Como o Toronto perdeu o MVP das finais e mesmo assim segue como um dos melhores da NBA
Fábio Balassiano
03/12/2019 05h01
EZRA SHAW / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
No dia 13 de junho o Toronto Raptors se sagrou campeão da NBA pela primeira vez. A alegria da conquista foi absurda, a festa superou todos os limites e o orgulho canadense nunca foi tão alto, mas menos de um mês depois o MVP das finais, o ala Kawhi Leonard, assinou com o Los Angeles Clippers. De quebra o Raptors ainda perdeu Danny Green, que fechou com o Lakers.
A dúvida que pairava no ar era: como o Toronto lidará com isso tudo? Havia gente que duvidava, inclusive, da presença dos canadenses na pós-temporada, algo que seria bem frustrante para uma torcida que abraçou, sofreu e comemorou com o time nos últimos anos. OK que são menos de 20 jogos de campeonato até agora, mas a gente olha rápido para a classificação e se surpreende com os Raptors em segundo no Leste com a excepcional campanha de 15 vitórias em 19 partidas – pouco atrás do Bucks, que tem 17-3.
Sem Kawhi e Green, o ótimo técnico Nick Nurse apostou na dupla armação no começo da temporada, mas acabou não tendo muita sorte quando Kyle Lowry, o jogador mais antigo do elenco, se machucou. Logo depois o congolês Serge Ibaka também foi parar no estaleiro e o que era dúvida quase virou pânico por parte da franquia. Não por muito tempo. Os espaços apareceram e quem quase nunca teve chance de brilhar está aproveitando.
Fred VanVleet (foto abaixo), reserva em toda sua carreira na NBA, assumiu como armador principal e não tem decepcionado: 18,6 pontos e 7,5 assistências de média, um verdadeiro espetáculo. Ao seu lado no perímetro está, agora, o útil Norman Powell, que registra 12,8 pontos de média e quase 40% nas conversões de três pontos. Outro novo titular, OG Anunoby, tem 11,8 pontos de média e contribui não só no ataque mas muito bem na defesa também.
Todos os três são fruto de uma qualidade da franquia – o desenvolvimento de atletas que o mercado nunca deu bola. VanVleet (não draftado em 2016), Powell (pick 46 em 2015) e Anunoby (23 em 2017) chegaram como ninguém, treinaram, melhoraram, ganharam espaço e hoje são peças fundamentais na rotação do Toronto.
Perto do aro o espanhol Marc Gasol, campeão mundial também com o seu país na mais recente Copa do Mundo, dá o tom apesar de ter as médias mais baixas de sua carreira (6,1 pontos e 6,5 rebotes). Além deles, se destacam os três jogadores que mais ganham minutos vindo do banco: Rondae Hollis-Jefferson (9,7 pontos), Terence Davis (7,1 – ele também não foi escolhido no Draft deste ano e pinçado por Masai Ujiri, o gerente-geral, para os treinamentos) e Chris Boucher (5,9 pontos e 4,7 rebotes). Nada disso, porém, seria suficiente se Pascal Siakam,
cuja história foi contada aqui nesse blog recentemente, não tivesse se tornado uma estrela de primeira grandeza na liga.
Aos 25 anos, o ala nascido em Camarões teve seu contrato renovado recentemente (4 anos, US$ 130 milhões) e não tem decepcionado – pelo contrário. Seus números saltaram de 16,9 pontos e 6,9 rebotes para assombrosos 25,6 pontos, 8,4 rebotes e 4 assistências, índices que colocam Siakam entre os jogadores mais eficientes e perigosos de toda NBA. Sem medo algum, ele tem assumido a responsabilidade e liderou em pontos o Toronto em 12 das 19 partidas do time até agora. E chutando muito bem, com conversões de 39% de 3 e 47% no geral. Se em 2018/2019 ele foi campeão, peça fundamental do time e eleito o jogador que mais evoluiu, em 2019/2020 disputa outro troféu – o de MVP da fase regular. O que ele tem jogado é de encher os olhos.
O jogo de Siakam, outro da linhagem que o mercado deixou passar no Draft (27 em 2016) para se desenvolver em Toronto a base de muito treinamento e persistência, é incrível e difícil de desvendar mesmo. Se ao mesmo tempo ele é uma arma forte nos três pontos (tenta 6,5 vezes por partida), sua força física para os duelos contra alas e alas-pivôs fazem dele uma ameaça também perto da cesta, onde ele tem um aproveitamento de arremessos superior aos 70%, algo incrível e certamente com um impacto nas suas idas ao lance-livre (50% maior).
Com isso e com uma defesa absurdamente forte (a melhor em conversão dos arremessos dos adversários – 40% sofridos apenas) o Toronto cresce e surpreende neste começo de temporada seguindo a linha do basquete moderno (40% de conversão nas bolas de fora, o melhor índice da NBA), altruísta e passador (são 25,6 passes para a cesta no campeonato, o sétimo melhor índice). Muita gente pensa, com boa dose de razão que esse "encanto" pode acabar a qualquer momento. O mês de dezembro, aliás, começa com partidas difíceis praticamente em sequência (Heat, Rockets, Sixers, Clippers e Nets até o dia 14, apenas com o Chicago no meio disso) e pode ser que os Raptors deem uma derrapada.
Ao contrário do que todo mundo previa, no entanto, a ida aos playoffs é praticamente certa. E sem estrela a franquia não ficará. Pascal Siakam assumiu o lugar deixado por Kawhi Leonard e, se não tem todas as ferramentas do antigo camisa 2, deixa a torcida minimamente mais tranquila para que o futuro da equipe seja construído ao seu redor.