Exato. Nós imaginamos chifres, nós imaginamos asas, nós imaginamos um monstro, portanto nós fazemos essa conexão, e não Tolkien.
Não, tudo indica que ele a fez também, porque a apropriação simbólica desses elementos costuma aparecer na iconografia cristã
em conjunto. Se ele cita alguns dos elementos, definitivamente
monstruosos ( garras, presas, fogo, olhos em chama, chicotes, juba, comparação com a montaria alada dos nazgûl enquanto voava, o que sugere a presença de asas) , por larga margem, o mais provável, é que ele estivesse fazendo alusão à imagem iconográfica com os elementos integrados também no momento em que escreveu,
e de propósito.
Principalmente considerando que ele sempre ressaltou os aspectos não-humanos e monstruosos da criatura. Isso faz dos demônios, na iconografia do Cristianismo,
monstros, fusões híbridas de caracteres humanos e bestiais, não correspondentes a qualquer malformação congênita humana.
Ele pode é não ter deixado explícito porque não desejava associação simbólica "forçada", mas vc está essencialmente correto em inferir que, nesse ponto, Tolkien capitaliza em cima do pano de fundo cultural do leitor e da imaginação deste para seu benefício.
Mas veja bem, aí está a distinção:Isso
não quer dizer que interpretar ou visualizar esses elementos é uma coisa que vai unicamente na nossa imaginação. O jeito que vc formulou a frase pode dar margem e esse entendimento e , se fosse assim , o simbolismo cristão inteiro poderia ser só "imaginado" e não ter sido intencional. Impor essa noção, do balrog "demoníaco" no sentido iconográfico cristão, como sendo dogma inegável ou a "leitura correta" é exagerado, mas dizer que a associação de idéias se dá, única e exclusivamente, na cabeça do leitor também é um exagero.
Então djinns malvados e demonios não são praticamente a mesma coisa com nomes diferentes? Não são os malvadões em culturas monoteístas, ambos com caras de monstro e ligados ao fogo?(...)
Se ele não diz ter, e eu não identifico nas obras, influencias arabicas, mas diz e é facil de notar, que existem influencias cristãs, acho mais fácil crer na influencia judaico/cristã no Balrog de Moria.
Não é a mesma coisa. Demônios cristãos são ligados ao fogo porque estão
NO fogo e/ou fazem uso dele e da escuridão, ifrits são ligados ao fogo porque são feitos
DE fogo, exatamente como Tolkien deu a entender que acontece com as essências dos balrogs como "espíritos de fogo". Uns habitam em meio a chamas e escuridão e fazem uso dela , enquanto os outros têm nesses componentes a estrutura básica do seu ser elemental, são parte intrínseca de sua natureza.
Portanto, como eu disse cloak of darkness e corpo em chamas são, ao que tudo indica, influências árabes sim. Isso não é descrito na teologia cristã ou na iconografia mas é marca registrada dos gigantes de fogo e dos ifrits.
Essa picture que "humaniza" o Balrog também praticamente o transforma em um Ifrit.
Compare essa acima e essa daqui com
Compare com:
Ou com:
Olha aí o Joseph Campbell falando da matéria no Herói de Mil Faces
34.Compare-se com o sapo do conto de fadas. Na Arábia pré-maometana, os ]inn (singular:
m. Jinni; f. Jinniyah *) eram fantasmas-demônios dos desertos e locais selvagens. Peludos e
disformes, ou com forma de animais, avestruzes ou serpentes, mostravam-se muito perigosos
diante de pessoas desprotegidas. O profeta Maomê admitiu a existência desses espíritos
bárbaros (Corão, 37:158) e os incorporou ao sistema maometano, que reconhece três
inteligências criadas sob Alá: Anjos, compostos de luz; Jinn, compostos de fogo sutil; e o
Homem, composto pelo pó da terra. Os Jinn maometanos têm o poder de assumir a forma que
quiserem, desde que respeitando sua essência de fogo e fumaça, e, assim, podem tornar-se
visíveis aos mortais. Há três ordens de Jinn: voadores, caminhadores e mergulhadores.
Supõe-se que vários deles aceitaram a Pé Verdadeira, sendo considerados bons; os demais
são maus. Estes últimos vivem e trabalham em estreita ligação com os Anjos Caídos, cujo
chefe é Iblis (o Desesperador).
35.Um(a) Ifrit(ah) é um(a) poderoso(a) Jinni (yah). Os Máridas são uma classe
particularmente poderosa e perigosa de Jinn.
Considerando que as notas acima são relativas a um conto onde aparecem o ifrit Dahnash e a princesa
Budur eu diria que o jeitão dos nomes , no mínimo, reforça a impressão de que os ifrits podem ter entrado na sopa que compõe os balrogs.
Olhe aí Salomão subjugando um Ifrit
Olhem aí de novo ( reparem na caracterização "Aragorn" do rei e no[ame=[URL]http://en.wikipedia.org/wiki/Seal_of_Solomon][/URL] Anel mágico de Salomão[/ame] no dedo dele
Agora dêem uma olhada nesse djinn do livro As Mil e Uma Noites adaptado por Andrew Lang em 1898, autor cujo trabalho Tolkien admirava muito: compilou os livros de contos de fadas "coloridos" que ele leu na infância.
Compare com:
http://www.mythfolklore.net/1001nights/burton/kamar.htm
Seus posts realmente foram ótimos, e você definitivamente pesquisou muito sobre o assunto. Não leve a mal, respeito sua opinião, e só estou apresentando a minha.
No problem, porque o que eu estou dizendo é que:
a) Cristãos e islâmicos nesse ponto
bebem de uma fonte comum.Falar de ifrit
é falar de demônio e vice-versa em todos os itens realmente pertinentes à questão dos Balrogs. Dá só uma zoiada nessa tremenda similaridade entre o Ifrit dessa pintura do século dezessete lado a lado com o balrog do Ted Nasmith.
b)Tolkien várias vezes
somava influências entre si: imaginar que o simbolismo judaico-cristão estivesse presente nos Balrogs, coisa que ele
também não disse explicitamente em texto algum mas que é
inferida por causa do uso da palavra demônio e vários outros dados,
não exclui as outras fontes não-cristãs onde , via de regra, atributos demonîacos também aparecem quando falamos de espíritos maus encontrados debaixo da terra. Os chifres
estão muito longe de ser exclusividade da visualização ocidental e cristã de demônios e a escuridão do manto de trevas e o fogo parecem ser específicas de representações com tendência orientalizante, encontradas nos ifrits e nos rakshasas mas, de regra, ausentes das tradições do Cristianismo.
Ravana, rei dos rakshas ou rakshasas
Detalhe: o nome dos orcs na língua dos anões
é rakhas,singular rukhs, parente do rauko quenya dos Balrogs e do "rog" sindarin além do uruk/urko/orco dos orcs.
Tudo leva a crer que a palavra quenya, rauko de valarauko, tem sua fonética inspirada, no fim das contas, no sânscrito raksha. Foi dessa língua de onde vieram diversos termos do léxico adotado da língua dos Valar. O khûzdul, a língua dos anões , no mundo de Tolkien, é parente próxima do Valarin, já que foi criada por Aulë e a base dessa língua contém muitas similaridades de léxico e sentido com o sânscrito em termos de inspiração no mundo primário. Vários exemplos de nomes Valarin e Khuzdûl mostram isso como por exemplo Avathar, Mahanáxar, Vána (Vana é floresta em hindi) Aman ( paz em hindi) e Mahal, o nome dado pelos anões a Aulë.
Olhem aí a descrição do ataque de Ghatotkatcha, um rakshasa, contra o semi-deus Karna e a tempestada ígnea oriunda de nuvens negras avermelhadas com a qual ele enfrenta o aliado dos Kauravas, literalmente virando por meio de "maya", uma ilusão mágica, uma tempestade de fogo .
Mahabharata-Luta entre Karna e os Rakshasas
"Sanjaya said, Seeing the Rakshasa disappear, all the Kauravas loudly said, Appearing next, the Rakshasa, fighting deceitfully, will certainly slay Karna.' Then Karna, endued with wonderful lightness in the use of weapons, covered all sides with showers of shafts. The welkin being covered with the darkness caused by that thick arrowy shower, all creatures became invincible. So great was the lightness of hand displayed by the Suta's son, that none could mark when he touched his quivers with his fingers, when he fixed his arrows on the bowstring, and when he aimed and sped them off. The entire welkin seemed to be shrouded with his arrows. Then a fierce and terrible illusion was invoked into existence by the Rakshas in the welkin. We beheld in the sky what appeared to us to be a mass of red clouds resembling the fierce flame of a blazing fire. From that cloud issued flashes of lightning, and many blazing brands, O Kuru king! And tremendous roars also issued therefrom, like the noise of thousands of drums beat at once. And from it fell many shafts winged with gold, and darts, lances and heavy clubs, and other similar weapons, and battle-axes, and scimitars washed with oil, and axes of blazing edges, and spears, and spiked maces emitting shining rays, and beautiful maces of iron, and long darts of keen points, and heavy maces decked with gold and twined round with string's, and Sataghnis, all around. And large rocks fell from it, and thousands of thunderbolts with loud report, and many hundreds of wheels and razors of the splendour of fire.
Aí embaixo a cena no filme de Peter Brook
Nuvens vermelhas lembrando aquelas de um incêndio, despejando Lâminas de fogo, , armas relampejantes sendo vertidas como chuva de fogo e raios... Nem um pouco parecido com a "tempest of fire " dos Balrogs em Lammoth né?
Mais um detalhe: Tolkien definitivamente
conhecia o Mahabharata, o épico hindu do qual foi tirado esse texto acima, bem o suficiente pra traçar paralelos entre ele e Chaucer
Dê uma olhada nessa representaçaõ japonesa de um
Oni)
Essa picture aí em cima, feita por Hiroshige em 1820, ilustra a história de Taira Koremochi e do demônio feminino que tentou matá-lo sob uma forma sedutora.
Outra picture, essa de demônio do budismo tibetano
Bodhisathva Vajrapani
Como o caso das
influências múltiplas da espada negra do Túrin Turambar mostra, Tolkien era muito chegado em seguir o outro ditado famoso a respeito dessa matéria:
"Roubar idéias de uma só pessoa é plágio, roubar de muitas é pesquisa"
“To steal ideas from one person is plagiarism, to steal ideas from many is research.”