptero para buscá-lo.

Seguimos caminhando junto com os dois funcionários da Vale. Não conhecíamos o ambiente e pedimos para que eles nos dissessem onde poderia haver maior número de trabalhadores na hora do rompimento. Nos levaram até o restaurante e a administração.

A gente tinha esperança de achar alguém sob algum escombro, em um bolsão de ar. Mas quando chegamos lá, os funcionários rapidamente entenderam que não tinha jeito. 'Já morreu todo mundo', disse um deles.

A lama era muito líquida e tinha ocupado todos os espaços. Nossa teoria esperançosa era muito pouco provável. A partir desse momento, a gente só encontrou corpos.

Divulgação
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Trabalho sem fim


O acidente foi numa sexta, e na terça-feira estava de volta a Brumadinho. Agora já éramos em centenas de bombeiros trabalhando, rastejando pela lama em busca de gente desaparecida. O lugar estava muito imperfeito. Rastejar era a única opção.

Nosso treinamento militar envolve desgaste físico e emocional. E numa situação dessas a gente vê porque faz treinamento ao limite, porque o limite do treinamento não é o limite real. Brumadinho é real. É muito além do treino.

Nos dois primeiros meses, eu ia para Brumadinho sempre que estava de serviço, nos meus turnos normais de 24 por 72h (um dia de trabalho por três de repouso), mas, no final de março, entrei na rotina dos ciclos de sete dias que o comando montou e passei a ficar à disposição da operação. Chegamos sempre nas quintas-feiras e ficamos até a quinta seguinte.

Alexandre Rezende/UOL
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Gratidão de quem sofreu

Foi na minha primeira semana de sete dias corridos que encontrei o corpo do Daniel [Guimarães Almeida Abdalla]. Estávamos com quase 60 dias de buscas, vasculhando uma área com altura de 10 ou 11 metros de lama.

"Achei um negócio. Vem cá, tenente", disse um dos bombeiros. Era um cano diferente, e a gente tem um procedimento: tudo o que a gente acha, lança em um aplicativo e recebe resposta em tempo real da equipe de inteligência.

Era um tubo do sistema de hidrante, que a equipe do Daniel instalava na hora do rompimento. Investimos nesse ponto. De repente, escuto o pessoal apitando e balançando uma mola de um veículo. Era do carro desse grupo. Uma agulha no palheiro. Encontramos o corpo dele e outros três.

Dias depois, a família do Daniel quis conhecer nossa base e me apresentaram para eles. Escreveram uma carta para nós. "Mensagem dos pais de Daniel Abdalla para os heróis que trabalham incessantemente nas buscas dos desaparecidos em Brumadinho. Nosso profundo respeito e gratidão eterna", diz a carta. Foi o momento mais marcante na minha carreira.

Divulgação
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Herói desalojado


Sou o caçula de quatro irmãos e moro com meus pais numa fazendinha em Itatiaiuçu [a 35 km de Brumadinho] que meus irmãos e eu compramos dois anos atrás para eles passarem a aposentadoria. Minha mãe, farmacêutica, já tinha se aposentado, bem como meu pai, que sempre foi servidor público na UFMG.

A gente nunca teve muitos recursos, mas nos unimos e ficamos mais de um ano fazendo contas, juntando algum dinheiro e buscando uma área, porque era um sonho de família. Minha mãe estava muito feliz.

Exatamente duas semanas depois do rompimento, eu estava dormindo em Belo Horizonte quando meu irmão me ligou às 4h da manhã. Meus pais e as criações que a gente tem estavam sendo retirados da propriedade, que fica na área de inundação da uma barragem da mineradora ArcelorMittal, que apresenta risco de romper.

Estou cadastrado como desalojado. Faço parte da estatística, mas a gente vai levando numa boa.

Depois de quase três meses em um hotel, meus pais foram instalados duas semanas atrás em uma propriedade que a mineradora providenciou, mas não temos nem ideia de quando vamos poder voltar para nossa casa.

Alexandre Rezende/UOL
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Cenário que ainda impacta


O meu pai é um cara muito racional. Ele não se abala tanto com as coisas. Mas minha mãe é muito emotiva. Sofreu quando soube que eu estava no salvamento naquele primeiro dia e ainda sofre toda vez que volto para lá. Igual a toda mãe, ela pede para eu me cuidar.

Existe um protocolo que prevê que a gente não pode extrapolar 21 dias de exposição nessa lama. Por isso, depois que eu atingi essa quantidade de dias trabalhando com o rejeito, fui recolhido para a parte de staff. Continuo tendo contato com a lama, mas de forma menos direta, mais protegida.

Faço exames toda a vez que vou lá. Todo mundo faz. Quando chega e quando sai. É exame de sangue e de urina. E toda quinta, a equipe recebe medicação profilática para prevenir leptospirose. Da minha parte, enxergo que é um risco controlado e que estou aí para isso.

Na quinta-feira, me apresento para mais uma semana de trabalho nas buscas. Mesmo depois de vários dias e de já conhecer cada canto daquele lugar, ainda me impressiono quando vejo o nível de destruição que alcançou.


Alexandre Rezende/UOL
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Tenente Rocha (primeiro à esquerda) em visita ao soldador Antônio França Filho e sua família, dias após o resgate. Arquivo Pessoal

O maior troféu


Em março, estive na sessão solene da Câmara dos Deputados que homenageou os bombeiros que atuam em Brumadinho. Foi um momento muito especial. Nunca tinha ido a Brasília. Mas, para mim, o que mais me deixou satisfeito mesmo foi receber a visita e a carta dos pais do Daniel e reencontrar o seu Antônio.

Certo dia, estava com o Santana, que foi quem me ensinou a ser bombeiro e que se aposentou semanas depois daquele primeiro dia de salvamento, e batemos na porta da casa do seu Antônio, em um vilarejo bem simples. Ele reconheceu a gente, nos abraçamos. Conheci a família dele.

Ele se emocionou quando relembrou a história e se mostrou agradecido a nós e aos dois funcionários da Vale que ficaram para ajudá-lo.

Disse que pediu socorro antes de chegarmos a outros trabalhadores, que, com medo, o deixaram para trás. Ali percebemos a diferença que fizemos na vida dele. E isso não tem preço.

Sobreviventes

Apesar de não me lembrar do resgate, não vi os bombeiros na hora porque apaguei, sou muito grato a eles. Rezo sempre pela saúde deles e de suas famílias, e para que Deus faça com que eles continuem salvando vidas.

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Leandro Borges Cândido, operador de pá-carregadeira da Vale

Me lembro de quando eles chegaram e perguntaram como que a gente estava. Naquele momento de susto, quando os bombeiros chegaram, é como se tivessem chegado uns anjos da guarda para ajudar a gente.

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Elias de Jesus Nunes, técnico em meio ambiente da Vale

Eu estava entrando em desespero já. Pensei que fosse morrer. Foi aquele alívio quando os bombeiros apareceram. Primeiro tenho que agradecer a Deus, depois a eles e aos dois funcionários que ficaram para ajudar.

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Antônio França Filho, soldador da Vale

Alexandre Rezende/UOL
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Considerando a altura de uma locomotiva (pelo menos 3 metros de altura) dá para se ter uma ideia da espessura da camada de barro nas áreas mais baixas do terreno por onde a onda de rejeito passou.
 

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