Ilmarinen,pude notar, após retomar meu velho interesse pelas obras de Tolkien, que há um consenso de que os elfos são aquilo que o professor gostaria que a humanidade fosse. E que os escritos, onde isto fica mais claro, são aqueles produzidos em seus últimos anos de vida. As razões, apontadas para tal fato são várias, e uma dentre elas é muito interessante, pois, segundo alguns de seus estudiosos, Tolkien deplorava ser cultuado pela contracultura da década de 60 (hippies, sexo, drogas, rock and roll, feminismo, luta pelos direitos dos homossexuais etc).
Tolkien, de fato, comentou que ele tinha um "deplorável culto", quando os fãs hippongos dos anos sessenta nos EUA começaram a fazer coisas como ligar pra ele de madrugada, ignorando a diferença do fuso horário. Mas não consta que Tolkien, alguma vez, expressou, verbalmente ou por escrito, repúdio à cooptação de sua obra como bandeira pros movimentos ecológicos, hippies ou não, dos anos sessenta, ou mesmo que a identificação de certos segmentos específicos com sua obra fosse algo indesejável.
Quanto à questão da homossexualidade, por exemplo,
foi ele mesmo que deixou uma cena do Túrin dando um beijo na boca do cadáver degolado de Beleg nos Contos Perdidos, um fato que, se fosse normal na Terra Média, deveríamos esperar ver repetido em outras situações similares, Frodo-Sam, Aragorn-Boromir.
Ver anexo 87584
Se ele cortou ou omitiu a cena posteriormente, lembrando que ele NÃO DIZ que ela não acontece, somente se foca em outras coisas que aconteceram , tipo o ataque de catatonia do Túrin ( discretíssimo!!!), é porque ele, no mínimo, pensou que havia meio que pegado pesado demais, ou que um beijo na boca não era mais passível de ser interpretado da maneira "correta".
Devemos lembrar aqui que o fato do Silmarillion ter se tornado, retroativamente, em termos de publicação, o livro background de uma obra (SdA) que, por seu turno, tornou-se sequência de um livro infanto-juvenil, O Hobbit, provavelmente, bagunçou muito o meio de campo no que Tolkien queria ( ou podia) descrever nos livros conservando alguma pretensão de eventual publicação.
Salientemos que, até os dias de hoje, a J.K.Rowling, por exemplo, a despeito de todo seu poder e prestígio midiático, não pôde deixar a homossexualidade de Dumbledore explícita na série de llivros de Harry Potter, soltando a "bomba" num comentário off-book em uma convenção de fãs da saga.Podemos imaginar, então, o quão mais forte era o potencial pra censura na época em que Tolkien trabalhava a mitologia do Silmarillion. Na mesma época o Amante de Lady Chaterley foi proibido de ser vendido na Inglaterra por motivos que são fichinha pros padrões atuais e a Mary Renault e o Auden resolveram mudar pra África do Sul e pros EUA, respectivamente.
Além do mais, ele apreciava livros de ficção histórica/fantasia que apresentavam uma abordagem "histórica" da homosexualidade como o King Must Die e o Bull that came from the Sea da Mary Renault ( com amazonas lésbicas e homossexulidade "gráfica" sutil. E diversoss dos elementos da sociedade greco-romana apresentam similaridades com algumas das condições de vida dos Eldar na Terra Média, principalmente certos aspectos da vida "na fronteira"
estilo Legião Estrangeira de Beleg e Túrin.
Citemos aqui que a própria Mary Renault, que era uma amiga e ex-aluna de Tolkien, era abertamente homossexual como o W. H.Auden também era. O mesmo valendo pra um dos correspondentes e amigos mais íntimos de Lewis, Arthur Greeves.
Se vc quer saber, por causa disso tudo, minha suspeita é que Tolkien e Lewis eram mais abertos a respeito desse asssunto do que se podia supor pelas suas diatribes doutrinárias evangelizantes ( Tolkien era muito mais retrógrado ao tentar instar seus filhos na "boa vida cristã" por cartaa do que escrevendo sua ficção), haja vista que Lewis
TAMBÉM descreveu um beijaço na boca entre personagens masculinos no Perelandra ( pra piorar com a esposa do macho beijado entrando na beijação também ( ou seja, no presente moderno, anos quarenta, e não numa sociedade medieval emulada), ecoando, na descrição do evento, um comentário do livro dele citado pelo Carpenter, os Quatro Amores:" como iguais se beijam" falando da empatia compartilhada de homens que eram "pares e iguais".
They made him go across the water to them, wading, for it came only to his knees. He would have fallen at their feet but they would not let him. They rose to meet him and both kissed him, mouth to mouth and heart to heart as equals embrace. They would have made him sit between them, but when they saw that this troubled him they let it be. He went and sat down on the level ground, below them, and a little to the left. From there he faced the assembly - the huge shapes of the gods and the concourse of beasts. And then the Queen spoke.
Perelandra
“Those are the golden sessions, when our slippers are on, our feet spread out towards the blaze and our drinks at our elbows; when the whole world, and something beyond the world, opens itself to our minds as we talk; and no one has any claim or responsibility for another, but all are freemen and equals as if we had first met an hours ago, while at the same time an Affection mellowed by the years enfolds us. Life – natural life – has no better gift to give.”" (The Four Loves, 1960)
“What were the women doing meanwhile? How should I know? I am a man and never spied on the mysteries of the Bona Dea.” (The Four Loves, 1960)
“Friendship of this kind was remarkable, and at the same time entirely natural and inevitable. It was not homosexual (Lewis dismisses that suggestion with deserved ridicule), yet it excluded women. … if we have ever enjoyed a friendship of that sort we shall know exactly what it was about. And even if that fails us, we can find something of it expressed in The Lord of the Rings.” (Carpenter, 2002)
Texto analisando isso tudo a fundo aqui (infelizmente deixa de fora a citação do Perelandra e suas implicações, como por exemplo, a de que, talvez, C.s.Lewis considerasse beijos na boca como aceitáveis e até esperados "entre iguais").
Tolkien, Friendship and the Four Loves
Acrescente-se
texto confirmando aquilo que eu já suspeitava
While reading a new book about Lewis, I stumbled across the fact that one of CS Lewis' best friends throughout life was gay. The author mentions that CS Lewis' "pronouncements on homosexuality were notably liberal-minded...no doubt because Arthur Greeves, his best friend from boyhood, was homosexual (p.128).
E, detalhe, apesar da óbvia e potencialmente escandalosa conectividade do episódio com o passagem da biografia de Tolkien, onde o Carpenter citou o trecho do livro de Lewis, NINGUÉM até hoje comentou o episódio, mesmo considerando que o herói do Perelandra ( Ransom ( resgate) mas que também lembra "handsome") foi calcado em cima da imagem que Lewis tinha de Tolkien na época da publicação...