Bitcoin é uma bolha? Universidade dos EUA vê sinal de manipulação
Imagem: Getty Images/sorbetto
Téo Takar
Do UOL, em São Paulo
04/10/2018 04h00
A forte queda no preço do bitcoin nos últimos meses tem deixado investidores preocupados. Será que a alta de mais de 2.000% no ano passado foi uma bolha especulativa? É melhor vender antes que caia mais? Ou o momento é uma oportunidade para comprar antes que dispare de novo? Um estudo da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, traz indícios de que a moeda virtual foi alvo de manipulação.
O preço do bitcoin subiu quase 20 vezes em um período de menos de um ano, saindo da casa de US$ 1.000 (R$ 3.500) no fim de dezembro de 2016 para o pico de US$ 19,3 mil (R$ 69,5 mil) no dia 16 de dezembro do ano passado. De lá para cá, a criptomoeda desabou e agora vale apenas um terço disso, cerca de US$ 6.500 (R$ 26.500).
Por causa da intensa oscilação nos preços, quem comprou a moeda virtual ao longo de 2017 pode estar com lucro de 550% ou amargando prejuízo de até 70%, dependendo da época do ano em que fez a aquisição.
“Eu não identifico um estouro de bolha. O que está acontecendo com o bitcoin é uma correção, um ajuste de preço. O bitcoin já passou por outros momentos de queda, seguidos por períodos de alta”, declarou Luiz Roberto Calado, economista-chefe da corretora Mercado Bitcoin.
“O bitcoin caiu em 2018, mas se você comparar com o preço há exatamente um ano, em torno de US$ 3.000, quem comprou naquela época ainda está lucrando mais de 100%. Se você comparar com outros ativos, como ações da Petrobras ou da Apple, certamente elas não valorizaram tanto no mesmo período”, afirmou Luiz Calado.
Especulação levou à venda e à redução de preços
A especulação intensa em cima da criptomoeda no ano passado ajuda a explicar a queda atual. “Qualquer ativo, depois de uma alta forte e repentina, naturalmente passa por uma correção", disse Alexandre Monteiro, diretor de marketing do site de pesquisa de moedas Melhorcâmbio.
"Da mesma forma que houve uma procura muito grande em 2017, agora há muita gente vendendo para embolsar o ganho rápido.”
Alta de preço pode ter sido manipulada
Um estudo acadêmico divulgado por dois especialistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, traz indícios de que a disparada do bitcoin no ano passado não foi obra do acaso. A
moeda virtual teria sido alvo de manipulação de preços.
Utilizando um programa de computador, o professor John M. Griffin e o estudante de pós-graduação Amin Shams descobriram forte correlação entre operações vultosas realizadas com um “token” (ficha digital) chamado tether e a alta de mais de 2.000% do bitcoin em 2017.
Griffin e Shams perceberam que a “exchange” (corretora que negocia criptomoedas) Bitfinex foi a origem das transações suspeitas envolvendo o tether e o bitcoin. A corretora agora está sob investigação das autoridades norte-americanas.
Falta de fiscalização
A falta de uma regulação em torno do bitcoin e de outras moedas virtuais colabora para que as oscilações de preços sejam bruscas, além de abrir a possibilidade para manipulação, como apontado por Griffin e Shams.
“Não há controle. Nenhum tipo de fiscalização. É um mercado que pode ser manipulado facilmente, sem que as pessoas percebam”, declarou Alan De Genaro, professor de Finanças da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV).
Valor do bitcoin está na tecnologia blockchain
Apesar da suspeita de manipulação e da queda recente no preço, o professor De Genaro disse não acreditar que o movimento represente o estouro de uma bolha.
“Depois de toda aquela alta de 2018, houve uma correção forte neste ano, mas o preço não foi a zero. Isso sugere que há algo no bitcoin que ainda sustenta seu valor. O bitcoin não é uma ilusão. Existe toda uma tecnologia por trás, o blockchain, que veio para ficar.”
Luiz Calado, do Mercado Bitcoin, também vê fundamento na tecnologia que viabiliza o bitcoin. “O blockchain é consistente. A tecnologia está rodando há quase dez anos e tem potencial para ser usado em várias áreas.”
A tecnologia blockchain foi desenvolvida inicialmente para registrar e validar (confirmar a autenticidade de) operações com moedas digitais.
Recentemente, ela ganhou novas aplicações, como armazenar documentos com segurança e trocar informações entre instituições financeiras. Como a rede é descentralizada (distribuída por vários computadores) e criptografada (codificada), um ataque cibernético que viole as informações torna-se mais difícil.
O bitcoin completará uma década de existência no mês que vem. O artigo que definiu o funcionamento da moeda virtual foi publicado em novembro de 2008 por
Satoshi Nakamoto, pseudônimo de um programador de computadores. Até hoje o verdadeiro criador do bitcoin não foi identificado.
A moeda digital só se tornou conhecida do grande público a partir de 2013, quando as corretoras de moedas virtuais ganharam força. Inicialmente, o bitcoin era usado apenas por pessoas da área de tecnologia e como moeda de troca na chamada “deep web”, uma área da internet para práticas ilegais, como venda de drogas.
Investidor pode usar criptomoedas para diversificação
O bitcoin pode ser uma opção de investimento para pessoas que desejam diversificar seu patrimônio e que tenham um grande apetite por aplicações de risco.
“Também é uma forma de ficar exposto à variação cambial, uma vez que o bitcoin e outras criptomoedas são cotadas em dólar”, disse o economista do Mercado Bitcoin.
“Quem nunca investiu em criptomoedas deve começar a comprar aos poucos e ir se acostumando com a volatilidade. Não saia comprando só porque alguém disse que vai subir. Elas oscilam muito. Por isso, destine uma parcela pequena do patrimônio para aplicar em criptomoedas”, declarou Luiz Calado.
O especialista sugere, para os investidores que já estão mais acostumados ao mercado de criptomoedas, montar uma cesta de investimentos com diversas moedas virtuais, como forma de diluir o risco e obter um rendimento mais equilibrado.
“É interessante ter uma cesta de moedas, ou seja, comprar um pouco de bitcoin, um pouco de litecoin, um pouco de bitcoin cash, e assim por diante.”
Fundos agora podem investir em bitcoin no exterior
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão responsável por fiscalizar os fundos de investimento brasileiros, autorizou os gestores a
aplicar recursos em criptoativos no exterior, mas de forma indireta.
Os fundos não poderão comprar bitcoin ou outras moedas virtuais, mas poderão aplicar em cotas de fundos e derivativos estrangeiros atrelados às moedas virtuais, desde que eles sejam regulamentados pelos órgãos de fiscalização em seus países de origem.
Caberá ao gestor do fundo brasileiro tomar todos os cuidados para evitar investir em criptoativos fraudulentos, ou que favoreçam a lavagem de dinheiro, ou ainda que financiem atividades ilegais. O gestor também deverá informar os investidores do fundo claramente sobre o risco de se apostar em moedas virtuais.
“A decisão da CVM abre um caminho para a gradual aceitação da indústria de ativos digitais e blockchain no país”, declarou Fernando Furlan, presidente da ABCB (Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain).
Uso no comércio ainda não “pegou”
Os especialistas avaliam que o bitcoin ainda não se tornou um meio de troca no dia a dia das pessoas por causa da dificuldade em usar a moeda virtual para realizar compras. No Japão, por exemplo, o bitcoin já está incorporado à rotina de boa parte do comércio.
Mas, no Brasil, ainda são pouquíssimos os estabelecimentos que aceitam a criptomoeda. Um dos motivos para a pouca aceitação nas lojas é a demora para confirmar o pagamento de uma compra com bitcoins.
Monteiro, do site Melhorcâmbio, disse que a tecnologia blockchain passou por aperfeiçoamentos no ano passado que tornaram as transações com bitcoin mais rápidas. Mesmo assim, o ritmo de processamento das transações com bitcoin ainda é muito lento se comparado ao dos meios de pagamento tradicionais.
Enquanto o blockchain processa cerca de oito transações com bitcoins por segundo, operadoras de cartões de crédito são capazes de processar 25 mil compras por segundo.