Voltando a postar nessa área depois de um século...
A coluna do Maurício Stycer apontou uma coisa interessante. Link aqui:
https://tvefamosos.uol.com.br/colun...ao-repercutir-crises-do-governo-bolsonaro.htm
Nas crises recentes do governo Bolsonaro, nenhuma só vez, ao tratar da repercussão, o jornalismo da Globo ouviu Lula, Haddad ou Ciro Gomes. Fernando Henrique Cardoso foi ouvido. José Sarney, inclusive, foi ouvido.
A coluna perguntou à Globo o porquê da diferença de tratamento dada a FHC e Lula, entre outros políticos, e a emissora não se manifestou.
Quais as razões?
Pierre Bourdieu, no livro Sobre a Televisão, evoca uma máxima de Berkeley -"Ser é ser percebido" - a fim de formular o seguinte reparo: "Ser é ser percebido na Televisão." O sociólogo então apontava o advento da Televisão como o aparecimento de um poderosíssimo árbitro da existência política e social, discorrendo a certa altura sobre as seleções, a sutileza dos mecanismos de censura, do expediente de "ocultar mostrando", etc. Ao escantear os principais nomes do campo à esquerda, me parece haver uma opção bastante clara.
Lula e, vá lá, Fernando Henrique são possivelmente as últimas lideranças expressivas da geração de lideranças do contexto da redemocratização. Não mais há Mario Covas, não mais há André Franco Montoro, não mais há Ulysses Guimarães, não mais há Tancredo Neves, não há mais Leonel Brizola, etc.
Entre os dois, Fernando Henrique perdeu relevância político-eleitoral e tampouco aparece como figura determinante na vida interna do seu partido. Lula se mantém como figura competititva, eleitoralmente, ainda que não venha a concorrer - vale mencionar que em 2018, até ter a candidatura barrada pela Justiça, liderava as pesquisas de intenção de voto, mesmo da prisão - e se mantém também como Manda-Chuva dentro da estrutura partidária do PT. Em que pese certa discrição no seu procedimento, após ter deixado a prisão - o que, aliás, revela uma escolha tática - segue sendo a maior referência do campo político à esquerda.
Pode-se objetar: o governador Camilo Santana, do PT, foi ouvido pelo jornalismo da Globo (três vezes, na contagem do Stycer). Não tem o mesmo peso. Santana não é figura de primeira grandeza no partido e não representa uma "ameaça eleitoral".
A escolha por não dar espaço a Lula ou a Haddad ou a Ciro é uma opção pelo consenso liberalizante que se formou no reverso do naufrágio do governo Dilma, que deu sustentação ao governo Temer e que, no transcurso do processo eleitoral, optou por Bolsonaro. Revela-se aí o temor de que do colapso da extrema-direita bolsonarista resulte o fortalecimento de um programa de esquerda, por mais tímido e moderado que este seja.
Para mim está claro que a Globo - e cito a Globo tão somente porque o que tenho é o levantamento do Stycer a respeito do jornalismo global - quer que do colapso do bolsonarismo, que parece iminente, apenas se passe o bastão a outra mula eleitoral desse consenso liberalizante que se formou na contraface do colapso do pacto lulopetista. É a opção pela pauta das reformas liberalizantes, mantra repetido por determinados setores e exaustivamente ecoado pela imprensa como solução unívoca para levar o país a um novo quadro de crescimento.
@Fúria da cidade , a princípio, eu acho que o Moro é um potencial herdeiro desse arranjo sim. É claro que não temos bola de cristal e as circunstâncias até lá serão outras, Moro poderá estar desgastado por algum eventual escândalo (os escândalos que ele já coleciona não foram o bastante para gerar esse efeito), algo que o tire do páreo. Se isso acontecer, esse consenso terá outras opções à sua escolha. Mas até então, eu entendo a aposta e - em parte - até mesmo o anseio de certa imprensa, que construiu Moro como herói e ainda não se desgarrou desse culto. E as pretensões políticas do ex-juiz são claras desde quando juiz ainda era. Não sem razão, Bolsonaro o trata como uma ameaça desde o segundo ou terceiro mês de governo. Eles disputam o mesmo eleitorado, em parte com as mesmas armas, sob a mesma plataforma moralista, do discurso que amarra o "antipetismo" à "anticorrupção".