Necrotérios enchem, e corpos se acumulam em hospitais no Rio
Com a disparada de casos de coronavírus e o colapso no sistema de saúde do Rio de Janeiro, cenas de corpos acumulados do lado de fora dos necrotérios dos hospitais se tornaram mais recorrentes nas últimas semanas.
O estado registrou 9.453 casos e 854 óbitos confirmados até esta quinta (30), o segundo maior número do país. Pacientes já esperam dias por vagas de UTI na rede pública, principalmente na capital, onde fica o único dos dez hospitais de campanha estaduais inaugurado até agora.
Um dos casos mais recentes de corpos acumulados ocorreu no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca (zona oeste). Uma foto tirada na segunda (27) mostra cinco pessoas mortas enfileiradas em cima de macas em corredor do lado de fora da unidade.
Os hospitais têm necrotérios, mas, quando o fluxo aumenta muito em curto período, as câmaras refrigeradas disponíveis não dão conta de todos os corpos. Eles ficam, então, em local inadequado por certo tempo, aguardando a remoção.
"Quando é alguém mais abastado que morre, imediatamente contrata uma funerária e já tira. Se está demorando muito, provavelmente é uma família que não tem dinheiro para retirar e tem que passar pelo processo de solicitar à prefeitura", diz o médico Raphael Câmara, representante do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do RJ).
No Lourenço Jorge, uma médica denuncia que funcionários estão pedindo demissão pelas péssimas condições de trabalho, incluindo plantões sem médico na sala onde são atendidos pacientes com Covid-19, o que resulta em mais mortes.
Segundo Câmara, que tem participado de vistorias nos hospitais do estado, pelo menos 5 dos 14 plantões semanais da unidade estão sem clínicos. Isso significa que por dois dias e meio somados na semana, os enfermeiros e técnicos ficam sozinhos com os pacientes.
Procurada, a secretaria municipal de Saúde afirmou que os corpos não ficaram acumulados no corredor do hospital, como sugere a foto. E diz que a imagem foi feita entre o momento do transporte e a entrada no necrotério.
Segundo a secretaria, o hospital tem 18 gavetas refrigeradas e foi instalado contêiner com espaço para mais 12 corpos. A pasta não se pronunciou sobre a falta de médicos.
Outro local que teve 15 corpos acumulados fora das gavetas refrigeradas no sábado (25) foi o Hospital Municipal Moacyr do Carmo, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Foi a prefeitura que divulgou as fotos, culpando a funerária --com quem trava batalha judicial há anos pela administração dos cemitérios.
Segundo o município, os corpos começaram a se acumular na sexta (24) e só foram retirados no dia seguinte pela empresa, após cerca de 15 horas.
"Os corpos estavam no local, acondicionados de maneira perigosa, oferecendo grande risco para os servidores e demais pacientes internados na unidade. A prefeitura cobrou da empresa a remoção dos corpos", informou em nota a prefeitura da cidade.
A empresa AG-R Eye Serviços Funerários alega que a prefeitura só solicitou a remoção no sábado e que imediatamente enviou veículos. "Somos empresa privada. Portanto, não temos ingerência sobre a administração do hospital."
Os corpos têm se acumulado também em UPAs, que são menores e sem estrutura adequada, onde muitos pacientes estão ficando até conseguirem transferência para hospitais ou morrerem.
Diante desse cenário, a prefeitura colocou contêineres frigoríficos em outros quatro hospitais: Souza Aguiar, Evandro Freire, Lourenço Jorge e Ronaldo Gazolla. Neste último, são três instalações para 18 corpos em cada uma.
O governo do RJ fez o mesmo no Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda, único da rede estadual com vagas de UTI.